Em Vidas
Vencidas, a autora introduz, a propósito, títulos ou partes de textos
populares, recolhidos nos Contos Tradicionais Portugueses e no Romanceiro.
No
caso do texto «O Cabelo» (pp.79-84), depois de recordar os primeiros cabeleiros
de Braga e de se interrogar sobre a proveniência das cabeleiras dos querubins,
disfarces de procissões, refere a doença do tifo que lhe levou o cabelo liso
para lhe trazer um cabelo novo ondulado. Escreve: «De qualquer modo, a minha
cisma, agora, o cabelo». Lembra-se, a propósito, do lamento da «erva fina e
fúlgida» quando pisada, do conto tradicional, abaixo indicado.
27 - O figuinho da figueira |
Era uma vez um homem que tornou a casar, e
tinha uma filha do primeiro casamento que era tratada pela madrasta mal a
mais não poder. Tinham uma figueira lampa no quintal, para onde a madrasta
mandava a enteada guardar os figos por causa da passarada. Quando a pequena
ia para o campo, a madrasta seguia-a também para contar os figos, dizendo-lhe
que a matava se lhe faltasse algum. Um dia veio o milhano e comeu três figos,
por mais que a pequena o enxotasse. Quando estava já a anoitecer a madrasta
veio revistar a figueira, e deu pela falta de três figos. Logo ali matou a
enteada e a enterrou debaixo da figueira, e veio para casa dizendo que a
rapariga tinha fugido. O pai pensou que ela teria ido servir para alguma casa
longe. Um dia que o pai passava por debaixo da figueira, ficou pasmado de ver
debaixo dela muitas flores, e entre elas um lindo botão de rosa. Foi para as
colher, mas sentiu uma voz, a dizer-lhe:
Não me arranquem os meus cabelos, Que minha mãe os criou, Minha madrasta mos enterrou Pelo figo da figueira Que o milhano levou. |
Ao
princípio o homem ficou sem saber o que havia de fazer; mas por fim
resolveu-se a fazer uma cova naquele lugar, para ver que coisa era. Depois de
estar já bem funda a cova, descobriu uma lajem, levantou-a, e deu com uma escadaria por
onde desceu. Quando chegou lá abaixo encarou com a filha, que estava muito
linda e muito bem vestida:
– Filha, como é que vieste ter aqui?
– Quando a minha madrasta me enterrou,
apareceu-me aqui esta casa, e todos os dias vem aqui uma senhora dar-me de
comer.
O pai ficou vivendo com a filha, e não quis mais saber da
mulher.
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