quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Não darei o Teu nome - SOPHIA

Não darei o Teu nome

 I

 Não darei o Teu nome à minha sede
De possuir os céus azuis sem fim, 
Nem a vertigem súbita em que morro
Quando o vento da noite me atravessa.

Não darei o Teu nome à limpidez
De certas horas puras que perdi,
Nem às imagens de oiro que imagino,
Nem a nenhuma coisa que sonhei

Pois tudo isso é só a minha vida,
Exalação da terra, flor da terra,
Fruto pesado, leite e sabor.

Mesmo no azul extremo da distãncia,
Lá onde as cores todas se dissolvem, 
O que me chama é só a minha vida.

II
Tu não nasceste nunca das paisagens,
Nenhuma coisa traz o teu sinal,
É Dionysus quem passa nas estradas
E Apolo quem floresce nas manhãs.

Não estás no sabor nem na vertigem
Que as presenças bebidas nos deixaram
Não Te tocam os olhos nem as almas,
Pois não Te vemos nem Te imaginamos.

E a verdade dos cânticos é breve
Como a dos roseirais: exalação
No nosso ser e não sinal de Ti.

III
A presença dos céus não é a Tua,
Embora o vento venha não sei donde.

Os oceanos não dizem que os criaste,
Nem deixas o Teu rasto nos caminhos.

Só o olhar daqueles que escolheste
Nos dá o Teu sinal entre os fantasmas.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia, 1944, pp36- 38.

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