domingo, 31 de maio de 2015

CONDIÇÃO HUMANA



Condição humana

Nascer condenado à morte é dor de existir com perdas e lutos de amor.
Mezinhas e crenças acolchoam a ferida a sarar, a sangrar.
Figas e negas, esquecimento na labuta dos dias – a sobrevivência.
Punhal afiado em pêndulo da ceifeira de vidas vem e vai.
Penetra fundo no coração e sai em grito de raiva prometaica,
Desafiando os deuses indiferentes com quem negoceio a eternidade:
Que não seja hoje nem amanhã nem nunca…
Na certeza da condenação.

Aceitação - e porque não?
Que deuses nos prometeram a eternidade,
Para que a desejemos?
Morre a árvore, a mosca e o leão…
E tu, não?
És o espaço da interrogação revelada,
Apenas tu - bichos e árvores, não.

Dentro de ti, o pensamento: tu e o mundo,
Na caminhada rumo à questão do ser-aí.
Com projetos e contestação, entra na dança.
Não esqueças:
Tu és sujeito de mudança.
E não estás só: tu e o outro -
Fonte de alegria, fonte de preocupação…
Mas não te percas, ó único, tu és intérprete do mundo,
que nos integra no vasto Cosmos,
Quais borboletas feitas do pó das estrelas.

A angústia é humana e salutar,
É ampla e faz pensar,
No salão da consciência – palco da reflexão,
Podes optar e decidir pela Liberdade
De temer, de sofrer, de amar
E de filosofar.

Poesia zed – 29 de maio de 2015

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Valter Hugo Mãe e Gil Vicente em O Filho de Mil Homens



Valter Hugo Mãe e Gil Vicente em O Filho de Mil Homens

A associação entre os dois autores provém da galeria de tipos e figuras e da utilização da linguagem corrente, na sua modalidade mais rude.
Da galeria popular de Hugo Mãe destacam-se, em romagem de agravados, a anã, o maricas, a enjeitada, que desaguam direta ou indiretamente no coração disponível e salvífico de Crisóstomo – o homem de 40 anos que quer um filho para ser inteiro. 
Dos agravados disse Gil Vicente:

«Cada um leva consigo
agravos tantos e tais,
que ouvi-los, corres perigo.»

Os agravados da obra de Hugo Mãe não são personagens de tragicomédia, são personagens trágicas - vítimas inocentes da natureza e da sociedade que encontram a salvação em Crisóstomo, o pescador de peixes e de sofredores de desamor. Ao penetrar a intimidade da anã ou do maricas, o cliché desmorona-se e surge a pessoa sofredora face ao olhar da sociedade que atua perseguindo-a cruelmente e ostracizando-a, num atropelo aos direitos humanos.
No que ao discurso respeita, os dois autores servem-se da linguagem corrente com à vontade, sempre que dela necessitam, sem evitar o palavrão ou a vulgaridade. No caso de O Filho de Mil Homens, essa linguagem agudiza-se no caso do «maricas», para quem a sociedade era e ainda é implacável. Através dessa linguagem, o autor consegue criar imagens terríficas, agudizadas pela relação de amor/desamor da mãe para com o seu filho Antonino. A voz implacável é a voz do povo que ordena à mãe que o mate, ou que, no caso da anã, entre dentes, lhe deseja a morte.
Então pensa-se na fala de Maria, em Frei Luís de Sousa de Garrett, para a pôr em causa: - Voz de povo, voz de Deus, minha senhora mãe». Muitas vezes,  a voz do povo é apenas a voz da tradição, que serve de síntese a um passado a modificar para melhor em termos de direitos humanos para todos, sem exceção.

1 de maio de 2015
Maria José Domingues