domingo, 28 de novembro de 2010

A SINFONIA de Fernando Pessoa e António Damásio




 Celebra-se, a 30 de Novembro, setenta e cinco anos da morte de Fernando Pessoa. Contudo, podemos afirmar que a sua palavra nunca esteve tão viva.  Ele sabia no seu presente que o futuro  lhe pertenceria e assim aconteceu de Portugal ao Japão, em a sua "nova renascença portuguesa". Neste ano de 2010, já pudemos ver o Filme do Desassossego de João Botelho e ler O Livro da Consciência de António Damásio com epígrafe pessoana de grande importância no decurso da obra. Ei-la:

«Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas,  timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia» (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego).


 A sinfonia consciente pessoana vai ser explicada cientificamente por Damásio ao longo da sua obra. Seleccionei as seguintes frases, por estarem directamente ligadas à tal sinfonia: 

«O eu e a consciência não acontecem numa só área, região ou centro de cérebro». 
«A mente consciente resulta da articulação fluída entre vários locais do cérebro». 
«O derradeiro produto da consciência ocorre a partir desses inúmeros locais cerebrais funcionando ao mesmo tempo».
 «Não ocorre num local único e assim se assemelha à execução de uma peça sinfónica, que não resulta do trabalho de um único músico, nem de uma só secção de uma orquestra». 

E o maestro? - pergunta-se. E Damásio responde: À medida que a performance se vai desenrolando, surge o maestro da orquestra, não antes. «Para todos os efeitos temos agora um maestro a orientar a orquestra, embora tenha sido o desempenho a criar o maestro - o eu - e não o contrário. O maestro é uma construção dos sentimentos e de um dispositivo da narrativa cerebral, embora esse facto não faça com que o maestro seja menos real». 

«A construção de uma mente capaz de englobar o passado que já vivemos e o futuro que antecipamos, bem como a vida de outros indivíduos que conhecemos, sem falar na capacidade de reflexão, assemelha-se à execução de uma sinfonia de proporções mahlerianas».
Convergentes na sinfonia da consciência, talvez pudessem convergir no conceito damasiano «de um grande colectivo de vontades [das nossas células] expressas através de uma única voz [...] sob a forma do eu num cérebro consciente». 
Em Pessoa, esse eu foi capaz de criar novos eus poéticos com voz própria, os seus heterónimos, com os quais não se confunde, pois eles tocam na  orquestra e  o seu eu é o maestro.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Coaching - a pedagogia empresarial

«Coaching: o triunfo do saber ser» (in semanário Expresso de 13 de Novembro de 2010)

O triunfo do saber ser alegra-me profundamente. Se aplicado ao mundo empresarial, redobra a minha alegria. Tentámos fazer isso na escola e chamaram-nos depreciativamente românticos. Talvez  com o palavrão inglês à cabeça funcione melhor: coaching (ouvem-se as rãs , a paisagem é idílica).
A palavra inglesa é derivada de coach que significa  nesta pedagogia «o líder inspiracional» apoiado na teoria socrática de que tudo está em nós e, por isso, «conhece-te a ti mesmo», para desenvolver todas as potencialidades do ser.
Lê-se no referido semanário que «o primado empresarial de saber fazer deu lugar ao saber ser». E que o boom em Portugal se dera em 2005. Quem deu por isso? Já percebi, a especialista explica: «o coaching ainda é visto como uma metodologia de elite», por isso, ninguém se apercebeu. Ok.
Mudança de mentalidades, eis o que se pretende coachando: «o grande desafio das empresas é, hoje, desenvolver o seu capital humano nas questões ligadas ao relacionamento interpessoal e emocional». Quem acredita que tal pedagogia se faça no mundo empresarial português?
«A atitude coach, dimensão verdadeiramente transversal relacionada com o saber ser, representa uma forma inovadora de estar na vida pessoal, profissional e social, na medida em que permite níveis superiores de realização, bem-estar e equilíbrio». Maravilhoso, não é? A inteligência emocional e o velho Karl Rogers à colação. Quem sabe se o querido Paulo Freire não visitará  em espírito universal os coachs?
Funções do coach («o líder inspiracional»):
  • «Ajudar o colaborador a aprender e a perceber as áreas em que o seu potencial de desenvolvimento é maior.
  • Estimulá-lo a desenvolver a sua inteligência emocional e a tirar o melhor dela em termos profissionais.
  • Apoiá-lo a explorar e a definir as suas metas, a tomar opções,  a lidar e analisar os erros, as suas causas e raízes e as formas de os resolver e ultrapassar.
  • Facultar pistas ao colaborador para que ele possa encontrar o seu rumo na organização e superar-se a si próprio.
  • Transmitir desafios concretizáveis, bem como sentimentos de segurança.
  • Estimular a proactividade e o orgulho da pertença à organização e à equipa em que está integrado.
  • Promover o reconhecimento do mérito e impelir o colaborador a utilizar todo o seu potencial ao serviço da empresa.
  •      Ajudar a estimular a independência e autonomia do colaborador, bem como a sua competência, empenho, dinamismo, proactividade e capacidade de inovação».

Vejam isto aplicado à formação de professores e ao ensino em geral e a todos os profissionais e a toda a gente. Finalmente o idealismo de uma sociedade melhor vai acontecer.   

Os doutores da praça do tipo Nuno Crato e Medina Carreira já estarão ao par? O romantismo da educação que tanto criticam terá entrado no mundo empresarial?

Produtos românticos? Nós todos.

Exemplo de um texto coach retirado da internet:
«Portugal: onde o Coaching se faz há seculos - 2010-04-23 14:25:15
É típico e sobejamente conhecido, que os portugueses, em termos gerais, têm uma certa tendência para a “pequenez” e falta de auto-estima, que os leva muitas vezes a permanecerem na sua zona de conforto. Essa atitude de resignação, impede o nosso povo de alcançar maior confiança que lhe permita desenvolver objectivos ambiciosos. Enquanto “homem do coaching” estou habituado a olhar para o presente e futuro e, raramente para o passado; contudo, penso que, neste caso, devemos reflectir um pouco sobre um passado que, embora longínquo, pode dar-nos algumas bases para reflectir... refiro-me à época dos Descobrimentos.
Deste período podemos encontrar a inspiração que tantas vezes nos falta, se pensarmos que aquilo que os Portugueses fizeram, não foi mais nem menos do que ultrapassar continuamente os seus limites e crenças. Até um certo momento olhava-se para o Cabo Bojador como intransponível mas o espírito de querer sempre ir mais além fez de Gil Eanes o responsável pela queda de velhos mitos medievais, abrindo caminho para os Grandes Descobrimentos. Mais tarde, coube a Bartolomeu Dias o feito de, uma vez mais, ultrapassar os limites à altura convencionados, ao conseguiu dobrar o Cabo situado na ponta sul do continente africano. Este feito contribuiu para uma clara mudança do paradigma, fazendo com que o então Cabo das Tormentas, passasse a designar-se por Cabo da Boa Esperança. Estava então aberto um novo horizonte e, com ele, novas oportunidades de expansão e desenvolvimento.
Homens como Gil Eanes, Bartolomeu Dias ou o Infante D. Henrique foram, na minha modesta opinião, os primeiros grandes Coaches do nosso país. Eles conseguiram mobilizar recursos e motivar pessoas para ir mais além, para quebrar medos e crenças, levando-os a superarem-se, criando no Portugal de então um sentimento de grandeza e de permanente vontade de “dar novos mundos ao mundo”.
Por outro lado, podemos afirmar que, salvo pequenas excepções, os portugueses conseguiam criar fácil empatia com os outros povos e ser bem aceites. O sucesso da expansão portuguesa pelo mundo deveu-se, em muito, a esta sensibilidade para os aspectos relacionais que ainda hoje nos caracteriza. E esta é, para mim, uma das características mais importantes que deve estar presente naqueles que pretendem desenvolver projectos e... Pessoas!
Ainda hoje os portugueses são vistos pelos estrangeiros como o povo que sabe receber, cria envolvência e desperta Emoções!.. E esta é, porventura, uma das nossas maiores virtudes... de uma ou outra forma, temos a natural capacidade de desenvolver e aplicar a inteligência emocional com relativa facilidade. O sucesso de portugueses como José Mourinho (entre outros) está, sem dúvida, relacionado com o Emocional. Se considerarmos que na origem da palavra “Emoção” está o termo que vem do latim “motus” (movimento), podemos entender melhor que as emoções são o grande motor para que algo aconteça e se mova...
Nas formações do IICD as pessoas percebem a real importância deste aspecto e ficam habilitadas a saber gerir melhor essas emoções no sentido de um sucesso pessoal e profissional...
Sérgio Guerreiro
Director Executivo/Coach (BizPoint)»

