Celebra-se, a 30 de Novembro, setenta e cinco anos da morte de Fernando Pessoa. Contudo, podemos afirmar que a sua palavra nunca esteve tão viva. Ele sabia no seu presente que o futuro lhe pertenceria e assim aconteceu de Portugal ao Japão, em a sua "nova renascença portuguesa". Neste ano de 2010, já pudemos ver o Filme do Desassossego de João Botelho e ler O Livro da Consciência de António Damásio com epígrafe pessoana de grande importância no decurso da obra. Ei-la:
«Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia» (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego).
A sinfonia consciente pessoana vai ser explicada cientificamente por Damásio ao longo da sua obra. Seleccionei as seguintes frases, por estarem directamente ligadas à tal sinfonia:
«O eu e a consciência não acontecem numa só área, região ou centro de cérebro».
«A mente consciente resulta da articulação fluída entre vários locais do cérebro».
«O derradeiro produto da consciência ocorre a partir desses inúmeros locais cerebrais funcionando ao mesmo tempo».
«Não ocorre num local único e assim se assemelha à execução de uma peça sinfónica, que não resulta do trabalho de um único músico, nem de uma só secção de uma orquestra».
E o maestro? - pergunta-se. E Damásio responde: À medida que a performance se vai desenrolando, surge o maestro da orquestra, não antes. «Para todos os efeitos temos agora um maestro a orientar a orquestra, embora tenha sido o desempenho a criar o maestro - o eu - e não o contrário. O maestro é uma construção dos sentimentos e de um dispositivo da narrativa cerebral, embora esse facto não faça com que o maestro seja menos real».
«A construção de uma mente capaz de englobar o passado que já vivemos e o futuro que antecipamos, bem como a vida de outros indivíduos que conhecemos, sem falar na capacidade de reflexão, assemelha-se à execução de uma sinfonia de proporções mahlerianas».
Convergentes na sinfonia da consciência, talvez pudessem convergir no conceito damasiano «de um grande colectivo de vontades [das nossas células] expressas através de uma única voz [...] sob a forma do eu num cérebro consciente».
Em Pessoa, esse eu foi capaz de criar novos eus poéticos com voz própria, os seus heterónimos, com os quais não se confunde, pois eles tocam na orquestra e o seu eu é o maestro.
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