Segundo
Cabral Martins, a amizade dos dois poetas é em si um facto poético. Lendo a correspondência
e os poemas nela referidos verifica-se o diálogo entre Paris e Lisboa.
Sobre
o diálogo do poema Partida de Sá-Carneiro e o poema Pauis
de Pessoa, publiquei o estudo intertextual (https://issuu.com/clepul/docs/copia_a964b913f8816b) para concluir que o poema de Pessoa é
uma resposta à poesia «natural» do amigo, estabelecendo-se o confronto entre
poesia «artificial» e a poesia «natural». E passo a
citar:
Com efeito, Sá-Carneiro levantou a questão do
artificialismo da poesia pessoana, na carta de 26 de
Fevereiro de 1913, quando, ao enviar a poesia Partida ao amigo, lhe pede «que não se assuste nem com o título nem
com as primeiras quadras naturais»;
e, mais adiante, acrescenta que aqueles «não são versos escritos por um poeta»
e, por isso, «são maus versos», mas gosta deles porque «os encontra
verdadeiros» (SÁ-CARNEIRO, M., 2001: 45-46). Nessa tirada, Sá-Carneiro,
ao afirmar fazer e gostar de fazer poesia natural,
assumida como a verdade, põe em
dicotomia implícita: poesia natural versus
poesia artificial. […] Depreende-se das palavras de Sá-Carneiro que os dois
conheciam as opções estético-literárias mútuas e que Mário de Sá-Carneiro
conhecia bem a oposição que Pessoa fazia ao neo-romantismo do natural e da verdade da poesia lírica nacional. […] Nesse contexto literário do
neo-romantismo português, os artigos pessoanos de 1912 sugeriam como passar da
poesia neo-romântica para a nova poesia portuguesa, e o poema Pauis de 1913 punha em prática o que
fora teorizado, sob a forma da poesia artificial
de obscuridade deliberada[1].
[1]
Recorde-se o que Lausberg escreve a propósito da «obscuritas» e das suas duas variantes: «a obscuritas sem direcção surge especialmente, por meio da mixtura verborum, que é considerada […]
na poesia […] como um meio para obter o estranhamento»; a obscuritas, indecisa quanto à direcção, […] como licença […] é
utilizada a favor da táctica do discurso (com a finalidade da dissimulatio), nas sentenças oraculares»
(LAUSBERG, H., 1966: 137). Segundo parece, Fernando Pessoa serviu-se à vontade
deste processo, porque, estando na sua posse, o aplicou de acordo com a
intencionalidade de obscuridade.
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