O Principezinho – génese
"Pour moi, voler ou écrire, c'est tout un", affirme Saint-Exupéry
dans un entretien de 1939.
Releio O Principezinho, leio artigos sobre a obra
e concluo o que todos os leitores sabem: a obra está aberta a muitas
interpretações, razão pela qual terá sido muito lida e até tenha sido obra
escolar obrigatória. Para que uma obra seja tão produtiva, ela tem que permitir
vários graus de leitura, de acordo com o leitor – a idade, a sensibilidade e o
conhecimento. Por tudo isso, procuro, por entre o emaranhado de informações, a
minha leitura, tendo em conta a obra em si, o contexto histórico-biográfico de
Antoine de Saint-Exupéry e a literatura francesa.
Se o primeiro grau de leitura nos reenvia para o conto
mais ou menos infantil, mais ou menos moralista, o segundo grau encontra em
cada personagem, em cada objeto, um valor polissémico. E é nessa polissemia, própria
da obra de arte imortal, a abrir pelo leitor, que nos podemos perder na riqueza
da interpretação - para cada leitor, sua leitura. Por isso, para além dos
valores humanistas da proteção à infância e da importância a dar à criança e à
sua expressão, do valor da amizade e do amor, temos a sensação de que fica algo
por desvendar. E então a busca é infindável até à sensação de esvaziamento que
obriga a parar e a registar o que se aprendeu para não esquecer.
Contexto
Sabemos que o autor, apelidado de «rei sol» por uma das irmãs,
ficou órfão de pai aos quatro anos e foi educado e instruído em colégios até ao
exame final do ensino secundário, então com 17 anos. Estamos em 1917, ano em
que faleceu o seu irmão com 15 anos. Frequentou Belas-Artes até entrar para o
serviço militar na aviação. Em 1922, obteve o seu brevet, como aluno
oficial da aviação francesa. Escolheu ser aviador e escritor em simbiose. Casou
com Consuelo Sandoval, em 1931. Viveu entre 1900 e 1944, em tempos conturbados
por duas guerras mundiais, morrendo a 30 de Julho de 1944, dentro do seu avião,
abatido por um atirador alemão – assunto esclarecido apenas no século XXI.
A sua posição política foi considerada controversa pelos
dois contendores: Pétain e De Gaulle. Nesse universo maniqueísta, ele não tinha
lugar. O seu patriotismo não estava em causa, mas ele temia a
guerra civil entre franceses e apelava à união. Não confiava em De Gaulle para
salvar a França, tal como De Gaulle não confiava nele, nem tão pouco os homens
do Marechal Pétain, com quem ele não queria nada, desde que Pierre Laval entrara
para o governo.
Impedido de voar pela idade e não se
considerando político, exilou-se nos Estados Unidos, em 1940, em consequência
do Armistício franco-alemão de 22 de Junho de 1940, com a intenção de convencer
os americanos a entrar na guerra, em defesa da Europa contra os totalitarismos.
«Qui suis-je si je ne
participe pas?» - perguntava ele.
De facto, a participação diplomática não estava
a acontecer, apesar de Pilote de Guerre (1942) ter tido essa intenção.
Desejoso de ação, tentava a via profissional como aviador, permissão que ia
requerendo com insistência e que ia vendo indeferida pela resistência gaulista
até Abril de 1943 – data em que foi admitido apenas para missões de reconhecimento.
A génese da obra
É no compasso de espera, uma época depressiva, em
Nova Iorque, após a publicação de Pilote de Guerre, que vai acontecer O
Principezinho (1942), também uma lufada de ar fresco para o próprio autor. Saint-Exupéry,
enquanto almoçava com o seu editor e esposa, desenhava no guardanapo a figura
de um rapazinho loiro de cabeleira despenteada, que teimava em sair das suas
mãos ao longo dos anos em desenhos variados. Acontece que, naquele momento, o
editor presta especial atenção ao desenho e sugere um conto infantil com aquela
personagem. Saint-Exupéry estava preparado para escrever esse conto, com o
material recolhido ao longo da sua vida variada, acompanhada de muita reflexão,
como se pode ler em Terre Des Hommes
de 1939.Com efeito, há nessa obra a descrição de um vagão de polacos
pobres, repatriados de França, no qual se instala o narrador, frente a um casal miserável
com o filho adormecido entre eles, um belo rapazinho semelhante «a um fruto
dourado, pleno de encanto e de graça».
«Aqui está um rosto de músico, um Mozart
criança, uma bela promessa de vida. Os principezinhos das histórias não eram
muito diferentes dele: protegido, bem rodeado e cultivado, poderia chegar muito
longe! Quando nasce por mutação nos jardins uma rosa nova, todos os jardineiros
se comovem. Isola-se a rosa, cultiva-se a rosa, criam-se condições para o seu
total esplendor. Mas não existe jardineiro para os homens. Mozart criança será
marcado como os outros pela máquina de prensagem. […] Mozart está condenado».
E acrescenta: «o que me atormenta é o ponto de
vista do jardineiro», isto é, o narrador pensa no que existe de particular em
cada ser humano e que vai desaparecer com a miséria e a guerra - «Mozart assassinado»
- não podendo, assim, desabrochar.
Verifica-se pela leitura do texto de 39 que o
principezinho loiro e a rosa especial tinham acabado de nascer no imaginário do
autor com a preocupação humanística da educação e proteção de todas as crianças,
para que desenvolvam os seus talentos e embelezem e enriqueçam o planeta.
Também a raposa do deserto («le
renard-fennech»), mais pequena do que um gato e de grandes orelhas, surge em Terre
des Hommes, quando o autor conta
como a conheceu e cativou no deserto, onde aterrara com uma avaria.
Pode concluir-se que o autor se inspira na sua
experiência de vida em reflexão para a criação da obra literária e Le Petit
Prince não é exceção. É evidente que o autor não se inspira apenas nisso,
ele possui um património cultural e literário, porque os homens têm raízes que
transportam dentro de si, ao contrário do que diz a ingénua flor de três
pétalas; «-Os homens? […] Não têm raízes, o que lhes cria problemas».
Junho 2015 - MªJoséDomingues
Junho 2015 - MªJoséDomingues
Sem comentários:
Enviar um comentário