Terminada a leitura da obra, tive a curiosidade de saber qual
teria sido a reação da leitora Pilar del Rio. Como companheira amantíssima de Saramago
e da sua obra, que teria ela sentido ao ler esta escritura com tanto Saramago dentro
– ele é o protetor daquele José filho de pai emigrado, filho do abandono, da
pobreza, da insegurança; ele é o modelo de homem e de escritor - bem visível na
epígrafe inicial e nas capitulares; e não
só.
Paro aqui na epígrafe inicial por constatar que ela aclara a estranheza
do título e contém o segredo das personagens «José». Afinal «tudo é
autobiografia» - afirma José Saramago em Cadernos de Lanzarote, 1997. Assim
sendo, um romance é uma autobiografia, com muita mais razão do que o gesto de apanhar
«um objeto do chão». Aconselha-se o leitor a reler a epígrafe depois da obra
lida para fazer a verificação do afirmado.
Voltando à leitura feita por Pilar, base do artigo «Pura
Literatura»[1], em Ecos
da leitura, verifica-se que ela agarrou a trave mestra da obra: a criação
literária, em geral, e a de um segundo romance, em particular. Vida e obra de mãos
dadas ou em contramão vão sendo narradas na sua construção e desconstrução
literária.
A Angústia da Influência também se passeia na obra de
uma forma original: sem matar o patrono, o escritor mais novo funde-se com o
mais velho, formando um único José. Também Pilar foi sensível a esta questão,
referindo «o jogo (...) completamente fictício». E sublinha que é «pura criação, criação
literária». E ainda bem que o afirma, uma
vez que o leitor se vai interrogando ao longo da obra sobre se Saramago
protagonizou aquelas «boas ações» em benefício do sofredor e tímido jovem José,
que surge a meus olhos com a figura de José Luís Peixoto.
Se as obras referidas
são as de Saramago, se a maioria das personagens são saramaguianas, também se
pode aceitar que as ações protagonizadas por Saramago são de Saramago.
11/3/2020
MJDomingues