Come
chocolates, pequena
Cansas-me,
Fernando. Sempre à minha frente. Sai. Já não és pessoa.
Eterno, imenso, ubíquo.
Tenho futuro.
Tu sabes que não há
eternidade para os seres vivos, muito menos para as tabuletas e fragmentos.
Álvaro de Campos conseguiu cumprir a modernidade. Leste a Tabacaria…
Tu e milhões…
Tudo se esvai em fumo e
todos sabemos isso…
Come chocolates, pequena;
come chocolates! Come, pequena suja, come!
E por que não? O imediatismo
do prazer das glândulas a salivar e, depois, o destino alimentar encarrega-se
da transformação até ao dejeto.
Percebeste!... Por isso,
eu não canto as sensações gustativas. Corrijo: eu não canto nada, quem canta
é o Camões; eu fabrico o Super-Camões. Eu construo poemas a partir das
sensações trabalhadas no laboratório da consciência, mas confesso que nutro
um certo desprezo pelas sensações gustativas.
Deixaste o alerta na Tabacaria
ao adjetivares a pequena. O peso do adjetivo.
Isso são coisas do engenheiro sensacionista. Apenas um parêntesis,
nada mais.
De facto escreveste que «o poeta de sonho é geralmente um visual, um visual estético. O sonho é da vista geralmente. Pouco sabe auditivamente, tactilmente. E o “quadro”, a “paisagem” é de sonho, na sua essência, porque é estática, negadora do continuamente dinâmico que é o mundo exterior. (Quanto mais rápida e turva é a vida moderna, mais lento, quieto e claro é o sonho)». Recito-te o que me ocorre ao ouvir-te:
PRÓSPERO
Pareces perturbado, meu filho, como
se
Estivesses assustado. Alegra-te,
rapaz.
O nosso entretenimento acabou. Estes
actores,
Como já te tinha dito, são todos
espíritos,
Esvaíram-se no ar como finos
vapores;
E, tal como é ilusória esta visão,
Também as altas torres, os palácios
soberbos,
Os templos solenes e mesmo este
grande globo
E todos os que o ocupem, se
desvanecerão,
Sem deixar um só rasto, tal como os
espíritos
Se dissolveram no ar. A matéria que
nos compõe
É igual à dos sonhos; e a nossa
curta vida
Cercada por um sono. Sinto-me
vexado.
Tolera a minha fraqueza; meu cérebro
está cansado.
Que a minha maleita não te perturbe.
Ide
Para a minha gruta, se assim o
quiserdes,
Para vos repousardes. Darei uma ou
duas voltas
Para acalmar minha mente agitada.
Obcecado pelo ídolo. Sempre Shakespeare e mais uma vez A Tempestade... Contudo, penso que foi em Hamlet que te configuraste... órfão de pai, namorado de Ofélia. Terá sido contra esse destino hamletiano que Álvaro de Campos se impôs para acabar o namoro?
Não vás por aí. A minha arte avança e é vanguarda, não se prende a biografias.
zed
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