domingo, 22 de outubro de 2017

Fernando Pessoa e Sá-Carneiro – diálogo em poema





Segundo Cabral Martins, a amizade dos dois poetas é em si um facto poético. Lendo a correspondência e os poemas nela referidos verifica-se o diálogo entre Paris e Lisboa.
Sobre o diálogo do poema Partida de Sá-Carneiro e o poema Pauis de Pessoa, publiquei o estudo intertextual (https://issuu.com/clepul/docs/copia_a964b913f8816b) para concluir que o poema de Pessoa é uma resposta à poesia «natural» do amigo, estabelecendo-se o confronto entre poesia «artificial» e a poesia «natural». E passo a citar:

Com efeito, Sá-Carneiro levantou a questão do artificialismo da poesia pessoana, na carta de 26 de Fevereiro de 1913, quando, ao enviar a poesia Partida ao amigo, lhe pede «que não se assuste nem com o título nem com as primeiras quadras naturais»; e, mais adiante, acrescenta que aqueles «não são versos escritos por um poeta» e, por isso, «são maus versos», mas gosta deles porque «os encontra verdadeiros» (SÁ-CARNEIRO, M., 2001: 45-46). Nessa tirada, Sá-Carneiro, ao afirmar fazer e gostar de fazer poesia natural, assumida como a verdade, põe em dicotomia implícita: poesia natural versus poesia artificial. […] Depreende-se das palavras de Sá-Carneiro que os dois conheciam as opções estético-literárias mútuas e que Mário de Sá-Carneiro conhecia bem a oposição que Pessoa fazia ao neo-romantismo do natural e da verdade da poesia lírica nacional. […] Nesse contexto literário do neo-romantismo português, os artigos pessoanos de 1912 sugeriam como passar da poesia neo-romântica para a nova poesia portuguesa, e o poema Pauis de 1913 punha em prática o que fora teorizado, sob a forma da poesia artificial de obscuridade deliberada[1].


[1] Recorde-se o que Lausberg escreve a propósito da «obscuritas» e das suas duas variantes: «a obscuritas sem direcção surge especialmente, por meio da mixtura verborum, que é considerada […] na poesia […] como um meio para obter o estranhamento»; a obscuritas, indecisa quanto à direcção, […] como licença […] é utilizada a favor da táctica do discurso (com a finalidade da dissimulatio), nas sentenças oraculares» (LAUSBERG, H., 1966: 137). Segundo parece, Fernando Pessoa serviu-se à vontade deste processo, porque, estando na sua posse, o aplicou de acordo com a intencionalidade de obscuridade.

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