OK! E onde é que os navegadores nos levaram? À colonização exploradora, ao saudosismo e ainda não ao projectismo futurológico. Talvez agora lá cheguemos de coach.

domingo, 31 de outubro de 2010

ESCOLA E DEMOCRACIA





 Citando da entrevista de Fernando Savater, no caderno Actual do semanário Expresso de 30 de Outubro:
  • Como a sociedade democrática deve ser laica, não há razão que justifique a presença da religião na escola pública. A religião é um assunto privado, que deve ficar na sinagoga, na paróquia, na mesquita.
  • A escola não é democrática. Nem deve sê-lo. A escola é uma preparação para a democracia. Uma aula é hierárquica. O professor está sempre acima do aluno. A escola deve estar a preparar alunos para ser cidadãos. A escola não tem mecanismos da democracia nem deve tê-los.
  •  A escola sempre viveu em crise. Os professores foram educados no passado e têm de educar para o futuro. Essa crise é a da sociedade.
  • Ora, se o professor tem tanta autoridade como o aluno a aula não funciona.
  • Toda a gente aceita que um treinador dê ordens aos seus jogadores. Já o mesmo modelo numa escola parece que começou a ser (erradamente) entendido como algo escandaloso.
  • Há que elevar o nível médio de conhecimento para que todos possam intervir com competência.
  • Os políticos somos todos nós. Somos nós que os elegemos. Os políticos não são seres de outro planeta que desceram à terra para nos dificultar a vida.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Rómulo de Carvalho: «Em Educação está sempre tudo mal?»


Sou seguidora do blog "De rerum natura" e achei muito interessantes as reflexões de Rómulo de Carvalho, depois do seu estudo sobre a educação em Portugal, respondendo ao porquê do sentir que, em educação, está sempre tudo mal.
http://dererummundi.blogspot.com/2010/08/educacao-esta-sempre-mal.html
«Novo texto recebido de António Piedade:
[…]
A páginas tantas, o Professor Rómulo de Carvalho disse-nos que tinha estudado a Educação em Portugal, desde o início da nacionalidade portuguesa até ao fim do regime Salazar-Caetano, e que dessa investigação iria a Fundação Calouste Gulbenkian publicar (o que aconteceu em 1986 - ) uma obra inédita em múltiplos sentidos: nunca ninguém antes, quer fosse ou não historiador, tinha levado a cabo tamanha tarefa; nunca ninguém antes, quer fosse ou não especialista em educação, tinha ousado analisar criticamente e com o distanciamento necessário ao bom juízo, "o conhecimento histórico sobre o modo como o ensino foi ministrado e os respectivos resultados da educação"; nunca ninguém antes em Portugal tinha ido à procura da razão histórica dos seus próprios alicerces educativos, no sentido de traçar denominadores comuns e específicos ao contexto do país em cada época. Era estranho, disse-nos ele, que os reformadores não tivessem uma mínima curiosidade sobre as lições que estavam por retirar dos diversos modelos de educação aplicados ao longo da história Lusa.
Rómulo de Carvalho fez-nos então nessa tarde de Verão refrescada com limonada caseira, um comentário que ainda hoje recordo: ao longo da história da educação em Portugal encontramos uma constante referência à queixa de que a educação nunca estivera tão mal como então. Em cada época, repetia-se a sensação de insatisfação com o estado da Educação.
[…]
E, segundo ele, haveria sempre um desfasamento de cerca de uma década, entre o reconhecimento de um dado conhecimento e da utilidade social da sua transmissão às novas gerações através da escola: tempo para o compreender e encontrar a forma de o transmitir; tempo para o ensinar aos que o iriam ensinar; tempo para formar os que no terreno cumpriam o papel mais nobre da Escola que é o de assegurar a minimização de erros na sociedade.
Agora, se a este desfasamento adicionarmos mais experimentações de novos modelos de ensino e de avaliação do saber supostamente transmitido e adquirido, sem o seguro conhecimento das especificidades e das necessidades de um País alfabeticamente empobrecido, então talvez o atraso no estabelecimento de uma cultura científica democrática, necessária a todos os cidadãos, sem excepção, numa sociedade de base tecnológica como é a nossa, não se medirá em décadas e a medida padrão de atraso mais adequada tenda para o "quartel".

Mas afinal, será próprio da Educação este estar sempre mal?»

 

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Homenagem a José Saramago

«Lisboa estava ganha, perdera-se Lisboa. após a rendição do castelo, estancou-se a sangueira. Porém, quando o sol descendo para o mar, tocou o nítido horizonte, ouviu-se a voz do almuadem da mesquita maior clamando pela última vez lá do alto, onde se refugiara, Allahu akbar. Arrepiaram-se as  carnes dos mouros à chamada de Alá, mas o apelo não chegou ao fim porque um soldado cristão de mais zelosa fé [...] subiu correndo à almádena e de um só golpe de espada degolou o velho, em cujos olhos cegos uma luz relampejou no momento de apagar-se-lhe a vida. [...]
[...] Acabaste e ele respondeu, Sim, acabei, Queres dizer-me como termina, Com a morte do almuadem, [...]. A cabeça de Maria Sara descansa no ombro de Raimundo, com a mão esquerda ele acaricia-lhe o cabelo e a face. Não adormeceram logo. Sob o alpendre da varanda respirava uma sombra.»

(Final de O Cerco de Lisboa de José Saramago)

domingo, 20 de junho de 2010

EPITÁFIO DE JOSÉ SARAMAGO

Partiu em Junho, o mês de Luís de Camões e de Fernando Pessoa. E, a partir de agora, o mês de José Saramago.

A 10, celebra-se Luís de Camões (1525 (?)- 1580)

«No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Du(m)a austera, apagada e vil tristeza.»
(Os Lusíadas, estância 145.)

A 13, Fernando Pessoa (13/ 06/1888 - 30/11/1935)

«Eras sobre eras se somem
No tempo que em  eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!»
(Mensagem, in «O Quinto Império».)



A 18, José Saramago (16/11/1922 - 18/06/2010)
«Tome-se um poeta não cansado,
Uma nuvem de sonho e uma flor,
Três gotas de tristeza, um tom dourado,
Uma veia sangrando de pavor,
Quando a massa já ferve e se retorce
Deita-se a luz dum corpo de mulher,
Duma pitada de morte se reforce,
Que um amor de poeta assim requer.»
(Colóquio/Letras, n.º151/152, p.25.)

Que inúmeros cérebros devorem a vossa Obra imortal!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Porque é que a Terra anda em volta do Sol?

 (lendo Mundos Paralelos de Michio Kaku)


Todo o mundo é um palco
E todos os homens e mulheres são meros actores,
Todos entram e saem.

Shakespeare (1564-1616) metaforizou desse modo o mundo.
Newton ( 1643-1727) «concebia o espaço e o tempo como uma vasta arena vazia onde os eventos podiam ocorrer, de acordo com as suas leis do movimento. O palco estava cheio de maravilhas e de mistérios, mas era essencialmente inerte e desprovido de movimento, assistindo passivamente à mudança da natureza».
Einstein revolucionou a ideia de palco, transformando o próprio palco numa parte importante da vida. O espaço e o tempo não eram uma arena estática, mas dinâmica, inclinando-se e curvando-se de formas estranhas. Em vez de palco, uma rede de circo, sugere Kaku, onde os actores caem suavemente sob o próprio peso.
Há uma imagem de Michio Kaku, bem mais explícita: uma bola de bowling a afundar-se suavemente num colchão, um berlinde que se atira para a superfície abaulada do colchão. Observa-se, então, que o berlinde percorrerá uma trajectória curva, orbitando em torno da bola de bowling. «É óbvio que não existe nenhuma força. Há apenas uma inclinação no colchão, que obriga o berlinde a mexer-se numa linha curva». Depois, Kaku desfaz a metáfora: o berlinde representa a Terra; a bola de bowling, o Sol; o colchão, o espaço-tempo. E apresenta a conclusão: a Terra  move-se em volta do Sol «não devido à atracção da gravidade, mas porque o Sol deforma o espaço em redor da Terra, criando um impulso que obriga a Terra a mover-se num círculo». «A gravidade não atrai; o espaço empurra». «Nesta nova e surpreendente representação, a gravidade não era uma força independente que preenchesse o Universo, mas o efeito aparente da curvatura da estrutura do espaço-tempo. [...] Nesta brilhante teoria, a curvatura de espaço-tempo era determinada pela matéria e energia que continha», à semelhança  do que acontece quando se atira uma pedra  ao lago,  gerando uma série de ondas que se propagam: quanto maior for a pedra  maior será a deformação da superfície do lago.Assim, «quanto maior for a estrela, maior será a curvatura do espaço-tempo à sua volta».

