A obra
Gente Feliz com Lágrimas, publicada em 1988, é constituída por seis
livros, intitulando-se o sexto «Livro
Zero». É evidente que este título traz à colação O Grau Zero da Escrita de
Roland Barthes. Por isso, depois de reler a obra de João de Melo, fez-se a
releitura da referida obra de Barthes, tendo-se concluído que, de facto,
existem afinidades. Contudo, neste texto apenas focarei aquela que me parece
fulcral.
No
capítulo V da obra de Barthes, «A escrita e a fala», o autor afirma que «a
apreensão de uma linguagem real é para o escritor o ato literário mais humano»
e que «parte da Literatura moderna é atravessada pelos fragmentos mais ou menos
precisos desse sonho: uma linguagem literária que atinja a naturalidade das
linguagens sociais», ainda que não deixe de ser uma escrita inteiramente convencional.
Verifica-se
que esses fragmentos do «eu» em ato de fala que constituem grande parte de Gente
Feliz com Lágrimas perseguem o sonho da redação em linguagem social com sucesso.
Nessa busca formal, repare-se no recurso aos regionalismos e aos
estrangeirismos tão característicos no discurso real dos emigrantes e ao
contraste com o discurso da médica Marta e do escritor Nuno.
Congratula-se
Barthes com «o desenhar-se a área possível de um novo humanismo» literário: «a
reconciliação entre o verbo do escritor e o verbo dos homens». Eis, a meu ver,
a chave principal para desvendar o jogo literário da escrita de Gente Feliz
com Lágrimas - em prol de um novo humanismo, que, para além da técnica formal da construção do romance, passa pela pacificação intergeracional envolvendo as raízes telúricas.
Maria José Domingues
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