«Vida e morte o que são?» versus ‘Vida e morte o que são
para mim?’
Os dois autores escrevem as obras referidas na década de
cinquenta do século XX - Uma Abelha na Chuva é publicada em 1953 e Aparição
em 1959[1]. Os
dois autores, contemporâneos do neorrealismo e do presencismo, percorreram o
caminho literário do neorrealismo, sendo que Vergílio Ferreira, após as
primeiras obras neorrealistas, criou a corrente literária vergiliana do
existencialismo, centrada no eu que se interroga sobre si mesmo e sobre o mundo.
Esse eu parte da personagem narrador que, face a si mesmo e ao mundo, tem mais
perguntas do que respostas.
Acontece que, em Uma Abelha na Chuva, Carlos de
Oliveira toca o existencialismo heideggeriano, através da voz da consciência
audível, sobretudo na personagem Álvaro Silvestre, e da questão posta pelo
médico, que ecoa na interioridade de Silvestre: «Vida e morte o que são?». Para
esta interrogação humana surgem na obra as respostas adequadas às personagens:
para os católicos, Deus é a resposta; para o médico apicultor, a morte é o fim
da vida, o que não invalida a recordação dessa vida que os humanos transportam;
para o neorrealista, a morte pode ter um significado político, no caso, o do
fomento da luta de classes. Apesar das respostas diversificadas, a questão
continua em pé com a angústia criada pela ameaça mortal.
Ao reler Aparição, imediatamente a seguir a Uma Abelha
na Chuva, tive a noção de que a obra vergiliana continuava a problemática
vertida na mesma pergunta, acrescida de um «para mim», isto é: Vida e morte o
que são para mim.
O
romance desenrola-se na busca da resposta reveladora.
Temos
um eu/narrador em contexto (o eu-aqui de Heidegger), em busca da «verdade
perfeita» - essencial na filosofia heideggeriana - a verdade como revelação do
ser, o que pressupõe que o homem se abre ao ser revelado nas coisas
existentes. O narrador começa por enumerar «a aparição fantástica das coisas»
nos objetos que o rodeiam, depois ele próprio como objeto a seus olhos - « a presença iluminada de mim a mim
próprio». Acontece então a valorização da vida, porque essa é a verdade «que
queima» quando se vê «o absurdo da morte», gerador da angústia reveladora do
significado autêntico da presença do homem no mundo. Aceite a condição humana,
restaura-se «a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo» (p.10).
Braga,
1 de outubro de 2015
Maria
José Domingues
[1]
Aparição, Vergílio Ferreira, Bertrand Editora, 17ª edição, 1988. As
páginas indicadas pertencem a essa edição.