- Fernando Pessoa considerava a polémica cultural capaz de fazer avançar culturalmente o país; talvez, por isso, tenha despoletado a polémica com a sua profecia da chegada próxima do "supra-Camões".
- Não me digas que isso vem a propósito das polémicas do Jardim da Madeira? Ofendes Pessoa.
- Estive a pensar no assunto Jardim e concluí que, no momento em que o tema da polémica política não lhe interessa, ele lança alguns temas chocantes, para acender os ânimos e pôr o país a olhar para a sua figura verborreica. Contudo, podemos tirar proveito cultural da situação discursiva, se aprofundarmos culturalmente a questão. Ora pensa: neste momento, quantas pessoas terão ido ler a Constituição para contextualizar as suas palavras? Eu já fui. E tu?
- Eu li e compreendi, que o socialismo ficou na gaveta da História Portuguesa, na sétima revisão constitucional de 2005. De facto, só aparece no preâmbulo da Constituição, com carácter de fazer História:
"A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno".
- OK! Já entendi, por que decoraste essa parte. Nesse parágrafo ainda há uma palavra a incomodar Jardim: "socialista" - "sociedade socialista".
- Mas afinal ele está filiado na social-democracia que também tem como objectivo, a longo prazo, a sociedade socialista!
- Pois, se ele é membro destacado do PSD, ele sabe que no programa desse partido está escrito:"Continua a ser no espaço da social-democracia reformista que se podem conjugar, com equilíbrio, os valores da liberdade individual, da igualdade de oportunidades, da solidariedade e da justiça social».
- Centremo-nos na polémica Proposta de Revisão Constitucional do PSD Madeira. É certo que essa proposta pretende que o comunismo não seja tolerado na democracia portuguesa, tal como o fascismo não é?
- Foi isso que me pareceu. Mas a Constituição não proíbe ideologias. Para tirar isso a limpo, fiz o levantamento da palavra "fascista" na Constituição: aparece três vezes. A primeira, para dizer que a revolução se fez para derrubar o "regime fascista"; a segunda,no artigo 46, para proibir "organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista"; a terceira, no artigo 160, sobre a perda do mandato de Deputado, por "participação em organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista».
- Daí se conclui, a partir do preâmbulo, que, se a Revolução dos Cravos foi feita contra o fascismo, lógico é que se proíbam as suas organizações.
- O mesmo acontece na Alemanha.
- Parece-me que Jardim pretendeu pôr o país a pensar no assunto. Voltou a levantar o papão, nesta hora de convulsão eleitoral.
- Subiu-lhe à cabeça a vitória do PSD na Eleição para Deputados Europeus e achou que tinha chegado a sua hora de invadir o continente, pelo menos com a sua verbe rotunda.
- Parece-me que é assim que ele mede a temperatura à sua popularidade nacional...
- O seu desejo secreto é certamente a invasão.
- Mas afinal que escreveu ele nessa Proposta?
- Em "Outras Alterações Pontuais", o documento propõe «o esclarecimento de que a democracia não deve tolerar comportamentos e ideologias autoritárias e totalitárias, não apenas de Direita - como é o caso do Fascismo, esta expressamente prevista no texto constitucional - como igualmente de Esquerda - como vem a ser o caso do Comunismo, não previsto no texto constitucional - assim se justificando a referência a ambas as ideologias, no art.º46º, n.º4º e no art.º160º, n.º1, al.d), da CRP».
- Esqueceu a História Portuguesa ou quer já enterrá-la em vida?
- Assim parece.