segunda-feira, 31 de maio de 2010

«O século XX português é uma história de sucesso»


(reciclagem do semanário Expresso)
 

Depois de folhear o primeiro caderno, a selecção recaiu no artigo de Henrique Raposo: «O meu avô, o meu pai, e eu». É um prazer cerebral ler uma frase assim: «O século XX português é uma história de sucesso, meus amigos». Atrás da orelha do leitor habituado ao jornalismo da desgraça, a pulga começa a comichar: Então porquê, Henrique?

Muitas vezes, penso que nasci na Idade Média ( em 1944), mas o avô, visto pelo neto Henrique, avança para as invasões francesas para regredir para a o Alentejo Mauritânia. Enfim, concluo que estamos de acordo: Idade Média, mais ou menos.

O retrato dessa época aparece condensado na frase: «o terceiro mundo estava ali estacionado». É mesmo assim que eu vejo a minha aldeia minhota com os seus poucos habitantes: parada na rotina diária e social. E Deus no céu e Salazar na terra governavam o pequeno mundo imutável. E nenhum deles queria mudança. E o mundo era o palco medieval, no qual os actores se mexiam para actuar de acordo com a cartillha. E foi mais de meio século assim.

Contudo, aquele avô analfabeto e esforçado, como tantos outros, arregaçou as mangas e ajudou a construir um mundo que permitiu ao seu filho ir à escola e avançar como empresário até ao «hall do primeiro mundo», onde o Henrique nasceu e cresceu, sendo hoje o «cronista benjamim do maior jornal do país». Parabéns.
Mas isso não quer dizer que o século XX tenha sido um século de sucesso nacional.Nem todas as histórias de esforço parental foram assim tão bem sucedidas. Porém, a revolução sócio-cultural aconteceu e está em curso.