sábado, 5 de junho de 2010

Estado Social - a destruição

Reciclando o Expresso:
«O CAMINHO PARA A SERVIDÃO» (Daniel Oliveira): a destruição do Estado Social em curso.
  1. O autor valoriza o Estado Social pela libertação de cada indivíduo, face à família ( capaz de exercer o seu poder até à excisão feminina), face ao patronato, face à religião, etc. Regista-se a frase: «Através do Estado Social, construímos, na segunda metade do século XX, as sociedades mais livres da História».
    Para além do artigo:
    Acrescenta-se que, num primeiro momento da crise internacional, percepcionou-se o Estado Social como o possível salvador, para paulatinamente se ir verificando que ele próprio estava a ser posto em causa. Uma certeza parece existir: o dinheiro em dinamismo é o salvador. Mas, sendo ele uma invenção do homem, não poderá ser reciclado e transformado em algo mais interessante para o ser humano? Esse jogo já foi jogado até à exaustão, não poderá criar-se um outro?
  2. Do mesmo autor, regista-se «a união nacional da opinião», em «Ditadura de opinião», por se concordar com o teor da expressão crítica.
    Para além do artigo:
    O unanimismo opinioso tipo ralhete Medina Carreira (sublinhado pelo sorriso concordato de Mário Crespo e pela palmatória de Nuno Crato) e a verrina anti-socrática dominam a comunicação social e os emails em série. Somos mesmo bons na escola tradicional a dar lições sentenciosas aos outros e a pôr-lhes orelhas de burro! Falta sempre quem (olhando para os outros, mas também para si próprio) se consiga superar e surja com soluções para os problemas e se apresente com vontade de os resolver, na certeza de que todos contribuímos, mais ou menos, para a crise existente, como bons consumidores. E a sociedade capitalista baseia-se em quê? Pois, no consumo. E viva o paradoxo. E podemos regular um paradoxo?

segunda-feira, 31 de maio de 2010

«O século XX português é uma história de sucesso»


(reciclagem do semanário Expresso)
 

Depois de folhear o primeiro caderno, a selecção recaiu no artigo de Henrique Raposo: «O meu avô, o meu pai, e eu». É um prazer cerebral ler uma frase assim: «O século XX português é uma história de sucesso, meus amigos». Atrás da orelha do leitor habituado ao jornalismo da desgraça, a pulga começa a comichar: Então porquê, Henrique?

Muitas vezes, penso que nasci na Idade Média ( em 1944), mas o avô, visto pelo neto Henrique, avança para as invasões francesas para regredir para a o Alentejo Mauritânia. Enfim, concluo que estamos de acordo: Idade Média, mais ou menos.

O retrato dessa época aparece condensado na frase: «o terceiro mundo estava ali estacionado». É mesmo assim que eu vejo a minha aldeia minhota com os seus poucos habitantes: parada na rotina diária e social. E Deus no céu e Salazar na terra governavam o pequeno mundo imutável. E nenhum deles queria mudança. E o mundo era o palco medieval, no qual os actores se mexiam para actuar de acordo com a cartillha. E foi mais de meio século assim.

Contudo, aquele avô analfabeto e esforçado, como tantos outros, arregaçou as mangas e ajudou a construir um mundo que permitiu ao seu filho ir à escola e avançar como empresário até ao «hall do primeiro mundo», onde o Henrique nasceu e cresceu, sendo hoje o «cronista benjamim do maior jornal do país». Parabéns.
Mas isso não quer dizer que o século XX tenha sido um século de sucesso nacional.Nem todas as histórias de esforço parental foram assim tão bem sucedidas. Porém, a revolução sócio-cultural aconteceu e está em curso.

sábado, 29 de maio de 2010

«EINSTEIN, O REBELDE» (lendo Mundos Paralelos de Michio Kaku)

1. O aparente insucesso escolar de Einstein: «Os professores não gostavam deste estudante com pouca vergonha e convencido que, frequentemente, faltava às aulas».
2. A dificuldade de arranjar emprego: Depois de ter acabado o curso no Instituto Politécnico de Zurique, em 1900, encontrou-se desesperadamente desempregado. «Considerava-se um falhado e um doloroso peso financeiro para os pais»; o pai morreu «convencido de que o seu filho era um falhado».
3. O primeiro emprego: «modesto funcionário no registo de Patentes da Suíça em Berna», emprego conseguido a custo, porque um colega seu «mexeu uns cordelinhos».
4. O valor da leitura: «Na sua infância, Einstein tinha lido um livro de Aaron Bernstein, People's Book on Natural Science, " um trabalho que li com ansiosa atenção", recordará ele. Bernstein pedia ao leitor que imaginasse que percorria a electricidade quando ela corria ao longo de um fio do telégrafo». A criança Einstein imaginou que, «se fosse possível correr ao longo de um feixe de luz, ele pareceria congelado como uma onda imóvel».
5. A busca das respostas: Aos 16 anos, perguntou-se "qual seria o aspecto de um feixe de luz, se fosse possível apanhá-lo.Mais tarde, respondeu à questão: «se eu perseguir um feixe de luz com a velocidade c (a velocidade da luz no vácuo), observarei esse raio de luz como um campo electromagnético em repouso que oscila espacialmente».
6. Einstein e as teorias de Newton: «Do mesmo modo que a descoberta de Newton unificou a física da terra com a física dos céus, Einstein unificou o espaço com o tempo. Mas também mostrou que a matéria e a energia estão unificadas e, por conseguinte, podem transformar-se uma na outra».

( KAKU, Michio, 2010, Mundos Paralelos - uma viagem pela criação, dimensões superiores e futuro do cosmos, Lisboa, Editora Bizâncio, pp.50-54).

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Porque é que o céu nocturno é escuro?


Imaginem quem  foi a primeira pessoa a dar «a chave para a a resposta correcta»: 
o escritor  (astrónomo amador) Edgar Allan Poe (1809-1849), em Eureka: A Prose Poem. Escreveu assim: «Se a sucessão das estrelas não tivesse fim, então o fundo do céu apresentaria uma luminosidade uniforme, semelhante à que é exibida pela Galáxia - por conseguinte, não poderia haver absolutamente nenhum ponto, em todo esse fundo, onde não existisse uma estrela. Assim, a única maneira, de, em tais condições, compreendermos os vazios que os nossos telescópios encontram em inúmeras direcções, seria supor que a distância do fundo invisível [é] tão grande que nenhum raio vindo de lá pode chegar até nós».
As palavras de Poe, segundo Michio Kaku, contêm «a chave para a resposta correcta». Porém, hoje sabe-se que:
  •  «O Universo não é infinitamente antigo. Houve um Génesis». 
  • «O Universo tem apenas 13,7 mil milhões de anos de idade».
  • «A luz que chega aos nossos olhos tem um atalho finito».
  • «Quando olhamos para o céu nocturno, estamos a olhar para ele tal como era no passado».
  • «Para  o céu nocturno ser claro, o Universo teria de ter centenas de biliões de anos-luz» e não tem.
  • Outra razão para o céu ser escuro: «a duração finita das estrelas, medida em milhares de milhões de anos».
  •  
    Depois de explanar essa informação, Kaku responde à pergunta do título, depois de formular outra pergunta: «o que há para além das galáxias mais distantes?». Responde então que entre as galáxias há apenas escuridão. «Esta escuridão é que faz com que o céu nocturno  seja escuro. [...) No entanto, esta escuridão é, na realidade, a radiação de fundo de microondas. Assim, a resposta final à questão [...] é que o céu não é completamente escuro». Se pudéssemos ver a radiação de microondas, veríamos a radiação do big bang  inundando o céu nocturno, todas as noites.
( KAKU, Michio, 2010, Mundos Paralelos - uma viagem pela criação, dimensões superiores e futuro do cosmos, Lisboa, Editora Bizâncio, pp.46-50).

