Invoco-te na madrugada sob a estrela matutina
E Prometeu continua acorrentado ao seu destino
Poder e Violência cumpriram a missão de Zeus
A Águia devora o fígado a renascer
A aurora rósea clareia e os filhos de Prometeu em fuga
Naufragam no mar tranquilo sob o olhar dos deuses
silenciosos
Vida e morte do povo não são temas da astronomia
De manhã desabrocham as rosas em vias de fenecer
Caem as pétalas e
rotação e translação planetária
Um continuum
Brilha o Sol
Ó divino Fulgor
Io acena
Boa viagem
Poesia zed
Maria José, ao revisitar o teu blogue "Aprender até morrer", sou ou sinto-me, totalmente, agarrada para tentar entrar dentro do teu campo poético e literário. E perceber de que forma, através do ato criador, o ou os poemas que partilhas, poderão ajudar-nos a entender como a Arte Literária, seja um poema ou uma narrativa, podem ajudar-nos a entender o Uno no Múltiplo. E procurar um nexo lógico, no domínio mítico, filosófico e/ou religioso, desde a Antiguidade até aos nossos dias.
ResponderEliminarPresumo que este teu poema, " Que Género?" partiu da sessão a que assistimos na BLCS, sobre o tema: A Poesia tem género?"
Foste buscar um dos mitos mais intensos e de uma imensa profundidade sobre a relação de Poder entre os deuses e a influência sobre os homens, sobre os seres humanos. Prometeu Agrilhoado mostra uma espécie de Poder competitivo, entre Zeus e Prometeus.
Esse poder é sempre sobre os humanos que é exercido.
O teu poema mostra a força do Mito, mas também, a luta sobre os titãs, numa tentativa de quebrar o agrilhoamento a que Prometeu estava sujeito. Essa quebra traria uma libertação para a humanidade. Ficaria com o Fogo, uma arma metafórica, a posse de um dos mais importantes elementos constitutivos das cosmogonias explicativas da origem do Mundo.
Mas, a meu ver, o recurso a Io, torna o teu poema de uma imensa riqueza, considerando os tempos atuais. Io que foi, na obscuridade, amante forçada de Zeus, teve a determinação ousada de se libertar, depois do seu papel na libertação de Prometeus, preso a uma rocha.
Io continua na procura de um ideal e de uma transformação. Como mulher, também.
O mito de Prometeu atravessa toda a história literária desde a Antiguidade Clássica até aos nossos dias.
Com muita reflexão e investigação, levar-nos-ia a conclusões, certamente, paradoxais mas também, incidindo na incoerência dos deuses e dos homens. Qualquer que seja o género.
Fiquei presa à grandeza do conteúdo do Poema Prometheus, do jovem Goethe, no século XVIII, por volta de 1775.
E decidi transcrevê-lo.
"Prometheus"
Encobre o teu céu, ó Zeus,
Com vapores de nuvens,
E, qual menino que decepa
A flor dos cardos,
Exercita-te em robles e cristas de montes;
Mas a minha Terra
Hás-de-ma deixar,
E a minha cabana, que não construíste,
E o meu lar,
Cujo braseiro
Me invejas.
Nada mais pobre conheço
Sob o sol do que vós, ó Deuses!
Mesquinhamente nutris
De tributos de sacrifícios
E hálitos de preces
A vossa majestade;
E morreríeis de fome, se não fossem
Crianças e mendigos
Loucos cheios de esperança.
Quando era menino e não sabia
Pra onde havia de virar-me,
Voltava os olhos desgarrados
Para o sol, como se lá houvesse
Ouvido pra o meu queixume,
Coração como o meu
Que se compadecesse da minha angústia.
Quem me ajudou
Contra a insolência dos Titãs?
Quem me livrou da morte,
Da escravidão?
Pois não foste tu que tudo acabaste,
Meu coração em fogo sagrado?
E jovem e bom — enganado —
Ardias ao Deus que lá no céu dormia
Tuas graças de salvação?!
Eu venerar-te? E por quê?
Suavizaste tu jamais as dores
Do oprimido?
Enxugaste jamais as lágrimas
Do angustiado?
Pois não me forjaram Homem
O Tempo todo-poderoso
E o Destino eterno,
Meus senhores e teus?
Pensavas tu talvez
Que eu havia de odiar a Vida
E fugir para os desertos,
Lá porque nem todos
Os sonhos em flor frutificaram?
Pois aqui estou! Formo Homens
À minha imagem,
Uma estirpe que a mim se assemelhe:
Para sofrer, para chorar,
Para gozar e se alegrar,
E pra não te respeitar,
Como eu!”
Agradeço a parceria na construção desta cadeia de textos dialogantes, na qual o mito de Prometeu marca presença como consciência inconformada da condição humana. Goethe entendeu-o profundamente e ele, sim, fez a autêntica poesia prometaica. O poema transcrito revela o Prometeu que existiu em Goethe em pleno desafio a Zeus pela palavra capaz de criar a estirpe prometaica a que alguns de nós pertencemos.
EliminarTodavia, Ésquilo, no dealbar dos tempos literários, constrói a semente expressiva dessa revolta divina e humana de um deus generoso que fornecera o segredo do fogo aos homens e, por isso, foi eternamente aprisionado num penhasco no alto do monte, tendo por companhia a águia que lhe devorava o fígado sempre renascido. A sua revolta não tem limites. Não há melhor imagem para o destino do ser humano que luta pela vida na certeza da morte que tenta adiar. Porém, a eternidade sofredora de Prometeu não melhora a sua condição. Eis o paradoxo prometaico: morte ou eternidade?
Gostava, se me permitem, de felicitar, pela "parceria" neste trabalho, em primeiro lugar, a Maria José Domingues, pelo belo poema que nos oferece. Em segundo lugar, a Margarida Vilarinho, pela análise crítica (intertextual, dialógica e comparativa) que, a a propósito do poema atrás referido, tece em torno do mito Prometeu. Este mito é, desde sempre, um dos mais fortes, sugestivos e apaixonantes, em termos de criação literária e artística. Quando li e estudei, na faculdade, as tragédias de Ésquilo (que terá vivido na primeira metade do séc. VI a. C.), logo fiquei fortemente interessado pelo seu «Prometeu Agrilhoada». «O Humanismo no "Prometeu Agrilhoado"» foi o primeiro estudo que, ainda estudante, escrevi e publiquei, em 1971. Hei-de, um dia destes, transcrevê-lo no meu blogue «paosointegral», em três "posts", dada a sua extensão.
ResponderEliminarÀs minhas queridas Amigas e antigas Colegas, renovo as minhas felicitações e apresento os meus sinceros agradecimentos.
Ótima a tua participação, Ó Poeta,nesta conversa intertextual. Quero mesmo ler o teu trabalho sobre um tema que tanto me interessa. Sinto a humanidade em sofrimento prometaico.
EliminarObrigada pela tua visão positiva acerca dos textos.