Fernando Pessoa, a15 de janeiro de 1915, escreve uma longa carta ao amigo açoriano Armando Cortes-Rodrigues, à qual anexa «Ela canta, pobre ceifeira» e mais onze poemas.
Sobre o envio dos poemas, informa:
«Mando-lhe alguns versos meus... Leia-os e guarde-os para si... A seu Pai, se quiser, pode ler, mas não espalhe porque são inéditos. Amo especialmente a última poesia, a da Ceifeira onde consegui dar a nota paúlica em linguagem simples. Amo-me por ter escrito
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência
E a consciência disso!...
e, enfim, esta poesia toda» ( Fernando Pessoa, 1959 - Cartas a Armando Cortes-Rodrigues, Editorial Inquérito, p.78).
Desta forma, Pessoa parece identificar «a nota
paúlica» com a expressão poética da alteridade, formulada poeticamente em Pauis, poema datado de 29 de março de 1913 e publicado no primeiro número da revista A Renascença, em 1914.
Sobre a
alteridade, Fernando Guimarães (GUIMARÃES, F., 1990: 56). esclarece que «alguns poetas e escritores
românticos […] concorreram dum modo extremamente decisivo para o aparecimento
duma poética da alteridade, a qual […] atingirá o seu momento mais alto com o
Pós-Simbolismo e o Modernismo […]». Salienta o papel da «consciência, sobretudo
no caso da poesia, de que, em relação ao autor, há uma sobreposição de personae, de máscaras», tornando-se «uma
das obsessões da literatura que […] começa renovadoramente a afirmar-se nas
primeiras décadas deste século». Destaca Fernando Pessoa, «que levou até às
últimas consequências a distanciação e a ambígua multiplicidade da pessoa do
autor mediante um analitismo que será uma das soluções mais conseguidas da
própria impersonalidade artística» (Domingues, Maria José, 2007, Fernando Pessoa e «A Nova Poesia
Portuguesa»: da teoria à concretização poética em Pauis).