sexta-feira, 4 de abril de 2014

Maria Ondina Braga, Vidas Vencidas, «O Cabelo» e «O figuinho da figueira»




Em Vidas Vencidas, a autora introduz, a propósito, títulos ou partes de textos populares, recolhidos nos Contos Tradicionais Portugueses e no Romanceiro.
No caso do texto «O Cabelo» (pp.79-84), depois de recordar os primeiros cabeleiros de Braga e de se interrogar sobre a proveniência das cabeleiras dos querubins, disfarces de procissões, refere a doença do tifo que lhe levou o cabelo liso para lhe trazer um cabelo novo ondulado. Escreve: «De qualquer modo, a minha cisma, agora, o cabelo». Lembra-se, a propósito, do lamento da «erva fina e fúlgida» quando pisada, do conto tradicional, abaixo indicado.


27 - O figuinho da figueira
Era uma vez um homem que tornou a casar, e tinha uma filha do primeiro casamento que era tratada pela madrasta mal a mais não poder. Tinham uma figueira lampa no quintal, para onde a madrasta mandava a enteada guardar os figos por causa da passarada. Quando a pequena ia para o campo, a madrasta seguia-a também para contar os figos, dizendo-lhe que a matava se lhe faltasse algum. Um dia veio o milhano e comeu três figos, por mais que a pequena o enxotasse. Quando estava já a anoitecer a madrasta veio revistar a figueira, e deu pela falta de três figos. Logo ali matou a enteada e a enterrou debaixo da figueira, e veio para casa dizendo que a rapariga tinha fugido. O pai pensou que ela teria ido servir para alguma casa longe. Um dia que o pai passava por debaixo da figueira, ficou pasmado de ver debaixo dela muitas flores, e entre elas um lindo botão de rosa. Foi para as colher, mas sentiu uma voz, a dizer-lhe:
Não me arranquem os meus cabelos,
Que minha mãe os criou,
Minha madrasta mos enterrou
Pelo figo da figueira
Que o milhano levou.
Ao princípio o homem ficou sem saber o que havia de fazer; mas por fim resolveu-se a fazer uma cova naquele lugar, para ver que coisa era. Depois de estar já bem funda a cova, descobriu uma lajem,   levantou-a, e deu com uma escadaria por onde desceu. Quando chegou lá abaixo encarou com a filha, que estava muito linda e muito bem vestida:
– Filha, como é que vieste ter aqui?
– Quando a minha madrasta me enterrou, apareceu-me aqui esta casa, e todos os dias vem aqui uma senhora dar-me de comer.
O pai ficou vivendo com a filha, e não quis mais saber da mulher.

Sem comentários:

Enviar um comentário