    domingo, 23 de maio de 2010

    «O homem de Porlock» - a interrupção literária

    ACTUAL  FRAGMENTÁRIA
    O século era vinte e um e ela lia o Actual com Cunhal na capa e as artes a seguir. Tudo lhe interessava e nada lhe interessava. Dependia da hora do dia. No saco plástico não faltava papel, que, depois, seguiria para a reciclagem mental e material. Uma revista só de culinária fez as delícias dos olhos cansados. Bem, essa ficaria na colecção seleccionada de cozinheira. Propunha receitas das carnes preferidas: aquelas que não deixam ficar mal a insegurança da eterna aprendiz. O prefixo in era o seu preferido. E tem tudo a ver com o texto imperfeito que produz infinitamente. Ele surge, ela começa a escrever e ele pára por si ou pela interrupção sagrada do homem de (Interrupção mental. Aparece prockorn. Mas isso é o nome do pão com muitos cereais mal moídos. Pesquisa no Google. Ela bem sabia que não era prockorn. O certo é que foi parar a um blogue que comentava as notícias sensacionalistas. A da professora que posara para a Playboy. E a do assassinato de mãe e filha por tresloucado marido/pai. Ali ao lado. Na cidade dela. A família. Sagrada. Não é confiável? Está com os pais e sossega-se. Pode? E era o tacão altíssimo dos sapatos à la mode que gerava a discussão: sim e não à proibição entre argumentos de saúde e de beleza. Mas quem paga a saúde? Sobre isso não escreveram. Bem, felizmente era só uma entrada)
    O homem afinal era de Porlock. Pois. A interrupção literária. Kubla Khan e o poeta inglês que era (Vazio cerebral. Volta à pesquisa. Mais fácil agora. Na barra inferior. É só clicar)
    E o poeta inglês chama-se Samuel Taylor Coleridge. Aparece o artigo em inglês de Maria Irene Ramalho. Ela até já comprara o livro dos poetas do Atlântico, onde Pessoa é o destaque. 
    No Outono de 1797, Coleridge lia (Lia: giro, ela tinha tido uma aluna com esse nome) as aventuras de Marco Polo no reino de Kubla Khan quando adormeceu sob o efeito de um medicamento um pouco opiado e teve um sonho poemático acerca do palácio desse reino. Ao acordar, escreveu o sonho poema até ser interrompido pelo homem de Porlock e, embora tenha retomado o poema com mais uma vintena de versos, sempre  considerou o poema incompleto por interrupção, face ao poema do sonho. Impensável, ó Colerige, o valor hermenêutico desse acontecimento literário! Se não fosse a interrupção literária os poemas não teriam fim? O fim pode ser lido como interrupção?

    Virtual à parte, ela sustenta na mão Poetas do Atlântico – Fernando Pessoa e o modernismo anglo-americano de Maria Irene Ramalho com prefácio de Harold Bloom (e ela admira-se provincianamente com um enorme ponto de exclamação cerebral que não regista). Nessa obra, há um artigo intitulado «Interrupção Poética: um Conceito Pessoano para a Lírica Moderna».
    De facto, Fernando Pessoa escreveu O homem de Porlock. Nesse texto, o autor valoriza na arte o sonho e a interrupção externa ou interna e fatal («o "Homem de Porlock", o interruptor imprevisto») bem sentida por ele até ao outramento literário. E por causa desse visitante interruptor «o que de todos nós resta, artistas grandes ou pequenos, [...] são fragmentos do que não sabemos que seja, mas que seria, se houvesse sido, a mesma expressão da nossa alma» (PESSOA, Fernando, 2006: Prosa Publicada Em Vida, edição Richard Zenith, Lisboa, Assírio e Alvim, pp.116-118).

    sábado, 22 de maio de 2010

    HALLEY , NEWTON E O COMETA DA RÉPUBLICA

    O centenário da República faz recordar o centenário da visita assustadora do cometa Halley, visto como o causador do fim do mundo com o veneno dos seus gases.
    Em 18 de Maio de 1910, o cometa Halley assustara os portugueses e foi lido,  posteriormente, por muitos, como tendo trazido o fim da monarquia portuguesa e o início da República, a 5 de Outubro desse mesmo ano.
    Edmund Halley  (1656-1742), astrónomo amador, observara o cometa em 1682, e, deveras intrigado, procurou a opinião de Isaac Newton acerca de que força  poderia controlar o movimento do cometa. Por sua vez, esse cientista insigne tinha estado a observar o cometa com o telescópio reflector por si inventado e pôde responder que «a força que se exerce sobre o cometa é inversamente proporcional ao quadrado da sua distância ao Sol» e que «a sua trajectória seguia a sua lei de gravitação que desenvolvera vinte anos antes» (KAKU, 2010: 43).
    Halley, surpreendido com a monumental descoberta de Newton, ofereceu-se para custear a publicação da nova teoria. E foi assim que, em 1687, Newton pôde publicar «o seu épico trabalho» Princípios Matemáticos da Filosofia Natural. Com esta obra, os cientistas, desconhecedores das leis mais importantes do sistema solar, ficaram habilitados a prever o movimento dos corpos celestes.
    Grande foi o impacto da obra de Newton na Europa, traduzido desta forma poética por Alexander Pope (1688-1744):

    «A Natureza e as suas leis estavam ocultas na noite,
    Deus disse: Faça-se Newton! E tudo foi luz.»
    (apud KAKU, 2010: 43)

    quinta-feira, 20 de maio de 2010

    Kaku, Michio - MUNDOS PARALELOS

    «Estão a aumentar as provas científicas que sustentam a existência do multiuniverso no qual universos inteiros estão continuamente a "brotar" de outros universos. Se tal for verdadeiro, será possível unificar duas das maiores mitologias religiosas, o Génesis e o Nirvana. A Criação ocorrerá continuamente na fábrica do Nirvana intemporal» (KAKU, 2010: 35).

    terça-feira, 18 de maio de 2010

    Economia rima com poesia

    «Reciclagem em alta» do Caderno de Economia do semanário Expresso, de 15 de Maio, em ponto de cruz com o poema seleccionado de Adília Lopes::


    Nicolau Santos voltou com a poesia
    e com os cisnes
    que perseguem a Fiama e  a economia
    entre o cisne e o monstro
    «Sem vivo nem morto»
    é Sócrates quem «cumpre o seu calvário»
    grego e português
    queres que te conte outra vez
    certo certo sem talvez
    é um verão mais elegante
    «os contribuintes vão emagrecer»
    guerra ao monstro obeso e elefante
    que ele não escape outra vez
    mas olha a novidade
    «a economia ganha com a biodiversidade»
    o Papa em Fátima
    o milagre aconteceu
    «estrelas cadentes»
    e «Portugal cresceu»


    «(de ócio de cisne e de ócio de Fiama
    se faz a literatura portuguesa
    minha contemporânea)»

    sábado, 15 de maio de 2010

    MUNDOS PARALELOS - KAKU, Michio

     O SATÉLITE WMAP: «Um marco histórico»

    sexta-feira, 14 de maio de 2010

    MUNDOS PARALELOS - KAKU, Michio


    «Representações do Universo bebé»

    Num primeiro momento, Michio Kaku expõe as origens do Universo pelos mitos cosmogónicos, subdivididos em duas categorias contraditórias: aqueles que apresentam a criação a partir do nada e os que consideram o Universo eterno (sem princípio nem fim).

    Depois dessa deliciosa exposição, Kaku apresenta a possível conciliação dos dois tipos de cosmogonias a partir do mundo da ciência. Afirma, então:

    «O que está a emergir gradualmente dos dados é uma grande síntese destas duas mitologias opostas. Talvez, especulam os cientistas, a Criação ocorra repetidas vezes num oceano intemporal de Nirvana. Nesta nova representação, o nosso Universo pode comparar-se a uma bolha que flutua num "oceano" muito mais vasto, onde novas bolhas estão constantemente a formar-se. De acordo com esta teoria, os universos, como bolhas que se formam na água a ferver, estão em criação contínua flutuando numa arena muito mais vasta, o Nirvana do hiperespaço a onze dimensões».

