«A base de toda a arte é, não a insinceridade, mas a sinceridade traduzida»
ISTO
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
s. d.
Poesias.
Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).
- 236.
- 236.
Escreve Pessoa: «A base de toda a arte é, não a insinceridade, mas a sinceridade traduzida» (FP. PETCL: 267).
Essa inovação passa pela capacidade de
“sentir no cérebro”, conducente à “sinceridade traduzida”, expressa em poesia,
que Pessoa tanto admirava em Mallarmé, Goethe e Shakespeare (LOPES, T. R..,
1977: 240).
Em tempo de poesia dita sincera a que Mário de Sá-Carneiro chamou «natural», Pessoa continua a apresentar a sua arte poética presente em AUTOPSICOGRAFIA e mais uma vez apresentada em ISTO. Por esses poemas perpassam as divergências
das opções estético-literárias que geram uma poética pessoana especial, a qual
talvez possa ser clarificada a partir da teoria da «tensão Eu-Isto», aplicada
por Óscar Lopes a poemas pessoanos, de acordo com um «esquema de Martin Buber», (LOPES, Ó., 1973: 649).
De acordo com essa teoria, Óscar Lopes
explica que «a tensão Eu-Isto […] surge como relação entre um sujeito» (neste
caso, Fernando Pessoa) «e um objecto» - a poesia da sinceridade caraterística do romantismo e do neo-romantismo e do presentismo - «que o primeiro sente como
insuficientemente adequada, sendo aliás essa mesma inadequação que o faz
aperceber-se de si como sujeito, […] como dinamismo de uma melhor adequação» (ibidem).
Concluiria que a obra de Fernando Pessoa se constrói e reconstrói dentro do processo de trabalho de Projeto, ultrapassando os obstáculos literários condicionadores que alimentavam o seu génio de polemizador ideológico-literário em textos dialógicos.
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