quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Carlos de Oliveira vs. Vergílio Ferreira – Uma Abelha na Chuva vs. Aparição




«Vida e morte o que são?» versus ‘Vida e morte o que são para mim?’

Os dois autores escrevem as obras referidas na década de cinquenta do século XX - Uma Abelha na Chuva é publicada em 1953 e Aparição em 1959[1]. Os dois autores, contemporâneos do neorrealismo e do presencismo, percorreram o caminho literário do neorrealismo, sendo que Vergílio Ferreira, após as primeiras obras neorrealistas, criou a corrente literária vergiliana do existencialismo, centrada no eu que se interroga sobre si mesmo e sobre o mundo. Esse eu parte da personagem narrador que, face a si mesmo e ao mundo, tem mais perguntas do que respostas.

Acontece que, em Uma Abelha na Chuva, Carlos de Oliveira toca o existencialismo heideggeriano, através da voz da consciência audível, sobretudo na personagem Álvaro Silvestre, e da questão posta pelo médico, que ecoa na interioridade de Silvestre: «Vida e morte o que são?». Para esta interrogação humana surgem na obra as respostas adequadas às personagens: para os católicos, Deus é a resposta; para o médico apicultor, a morte é o fim da vida, o que não invalida a recordação dessa vida que os humanos transportam; para o neorrealista, a morte pode ter um significado político, no caso, o do fomento da luta de classes. Apesar das respostas diversificadas, a questão continua em pé com a angústia criada pela ameaça mortal.

Ao reler Aparição, imediatamente a seguir a Uma Abelha na Chuva, tive a noção de que a obra vergiliana continuava a problemática vertida na mesma pergunta, acrescida de um «para mim», isto é: Vida e morte o que são para mim.
O romance desenrola-se na busca da resposta reveladora.
Temos um eu/narrador em contexto (o eu-aqui de Heidegger), em busca da «verdade perfeita» - essencial na filosofia heideggeriana - a verdade como revelação do ser, o que pressupõe que o homem se abre ao ser revelado nas coisas existentes. O narrador começa por enumerar «a aparição fantástica das coisas» nos objetos que o rodeiam, depois ele próprio como objeto a seus olhos  - « a presença iluminada de mim a mim próprio». Acontece então a valorização da vida, porque essa é a verdade «que queima» quando se vê «o absurdo da morte», gerador da angústia reveladora do significado autêntico da presença do homem no mundo. Aceite a condição humana, restaura-se «a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo» (p.10).

Braga, 1 de outubro de 2015
Maria José Domingues



[1] Aparição, Vergílio Ferreira, Bertrand Editora, 17ª edição, 1988. As páginas indicadas pertencem a essa edição.

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