    O estudo desses mundos paralelos ocupam os cientistas (físicos e astrónomos), abrindo portas para especulações que incluem a possibilidade da futura fuga de um Universo para outro.

    O motor dessas novas teorias é o fluxo de dados dos satélites espaciais, nomeadamente do satélite WMAP, lançado em 2001, que forneceu uma imagem pormenorizada do Universo primitivo, com uma precisão sem precedentes, quando este tinha apenas 380 000 anos de idade, revelando numa fotografia do céu a radiação de microondas criada pelo próprio big bang (fotografou-se o "eco da criação").


    quinta-feira, 13 de maio de 2010

    MUNDOS PARALELOS

    Lendo KAKU, Michio (2010) - MUNDOS PARALELOS - UMA VIAGEM PELA CRIAÇÃO, DIMENSÕES SUPERIORES E FUTURO DO COSMOS, 2ª edição, Lisboa, Editorial Bizâncio.

    No prefácio, o autor começa por definir cosmologia: «o estudo do Universo como um todo»
    Situa a primeira revolução da cosmologia no século XVII com a introdução do telescópio com o qual Galileu, na esteira dos estudos de Copérnico e de Kepler, abriu, pela primeira vez, «o esplendor dos céus à investigação séria». O progresso desta primeira fase culminou no trabalho de Newton, formulador das leis que «governam o movimento dos corpos celestes».
    Seria preciso chegar ao século XX para a segunda revolução, iniciada com a introdução dos grandes telescópios. Em 1920, Huble usou o telescópio do Monte Wilson «para derrubar dogmas seculares, que afirmavam que o Universo era estático e eterno», demonstrando que o Universo está em expansão, uma vez que as galáxias se estão a afastar da Terra a velocidades enormes. Os seus estudos vieram confirmar os resultados da teoria da relatividade geral de Einstein, «segundo os quais  a arquitectura do espaço-tempo, em vez de ser plana e linear, é dinâmica e curva, o que conduziu à primeira explicação plausível da origem do Universo: o Universo começou com uma explosão cataclísmica denominada big bang, que arremessou as estrelas e as galáxias no espaço». Dos estudos sobre o big bang emergiu um quadro com as  linhas mestras da evolução do Universo.
    A terceira revolução está em curso com os instrumentos de alta tecnologia que permitem obter dados muito seguros «sobre a natureza do universo, incluindo a sua idade, a sua composição e talvez até a sua provável morte futura»,
    Não deixando de fazer a retrospectiva da cosmologia, o livro trata dessa terceira revolução, admitindo a existência de novas provas de o nosso Universo ser um entre muitos.

    terça-feira, 11 de maio de 2010

    MARCHA PELOS DIREITOS HUMANOS - Braga 7 de Maio

    E a poesia de António Gedeão voltou à rua, em Braga, inspirando as vozes orquestradas, jovens e adultas,   que ajudavam a Luísa a subir a calçada:  «Luísa sobe, / sobe a calçada, / sobe e não pode / que vai cansada. / Sobe, Luísa,/ Luísa sobe / sobe que sobe, / sobe a calçada. / [...] /   / Puxa que puxa, / larga que larga, / Anda Luísa [...]».
    Em alguns rostos destas Luísas orquestradoras da Marcha pelos Direitos Humanos, o cansaço espreitava sem que a litania desse por isso.
    E, ao som da poesia e do rufar dos tambores, a Marcha desaguava na Avenida Central, ladeada de mini-pavilhões sobre a BIODIVERSIDADE. Esta palavra dominou a semana bracarense, em termos da Ciência e da Educação. Por isso a MARCHA PELOS DIREITOS HUMANOS? Todos diferentes, todos iguais. Para quando?
    Perfila-se, então,  no meu pensamento, Thiago de Mello e o seu poema Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente) :
    Artigo I
    Fica decretado que agora vale a verdade.
    agora vale a vida,
    e de mãos dadas,
    marcharemos todos pela vida verdadeira.
    [...]

    (a vida verdadeira, a biodiversidade, os direitos dos homens: a utopia em construção)

    sábado, 8 de maio de 2010

    Economia não pode rimar com poesia? (3)

    Reciclagem do Expresso, Caderno de Economia, da semana passada (sem o poema e sem Nicolau Santos - que terá acontecido).

    PALAVRAS SOLTAS:

    1.Palavra de ordem: «EMERGÊNCIA» «Responsabilidade» «Solidariedade» «Suspensão»
    «Senão»
    «Pedregulhos pendurados nos nossos pés»
    «Nos arrastarão»

    2. «GALP vai tirar 10 mil barris por dia do TUPI»
    «Ao lado ainda tem os campos
    de Iara, Iracema, Júpiter» (ó rei dos deuses)
    «CARAMBA
    E BEM-TE-VI»

    3. Mais Valia
    «E afinal onde podia o Estado cortar?»
    «Greves e protestos sem fim á vista»
    «As boas ideias atraem-nos»
    «Snickers agora são feitos com mais amendoim»
    Ai sim?
    «É o fim do mundo em cuecas»
    «O quebra-cabeças das mais-valias»
    «Expectativa e solidariedade»
    «VAI DISPARAR» / «BANCA TRAVA»
    «UMA NOVA IDOLATRIA: dar mais poder aos accionistas
    ou
    capitalismo virado para o cliente»
    Ó Mensagem surpreendente!!!
    «Snickers agora são feitos com mais amendoim»
    Ai sim?
    «É o fim do mundo em cuecas»
    «Quem diria que a eficiência pode ser tão atraente?»
    «Não é coincidência, é consistência»
    «O fenómeno da pobreza na Europa» – conferência»
    «Mundo em mudança»
    «O cerne da questão»
    «O futuro é instalar um motor eléctrico nas rodas do automóvel»
    «a pobreza na Europa»
    «Continua a ser a burocracia, estúpido!»
    «Foi um parto difícil»
    «E não queríamos abrir uma mina de ouro ou um poço de petróleo, apenas um hotel»
    «É o fim do mundo em cuecas»
    «O cerne da questão»
    Pode ser que sim / Pode ser que não

    sábado, 1 de maio de 2010

    Economia pode rimar com poesia? (2)


    No momento que antecede o envio dos jornais para a reciclagem, há uma vontade de revisitação do Expresso, neste caso, do de 24 de Abril de 2010, por sinal, muito pouco abrilino. Folheiam-se os cadernos principais com paragem certa no caderno de Economia (não me perguntem porquê). Acontece, então, a vontade de fixar por citação alguns excertos.

     Poema de Herberto Helder, Aos Amigos (a selecção será de Nicolau Santos?):
    «Amo devagar os amigos que são tristes
    com cinco dedos de cada lado.
    Os amigos que enlouquecem
    e estão sentados,
    fechando os olhos,
    com os livros atrás a arder
    para toda a eternidade.
    Não os chamo,
    E eles voltam profundamente
    dentro do fogo.
    -Temos um talento doloroso e obscuro.
    Construímos um lugar de silêncio.
    De paixão.»

    1. «cem por cento»
    «Não se pode tapar o sol com a peneira»
    E «Simon Johnson é uma alimária»
    E «dias de cão e de especulação»
    E «agora não temos saída»
    E «um vulcão [...] entrou em erupção»
    E que «a Natureza nos venha lembrar
    quão frágeis continuamos a estar»
    «E quem salva os cidadãos?»
    «"Inútil", uma extraordinária aventura» 
    Inútil, «revista de poesia e de fotos no mercado português»
    E «agora, não temos saída»
    E é «culpa do vulcão islandês»?
    Talvez.

    2. «Lítio» / «O petróleo português» / «Minério Portugal / é já o quinto produtor mundial» / «dentro de dois anos a natureza volta a tomar / conta do lugar» / Nem vais acreditar / «É a maior mina de lítio da Europa» / A «Felmica / com sede em Mangualde / é aí que o mineral / é transformado em metal» / com «reabilitação ambiental» / «Quero [...] fazer em Portugal / a primeira fundição / resta-me  encontrar o parceiro ideal».
    Mas alguma coisa deve correr mal / agora não temos saída / a culpa é do vulcão islandês / ou, então, do fado português.

    3. «Tecnologia portuguesa seduz EUA» / «faz sentido avançar assim /  aceitar um desafio / dar o passo em frente / e ser reconhecido» /  «Amor à primeira vista com a EFACEC» / E com a bandeira, manos, /«Entrego o coração dos georgianos».
    Mas alguma coisa deve correr mal / agora não temos saída / a culpa é do vulcão islandês / ou, então, do fado português.

