António Tabucchi - Os Últimos três dias de Fernando
Pessoa – um delírio
1ª edição , Éditions Seuil, 1994
2ª edição, Quetzal, 1995
O
protagonista é Fernando Pessoa em plena crise hepática, entre 28 e 30 de
Novembro de 1935.
Num
primeiro momento, «28 de Novembro de 1935 - A minha vida foi mais forte do que
eu», Pessoa, muito consciente, prepara a sua ida para o hospital. As primeiras
personagens são reais: o senhor Manacés
– o
seu barbeiro -, a porteira, os seus amigos – Francisco Gouveia e Armando
Teixeira Rebelo – e o seu patrão – Moitinho de Almeida. Os três últimos
acompanham-no no táxi rumo ao hospital S. Luis dos Franceses
.
Segue-se
«A hora dos fantasmas», meia-noite. O primeiro fantasma é Álvaro de Campos, a
quem Pessoa absolve por Álvaro declarar ter amado, pois só o amor o torna
humano.
Depois
chega Caeiro com uma revelação: «Sou o seu pai». E Pessoa esclarece: «Fui eu
que o elegi como pai e Mestre».
No
segundo dia, «29 de Novembro de 1935 - A alguns quilómetros de Lisboa», as
visitas fantasmagóricas continuam e é a vez do heterónimo Ricardo Reis, que
afinal não fora para o Brasil e ficara em Azeitão. Segue-se a visita do
semi-heterónimo Bernardo Soares
com a
receita da «lagosta suada à moda de Peniche» e o seu deslumbramento com Cascais
e com o convite de D. Pedro.
No
terceiro dia, «30 de Novembro de 1935 - Também eu esqueci a morte», é a vez da
visita de António Mora, retratado à semelhança da figura do Dr. Gama Nobre com
quem se unifica, internado na Casa de Saúde de Cascais, de acordo com o texto nº 229 da obra
Pessoa por Conhecer II de Teresa Rita Lopes, dentro do ponto «2.9. A
militância neopagã de A. Mora». Contudo, o «velho de aspeto nobre» não recitava
o lamento de Prometeu, mas os primeiros versos traduzidos de «Dead by Water» de
T. S. Eliot
(1888-1965) - «Flebas o fenício morto há quinze dias, esqueceu o grito das
gaivotas e as vagas profundas do mar» - e acrescenta: «para me anunciar a sua
sorte, ó grande Fernando». A «sorte» engloba a morte e a ressurreição pela
poesia e pela força da natureza cíclica. Todavia, Pessoa revela-se, num
primeiro momento, mais preocupado com a obra do visitante,
O Regresso dos
Deuses. Mora responde que ninguém publicará a obra de um louco, sobretudo
depois da morte de Pessoa. Este sossega-o com o baú dos papéis onde tudo está
guardado e com o crítico que os virá a trabalhar - «um homem cheio de
sensibilidade e de cultura que se chama Coelho». Com estas palavras o autor homenageia
o pessoano por excelência, Jacinto do Prado Coelho.
A
obra termina com António Mora a assistir à morte de Pessoa, recitando parte da
lamentação de Prometeu de Ésquilo (tal como surge no texto 229, acima
referido):
«Ó
céu divino, velozes ventos alados, nascentes dos rios, sorriso inumerável das
ondas marinhas, terra, mãe universal, a vós invoco, e ao globo do sol que tudo
vê, vede a que estou sujeito».
«Eram
exactamente vinte horas e trinta» do dia 30 de Novembro de 1935.
Esta obra pode ser lida como uma obra dramática em três atos, os três dias da crise fatal, trazendo à boca de cena Fernando Pessoa em diálogo com as suas criações fictícias mais relevantes, por isso, ela tem sido representada por várias companhias de Teatro.
« Manassés, segundo António [seu filho], era mais do
que barbeiro do Senhor Pessoa, era também seu amigo e confidente.» , in “O
barbeiro de Fernando Pessoa” de Jorge Adelar Finatto -
http://ofazedordeauroras.blogspot.pt/2010/04/o-barbeiro-de-fernando-pessoa.html.