Fernando Pessoa – Íbis
Acerca do Poema Pial
(in Fernando Pessoa Correspondência 1923-1935, edição
Manuela Parreira da Silva, 1999, Assírio & Alvim,pp.192-194, 408)
Carta a Ofélia Queirós
Bebé:
Obtida a devida autorização do snr. eng.
Álvaro de Campos, mando-lhe o poema que escrevi entre as estações da Casa
Branca e Barreiro A, terminando a inspiração, entretanto, na Moita.
Este poema deve ser lido de noite e
num quarto sem luz. Também, devidamente aproveitado, serve para fazer papelotes
para as bonecas de trapo, para tapar as fechaduras contra o frio, os olhares e
as chaves, e para tirar medidas para sapatos a pés que não tenham mais comprimento
que o papel.
Creio que estão feitas todas as
recomendações para o uso. Não é preciso agitar antes de usar.
Até logo.
Íbis
11-1-1930
Nota: Esta é a última carta que se
conhece de Fernando Pessoa a Ofélia Queirós.
A resposta, datada de 12 de Janeiro,
mostrava, porém, uma Ofélia feliz com os telefonemas que o namorado lhe fizera e com a carta do Íbis:
«Peço agradeça ao Sr. Eng. Álvaro de
Campos a gentileza que usou para comigo
autorizando a que o Íbis me enviasse o poema, que eu utilizarei segundo as suas
recomendações. Eu já o sabia quase todo de cor, de quando me disse na rua de S.
Bento, mas não me recordava das pias n.ºs 7, 8, 9, que não são nada para
esquecer visto que são óptimas. Decerto elas são todas uma maravilha quanto a
sentimento» ( Cartas de Amor de Ofélia a Fernando Pessoa).
[ O Poema Pial é enviado na referida carta a Ofélia e é da
autoria de Íbis, nome com o qual Fernando Pessoa assina «alguns poemas relacionados
com circunstâncias familiares», e continua a surgir «ao longo da sua vida, nas
brincadeiras com os sobrinhos e na relação com Ofélia Queirós, a Íbis do
Íbis» (Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Martins, Fernando Cabral, 2009, Editorial
Caminho, p. 343)].
Casa Branca - Barreiro A
POEMA
PIAL
Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.
Pia número UM
Para quem mexe as orelhas em jejum.
Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.
Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.
Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.
Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.
Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis.
Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.
Pia número OITO,
Para quem parte nozes quando é afoito.
Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.
Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.
E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias!
MOITA
Silêncio na estação
À vontade do freguês