    4. «Invasão de cisnes cinzentos» / «modeláveis» / «expectáveis» / «os gestores» / «os empresários» / «podem armar-se / de uma postura / de um pensamento / que os ajude a "farejar" / a «actuar / por antecipação» / a compreender o seu "comportamento" / e saber "navegá-los" quando rebentam».
    De metáfora em metáfora / de Aristóteles a Maubossin / a culpa é do vulcão islandês / e das contas que deus não fez.

    quinta-feira, 29 de abril de 2010

    Escola Secundária Carlos Amarante festeja o 25 de Abril

    A Poesia está na rua. Esse foi o título dado ao Sarau abrilino, organizado pela Escola com a participação aberta aos docentes, discentes e familiares. Nós, os mais velhos, ouvimos e trauteámos nostalgicamente canções e músicas de intervenção, cantadas e tocadas por jovens. Aquelas  eram as canções que abriram as portas de Abril e as que trabalharam para que elas não se fechassem. Zeca Afonso foi especialmente celebrado.
    Jovens talentosos puderam mostrar ao público a sua arte.
    Da arte de hoje da cultura urbana, ouvimos um rap/hip-hop com letra e música da autoria do trio de alunos que o apresentou. A letra ficou a latejar pela mensagem de um mundo inseguro, violento e alienado, de que aqueles jovens têm consciência. Onde estão os cravos? Será que não os plantámos? Ou, então, cravos são flores sem frutos e Cronos tudo devora.Acreditemos que tudo se transforma e que todas aquelas mensagens de esperança criam nova esperança com a qual se continua a lutar. A luta é infindável. e não se pode parar.
    A música "cueca", extra-programa, teve o valor simbólico de um desafio ao programa estabelecido tal como a revolução abrilina, que, em 1974, também não estava no programa.
    Na abrangência de um olhar sempre novo sobre a realidade, há que salientar o "Poema para Galileo" de António Gedeão, brilhantemente declamado. E é desse poema extraordinário que passo a transcrever alguns versos:
    «[...]
    Eu queria agradecer-te, Galileo,
    a inteligência das coisas que me deste.
    [...]
    Ai, Galileo!
    Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste  pequeno mundo,
    que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
    andavam a correr e a rolar pelos espaços
    à razão de trinta quilómetros por segundo.
    Tu é que sabias, Galileo Galilei.
    Por isso eram teus olhos misericordiosos,
    por isso era teu coração cheio de piedade,
    piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
    a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
    Por isso estoicamente, mansamente,
    resististe a todas as torturas,
    a todas as angústias, a todos os contratempos,
    enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
    foram caindo,
    caindo,
    caindo,
    caindo,
    caindo sempre,
    e sempre,
    ininterruptamente,
    na razão directa dos quadrados dos tempos.»

    António Gedeão, Poesias Completas (1956-1967) 


    .

    sábado, 24 de abril de 2010

    José Pacheco Pereira, o Inquisidor-mor?





    - Nós somos a VERDADE!



    Quem diria que se ia transformar em inquisidor-mor?!
    Não esperava de si aquele rosto, aquele olhar de inquisidor-mor, na janela televisiva. Assustou-me, senhor! Fiquei boquiaberta a olhá-lo e retive a sua expressão assustadora.
    Recua-se na História e encontrámos esse olhar, essa expressão, na Santa Inquisição, defensora de uma só VERDADE!
    Recuo à infância colegial e encontro esse olhar na freira inquisidora-mor de uma só Verdade!
    Também foi para nos livrarmos da Verdade Única que fizemos emocionados o 25 de Abril!

    quinta-feira, 22 de abril de 2010

    Economia pode rimar com poesia?

    Citando do caderno de Economia do Expresso de 17 de Abril de 2010:

    Pedro Mexia, Vamos Morrer

    Vamos morrer,
    mas somos sensatos,
    e à noite,
    debaixo da cama,
    deixamos,
    simétricos e exactos,
    o medo
    e os sapatos.


    António Mexia e Zeinal Bava, premiados como os melhores presidentes pelo CEO, ”podem continuar a ser muito bem pagos sem serem pornograficamente remunerados”.

    Manifesto: o tempo não volta atrás.
    O uso de energias renováveis permite ao país poupar cerca de 500 milhões em 2010.
    O plástico que aduba a terra: sacos de compras biodegradáveis, uma criação da Tecnologia Empresa portuguesa. Trata-se do Biomind, um plástico biodegradável, que se transforma em húmus.

    A crise da Grécia é simplesmente um exemplo dos predadores a abaterem o elemento mais fraco do rebanho.

    Quem se trama é a cigarra.
    O principal vencedor foi a China, mas a sua janela de oportunidades vai até 2015.
    Os milagres económicos de muitos “tigres" esfumaram-se.

    domingo, 18 de abril de 2010

    Abril


    E estamos em Abril. ABRIL! Não tinha dado conta que era ABRIL
    Que viagem fizemos desde aquele ABRIL de 1974 até este abril de 2010?
    Da Esperança à conformidade desiludida.
    Do SONHO à realidade nua e crua de um pequeno e pobre país europeu, apertado entre a Espanha e o Mar.
    Claro, ninguém nos impede de sonhar.
    Aí somos livres e cantamos o fado até desesperar.
    A Europa em crise: quem semeia ventos colhe tempestades.
    É a Hora do balanço da colonização europeia?
    Quem a começou? A Grécia? Portugal?
    Como foi conduzida?
    Onde ficou o humanismo cristão da colonização imperial europeia inauguradora da época moderna?
    Na ganância, na exploração, no roubo?
    Na imposição do modelo europeu, em nome do atraso dos autóctones?
    Claro, ninguém nos impede de sonhar.
    Aí somos livres e cantamos o fado até desesperar.
    E estamos em Abril. ABRIL!
    Não tinha dado conta que era Abril, o mês do 25.
    25 expectativas? Não as reduzas à economia e finanças!
    O mundo tem outras andanças.
    E a liberdade? e a expressão? e o blogue? e o amor?
    Pelo sonho, pelo sonho é que vamos.
    E o pão e a habitação e a saúde?
    É a discussão: uns dizem que sim e outros que não.
    Não duvides: ganhamos o direito à expressão.

    sábado, 17 de abril de 2010

    ÍTACA de C. Cavafy

    ÍTACA de C. Cavafy

    «Quando empreenderes a viagem para Ítaca
    pede que o caminho seja longo,
    cheio de aventuras, cheio de descobertas.
    Pede que o caminho seja longo,
    e numerosas as manhãs
    em que os teus olhos descubram um porto ignorado
    e numerosas as cidades onde buscarás o saber.
    Conserva sempre no coração a ideia de Ítaca.
    Deves alcançá-la, é o teu destino
    mas não forces a travessia.
    Mais vale que ela dure muito tempo
    e que sejas velho quando deitares a âncora,
    enriquecido com tudo o que tiveres encontrado no caminho
    sem estares à espera de mais riqueza ainda.
    Ítaca deu-te uma bela viagem
    sem ela não terias partido.
    E se a achares pobre, não é que Ítaca te enganou.
    A sabedoria que adquiriste
    permite-te compreender o sentido das Ítacas.

    Mais além, deves ir mais além
    das árvores que te prendem
    e quando as tiveres ultrapassado
    Trata de não parar.
    Mais além, deves ir mais além
    além do presente que te prende ainda
    e quando estiveres solto
    retoma de novo a viagem.
    Mais além, sempre mais além,
    além da manhã que já se aproxima
    e quando julgares que chegaste, sabe procurar novos caminhos.

    Boa viagem aos guerreiros
    que são fiéis ao seu povo.
    Que o deus dos ventos seja favorável
    ao velame dos seus navios.
    Apesar do seu velho combate
    que achem o prazer dos corpos mais amantes.
    Encham as redes de estrelas cobiçadas,
    cheios de venturas, cheios de conhecimentos.

    Boa viagem aos guerreiros
    se forem fiéis ao seu povo.
    Apesar do seu velho combate,
    que o amor encha os seus corpos generosos
    que encontrem o caminho dos velhos desejos,
    cheios de venturas, cheios de conhecimentos.»

    (Desde 1976 que o poema ÍTACA de C. Cavafy, na tradução livre de João Medina, me acompanha e me ajuda a conduzir a nau, por isso, decidi transcrevê-lo.)

