Mia
Couto – em busca da expressão da «alma nacional» de Moçambique
Mar
me quer
Sou
uma leitora e releitora de Mia Couto. Neste momento acabo de reler Mar me
quer – a obra de arte no seu todo. Perfeita e redonda como Luarmina – a
mina de luar.
Centrando-me
na motivação da obra, parece-me importante o momento cultural do seu
lançamento: «Mar Me Quer [MMQ]
Lisboa, Parque EXPO/NJIRA, 1998: contribuição para o
pavilhão de Moçambique na Exposição Mundial EXPO '98 em Lisboa».
Neste
contributo burilado em arte literária, poder-se-á vislumbrar a vontade da
criação de uma identidade literária de Moçambique, visando a criação da língua
moçambicana, num casamento feliz entre uma língua banto e o português. Se,
para isso, é preciso encontrar «a alma nacional» (de que fala Octávio Paz, a
propósito da fundação do mexicano face ao espanhol), Mia Couto busca-a e cria a
expressão literária moçambicana, capaz de divulgar essa «alma nacional» numa
língua entrecruzada pelos estratos que a História foi legando.
Esse é
um dos assuntos transversais à obra Mar me quer. Encontrar e
desnudar com pudor essa «alma nacional» moçambicana (banto-macua-portuguesa)
de cor negra do avô Celestiano e do pai Agualberto Salvo-Erro até à cor da
mulata Luarmina – a Vénus mulata que enfeitiça pai e filho.
A
presença constante da sabedoria do avô Celestiano anuncia ao leitor, no início
de cada capítulo, o valor da sabedoria dos mais velhos, por mais próximos das
origens mítico-religiosas da cultura macua – os filhos da Monte Namuli,
nascidos a partir das raízes da grande Árvore, o embondeiro.
Grande desgosto tinha Celestiano por seu filho, Agualberto Salvo-Erro, se ter afastado ideologicamente das origens. Contudo, antes de morrer, Agualberto visita com o filho, o narrador Zeca Perpétuo, o embondeiro de Ritsene, ao qual oferece o coral preto e único, depois de enviar mensagem ao padre, renunciando à igreja dos brancos e reafirmando o culto dos antepassados.
Grande desgosto tinha Celestiano por seu filho, Agualberto Salvo-Erro, se ter afastado ideologicamente das origens. Contudo, antes de morrer, Agualberto visita com o filho, o narrador Zeca Perpétuo, o embondeiro de Ritsene, ao qual oferece o coral preto e único, depois de enviar mensagem ao padre, renunciando à igreja dos brancos e reafirmando o culto dos antepassados.
«-Essa é a nossa igreja, disse meu pai, apontando a árvore. Ouviu, Zeca?[…]
- Diga ao padre Nunes que eu vim aqui, na árvore dos
antepassados. Diga que eu vim aqui, não fui lá ajoelhar na igreja dele…»
O culto
dos antepassados abrange a Natureza, presente também na gratidão ao bosque e
suas árvores, tendo sido uma delas a fornecedora da
madeira para o seu barco. Grato, deposita a oferta no chão: um coral - «era
outra oferta aos deuses».
Despede-se
do filho e entrega-se ao mar… da sua vida e do seu amor. Também será ao som do
mar que Zeca Perpétuo vai entrar na eterna dança, a encerrar a obra.
Mª José
Domingues