    O TEMPO

    Falando de odisseias a pensar na viagem aventurosa de Odisseu, mas a pensar sobretudo na vida dos humanos (não como viagem de eterno retorno, mas como viagem com destino marcado, ainda que à espera de uma surpresa ), deparamo-nos sempre com a viagem no tempo e no espaço.
    Ainda sobre o tempo, ouçamos Baudelaire: «Oui! le Temps règne; il a repris sa brutale dictature. Et il me pousse, comme si j'étais un boeuf, avec son double aiguillon. - "Et hue donc! bourrique! Sue donc, esclave! Vis donc, damné!"» (Baudelaire, Le Spleen de Paris).

    Que tempo é este que nos encabresta
    Ou que faz de nós uma festa

    (Faz e desfaz / A bel-prazer / O que lhe apraz / olhem o género / só podia ser/ rapaz)

    terça-feira, 13 de abril de 2010

    O INSTANTE

     Heraclito: «Não é possível descer duas vezes no mesmo rio nem tocar duas vezes numa substância mortal no mesmo estado; pela velocidade do movimento, tudo se dissipa e se recompõe de novo, tudo vem e vai».

    Frederico Nietzsche, Assim Falava Zaratustra: «Olha esta poterna, gnomo, disse-lhe ainda. Ela tem duas saídas. Dois caminhos se juntam aqui; e ninguém jamais os seguiu até ao fim. [...] Estes caminhos opõem-se; chocam de frente e é aqui, sob esta poterna, que se encontram. O nome da poterna está inscrito no frontão, e esse nome é: Instante.»

    Sophia de Mello Breyner Andresen - «A Viagem»: 
    «[...] E, dentro do carro que os levava, a mulher disse ao homem:
    - É o meio da vida.
    Através dos vidros, as coisas fugiam para trás. As casas, as pontes, as serras, as aldeias, as árvores e os rios fugiam e pareciam devorados sucessivamente. Era como se a própria estrada os engolisse.»
     
     
    «O instante toca-nos (ou somo-lo) a um tempo com uma leveza de sonho e um excesso que nos desfaz. […] Sá-Carneiro diria gloriosamente dele que é aquela manhã tão forte que nos anoitece. […] O essencial Instante é circunscrito pela vertigem e pela claridade. E ao mesmo tempo reduzido a um ponto só» (LOURENÇO, Eduardo, 1974 – Tempo e Poesia, Porto, Editora Inova, pp39-46).

    «— E como erguer o instante, volvê-lo perdurável?
    De mil formas, como de mil formas o artista de génio executa a sua arte» (Mário de Sá-Carneiro - O Fixador de Instantes).

    INSTANTE

    A cena é muda e breve:
    Num lameiro,
    Um cordeiro
    A pastar ao de leve;

    Embevecida,
    A mãe ovelha deixa de remoer;
    E a vida
    Pára também, a ver.

    Miguel Torga (30 de Setembro de 1941)

    domingo, 11 de abril de 2010

    Odisseias

    2. O Ser Humano vulgo o HOMEM – a resposta

    A primeira palavra do poema grego Odisseia (doze mil versos em vinte e quatro cantos) é Homem - “o homem astuto que muito sofreu”.
    Aqui está a apresentação do protagonista e a resposta para todas as questões enigmáticas da esfinge grega (metáfora absoluta do ser interrogante): o Homem.
    E Eduardo Lourenço explica que «a Esfinge é incarnação perfeita da ambiguidade radical da situação humana» e é «ao mesmo tempo a realização plástica mais concreta do acto original do homem: a poesia». E sintetiza: «a esfinge é o homem e a resposta ao seu enigma uma resposta humana».
    Se a resposta poética ao enigma da esfinge grega é o Homem, essa deveria ser a resposta a todos os enigmas. Descoberta a resposta ao enigma, seria preciso continuar a busca de «uma autêntica face do homem, uma existência em busca de uma essência». E a busca faz-se em todas as direcções, dentro e fora do homem. Mas é no homem que estão as respostas, porque é ele quem faz as perguntas e quem procura as respostas. O homem cria a esfinge, faz a pergunta esfíngica, cria Édipo para dar a resposta e cria a tragédia de mais um “homem astuto que muito sofreu”, continuando a criação. E «criar é ser poeta».

    (Citações entre aspas rectas de LOURENÇO, Eduardo, 1974 – Tempo e Poesia, Porto, Editora Inova, pp39-46.)

    sábado, 10 de abril de 2010

    ODISSEIAS

    1. De Homero a Pessoa
    A transformação do pacífico Ulisses, rei de Ítaca, em guerreiro ardiloso da guerra de Tróia, e a viagem errante de regresso a casa constituem matéria dos poemas homéricos.
    A história do herói grego errante (que luta contra forças maiores para regressar a casa depois de uma guerra indesejada e desaprovada) pode ser lida como a história do ser humano, o qual, sem ter dado permissão e concordância, viaja no planeta Terra pelo cosmos, enquanto estuda o mundo envolvente e tenta vislumbrar o sentido (ou a falta de sentido) dessa viagem, bem como as leis que a regem.
    É impressionante saber que esta história longínqua viajou no tempo, em canto de aedos, sintetizados no nome glorioso de HOMERO, até chegar à escrita. Ele é o mais antigo pilar literário da literatura ocidental. Também por isso, Ricardo Reis, o heterónimo pessoano de gosto classicista, escreveu: «deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero». Esta afirmação já apontava não só para a modernidade, mas para a pós-modernidade, no assumir, às claras, a polifonia literária e a intertextualidade.

    quinta-feira, 25 de março de 2010

    Para a Margarida

    Ai, Margarida,
    Se eu te desse a minha vida,
    Que farias tu com ela?
    —Tirava os brincos do prego,
    Casava c’um homem cego
    E ia morar para a Estrela.

    Mas Margarida,
    Se eu te desse a minha vida,
    Que diria tua mãe?
    — (Ela conhece-me a fundo.)
    Que há muito parvo no mundo,
    E que eras parvo também.

    E, Margarida,
    Se eu te desse a minha vida
    No sentido de morrer?
    — Eu iria ao teu enterro,
    Mas achava que era um erro
    Querer amar sem viver.

    Mas, Margarida,
    Se este dar-te a minha vida
    Não fosse senão poesia?
    — Então, filho, nada feito.
    Fica tudo sem efeito.
    Nesta casa não se fia.

    Comunicado pelo Engenheiro Naval
    Sr. Álvaro de Campos em estado
    de inconsciência
    alcoólica.

    [1/10/1927]
    In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002

    terça-feira, 23 de março de 2010

    CULTURA SÉNIOR

    O professor octogenário Daniel Serrão publicou, na revista Brotéria de Janeiro passado, um artigo intitulado «Os Seniores – um novo estrato social emergente». Nele define seniores como os seres humanos aposentados que se sentem livres e capazes de desempenharem um novo papel na sociedade. Cita exemplos como o centenário Manuel de Oliveira, Ruy de Carvalho e Artur Agostinho. É falso que os dois primeiros tenham um novo papel na sociedade. Eles foram e são óptimos na sua profissão e é nela que trabalham. E que continuem por muitos anos. São um excelente exemplo para a humanidade. Daniel Serrão não mencionou mulheres, mas poderia ter escrito Eunice Muñoz e Simone de Oliveira, por exemplo.
    É com seniores independentes, activos e interventivos que, segundo o autor, está em formação o «estrato social emergente». Que se espera deles? «Uma mudança de ramo», pergunta e responde o Professor. Pelos exemplos apontados pode não ser preciso mudar de ramo; o sénior pode ficar no mesmo ramo (a ideia de ramo leva-nos até à árvore primordial, para dar o recado: cada macaco pode ficar ou não no seu galho).
    Segundo as projecções apontadas no artigo, este ano seremos dois milhões de pessoas com mais de 65 anos. O Professor espera que os referidos seniores venham a criar uma cultura de vanguarda, partindo do princípio que a cultura sénior é uma cultura diferente da outra. Penso que não é assim. Quer Manuel de Oliveira quer José Saramago não precisaram de fazer um corte quando chegaram aos 65 anos. É evidente que os dois referidos artistas têm uma profissão liberal. Entende-se o pensamento do autor visionando a aposentadoria da função pública. E não se pode deixar de valorizar a intenção do autor no apelo aos seniores de boa vontade e com os requisitos formulados para não se retirarem da vida activa, uma vez que estão reunidas as condições (libertos do horário e do poder), para que, sem cinismos, possam «propor caminhos novos e lutar por eles, ao lado dos jovens que consigam seduzir».

    sexta-feira, 19 de março de 2010

    Portugal em julgamento

    – Se a culpa morre solteira, quer dizer que ela não casa?
    – Eu acho que a culpa ninguém a quer, mas espera-se que ela case com o culpado.
    – Casa no civil ou no religioso?
    – Sei lá. Nos dois?
    – Pois é. Tenho andado a pensar de quem é a culpa de tanto crime de tráfico de influência
    – Ah, sim?! E que concluíste?
    – Mais ou menos como José Saramago nos tem andado a explicar: a culpa é da religião.
    – Então porquê?
    – Imagina a situação da promessa a S. Judas Tadeu para passar no exame. O aluno até sabe pouco, mas promete-lhe algo para que ele interceda junto de Deus, para que faça o milagre de o passar. Se passar, terá de cumprir a promessa. Mas pior é quando isso acontece num concurso para aceder a um emprego, passando a perna a outros. E nas promessas vai-se envolvendo toda a corte celestial.
    – Mas que interessa isso: milagres são milagres. E isso não se discute.
    – Mas a promessa tem que se cumprir no caso do pedido ter sido concedido. Ele é o cordão de ouro para a santa, o dinheiro para o santo, etc.
    – Parece-te que do hábito religioso se passou à influência do "padrinho", para interceder por alguém para que o "afilhado" alcance alguma coisa.
    – Pensando melhor, já não sei qual terá acontecido primeiro: se o civil, se o religioso.
    – Os dois devem ter andado a par. É a condição humana: o ser humano precisa, sente-se inseguro, pede o favor e, se alcança o pretendido, paga. O processo é muito antigo.
    – De facto, estou a lembrar-me que, no antigamente, na minha aldeia, a resolução de problemas que transcendia o indivíduo se fazia com cunhas e o pagamento era dar o melhor que se tinha: as trutas, as perdizes, etc. Aos santos ainda era pior, porque havia que enunciar a dádiva no momento da promessa, de acordo com o grau de dificuldade do problema a resolver. E ai de quem não cumprisse o prometido! As histórias dos castigos dos santos eram contadas como notícias reais.
    – Falaste nas trutas e eu pensei nos robalos noticiados. E repara na frase da primeira página do DN do dia 17 deste mês: «Se ajudar amigos é tráfico de influências, eu faço-o todos os dias».
    – Ajudar os amigos não é crime, desde que não prejudique ninguém. Crime é prejudicar.
    – Mas, afinal, o que está a ser julgado?
    – Penso que é a mentalidade portuguesa da cunha.
    – Ainda bem, já não é sem tempo, para ver se a mudança dos comportamentos inerentes acontece.
    – Isso seria óptimo. Se não fosse a hipocrisia dos acusadores, eu teria esperança.

    segunda-feira, 8 de março de 2010

    O dia triunfal de Fernando Pessoa e o dia da mulher: 8 de Março


    Dois motivos importantes para festejar o dia 8 de Março.

    Poder-se-ia pôr em causa o dia da mulher, se a mulher tivesse sido tão dignificada como o homem desde sempre. A igualdade de género é uma reivindicação que terá de atingir até as regras da concordância gramatical. Não é justo que, num grupo de muitas mulheres e um homem, o correcto seja o masculino em casos como «Estamos todos aqui muito satisfeitos». A maioria deveria ditar o género, seria democrático. Para chegar aí, há ainda muitas etapas a vencer com maior prioridade.

    Quanto ao dia triunfal de Fernando Pessoa, 8 de Março de 1914, poder-se-ia estabelecer uma relação com o dia da mulher. Sabe-se que o dia da mulher faz hoje 100 anos e sabe-se que foi festejado na data de 8 de Março de 1914, na Europa. O ponderado Pessoa não iria escolher, a 13 de Janeiro de 1935, ao acaso, a data triunfal para o parto do trio heteronímico. Ficava-lhe bem ter pensado na mulher e na concepção feminina. Não sabemos as razões da escolha, mas sabemos que escolheu essa data. E, a meu ver, foi muito bem escolhida. Para quem queria sentir tudo de todas as maneiras, não poderia excluir o sentir mulher. E a prova de que não excluiu esse sentir é o texto assinado com o nome feminino, mas híbrido também: Maria José.

    domingo, 21 de fevereiro de 2010

    LILITH

    Lilith

    A personagem saramaguiana com este nome, em Caim, tem origem na Cabala. Nesta obra, ela é a primeira mulher. Aquela que foi criada ao mesmo tempo que Adão, como consta do texto um do Génesis: «Deus criou então o ser humano à sua imagem, criou-o como verdadeira imagem de Deus. E o ser humano criado por Deus é o homem e a mulher».
    Este texto, o mais antigo, não convinha à sociedade hebraica, masculina, patriarcal. Por isso, numa religião também do género masculino, Lilith, ao reivindicar a igualdade que lhe era devida, nomeadamente a igualdade de posição sexual, teve que ser expulsa do Éden para terras do Mar Vermelho, como um demónio. E foi apagada na cultura judaico-cristã por simbolizar a libertinagem sexual, o primeiro divórcio e a origem dos piores males, como, por exemplo, a morte inexplicável dos bebés. Lilith passou a ser considerada como aquela de quem nem se ousa pronunciar o nome pelos males que pode trazer. O seu nome não consta na Enciclopédia Verbo, por exemplo. É possível viver uma longa vida sem esbarrar com tal nome. Saramago trouxe-o de novo à ribalta. Como isso deve ter apoquentado os católicos conhecedores dos segredos da religião…
    E Eva? Era preciso criar uma mulher que conviesse à sociedade retratada no antigo testamento. Surge então um texto antigo, mas mais recente que o primeiro, Génesis 2, no qual «o senhor Deus modelou o homem com barro da terra. Soprou-lhe nas narinas e deu-lhe a respiração e a vida. E o homem tornou-se um ser vivo». Porém, ao vê-lo sozinho no jardim de Éden, Deus disse: «Não é bom que o homem fique sozinho. Vou-lhe arranjar uma companhia apropriada para ele». E foi então que modelou os animais que o homem ia nomeando, «mas nenhum deles era a companhia apropriada para ele». Então, fez com que o homem adormecesse, tirou-lhe uma costela, fez a mulher e apresentou-a ao homem, que teria dito: «Desta vez, está aqui alguém / feito dos meus próprios ossos / e da minha própria carne. / Vai chamar-se mulher; / porque foi formada do homem». E assim surge Eva, a mulher hebraica do antigo testamento, que viria a ser o molde do género feminino judaico-cristão.
    De facto, a Bíblia não fala de Lilith, mas conserva os dois textos, certamente reveladores de dois momentos da história antiga dos seres humanos na terra: num primeiro momento, homem e mulher convivem em igualdade absoluta; num segundo momento, o homem expulsa a mulher do seu devido lugar. As filhas de Lilith jamais se conformaram com a subalternização. E numa justa luta de séculos continuam a trabalhar pela igualdade de género.

    quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

    Mário Crispo


    Apreciei-o ontem na tv. Aparentava suavidade, para que não parecesse crispado aos olhos dos telespectadores. Ou então a onda da crispação já tinha dado o efeito desejado. Surgia meloso e queixoso da perda da sua casa. A criança perguntou: Aquele senhor tão simpático e bem vestido não tem casa? O adulto mandou-a calar. Queria saber o significado da palavra casa no contexto. A sua casa, explicava Mário, era a sua coluna no jornal. Pelos vistos, aquele jornalista pode dizer o que quiser no seu espaço do jornal, da tv, da rádio, e a isso chama liberdade de imprensa, de acordo com o princípio consensual de que, na casa de cada um, cada um diz o que quer.
    Concluí que esse é o conceito de espaço público do homem suave que fora crispado e que estava ainda à janela de sua casa, na minha casa, a falar: - Tiraram-me a minha casa - dizia ele. Em seu socorro acorreram os políticos que desejam o poder e ainda o não o possuem q.b. Eis senão quando ele veste a t-shirt onde se lê «Eu ainda não fui processado pelo Sócrates». Ai não? Não, uso-a para dormir.