«OMAR KHAYYAM [a]
O tédio de Khayyam não é o tédio de
quem não sabe o que faça, porque na verdade nada pode ou sabe fazer. Esse é o
tédio dos que nasceram mortos, e dos que legitimamente se orientam para a
morfina ou a cocaína. É mais profundo e mais nobre o tédio do sábio persa. E o
tédio de quem pensou claramente e viu que tudo era obscuro; de quem mediu todas
as religiões e todas as filosofias e depois disse, como Salomão: «Vi que tudo
era vaidade e aflições de ânimo», ou como, ao despedir-se do poder e do mundo,
outro rei, que era imperador, nele, Septímio Severo: «Omnia fui, nihil...» «Fui
tudo; nada vale a pena.»
A vida, disse Tarde, é a busca do
impossível através do inútil; assim diria, se o houvesse dito, Omar Khayyam.
Daí a insistência do persa no uso do
vinho. Bebe! Bebe! É toda a sua filosofia prática. Não é o beber da alegria,
que bebe por que mais se alegre, por que mais seja ela mesma. Não é o beber do
desespero, que bebe para esquecer, para ser menos ele mesmo. Ao vinho junta a
alegria a acção e o amor; e há que reparar que não há em Khayyam nota alguma de
energia, nenhuma frase de amor. Aquela Sàki, cuja figura grácil entrevista
surge (mas surge pouco) nos rubbayat, não é senão a «rapariga que serve
o vinho». O poeta é grato à sua esbelteza como o fora à esbelteza da ânfora,
onde o vinho se contivesse.
A alegria fala, do vinho, como o Deão Aldrich:...
A filosofia prática de Khayyam reduz-se pois a um epicurismo suave, esbatido até ao mínimo do desejo de prazer. Basta-lhe ver rosas e beber vinho. Uma brisa leve, uma conversa sem intuito nem propósito, um púcaro de vinho, flores, em isso, e em não mais do que isso, põe o sábio persa o seu desejo máximo. O amor agita e cansa, a acção dispersa e falha, ninguém sabe saber e pensar embacia tudo. Mais vale pois cessar em nós de desejar ou de esperar, de ter a pretensão fútil de explicar o mundo, ou o propósito estulto de o emendar ou governar. Tudo é nada, ou, como se diz na Antologia Grega, «tudo vem da sem-razão», e é um grego, e portanto um racional, que o diz.
s.d.
Por que obscura magia é que esse persa longínquo manda tão diversamente sobre as nossas almas? Que potência de encantamento jaz viva na sepultura do seu tédio? Ah, é que real ou facticiamente, nele ou em Fitzgerald por ele, falou, melhor que em qualquer outro, a voz completa do tédio inteiro, não do tédio que está cansado de viver, mas do tédio que está cansado de ser. Cansado de ser, não como o Buda, que renega a vida porque é pouco, mas de outro modo — o de quem renega a vida porque é tudo.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares.
A alegria fala, do vinho, como o Deão Aldrich:...
A filosofia prática de Khayyam reduz-se pois a um epicurismo suave, esbatido até ao mínimo do desejo de prazer. Basta-lhe ver rosas e beber vinho. Uma brisa leve, uma conversa sem intuito nem propósito, um púcaro de vinho, flores, em isso, e em não mais do que isso, põe o sábio persa o seu desejo máximo. O amor agita e cansa, a acção dispersa e falha, ninguém sabe saber e pensar embacia tudo. Mais vale pois cessar em nós de desejar ou de esperar, de ter a pretensão fútil de explicar o mundo, ou o propósito estulto de o emendar ou governar. Tudo é nada, ou, como se diz na Antologia Grega, «tudo vem da sem-razão», e é um grego, e portanto um racional, que o diz.
s.d.
OMAR [KHAYYAM] [b]
Por que obscura magia é que esse persa longínquo manda tão diversamente sobre as nossas almas? Que potência de encantamento jaz viva na sepultura do seu tédio? Ah, é que real ou facticiamente, nele ou em Fitzgerald por ele, falou, melhor que em qualquer outro, a voz completa do tédio inteiro, não do tédio que está cansado de viver, mas do tédio que está cansado de ser. Cansado de ser, não como o Buda, que renega a vida porque é pouco, mas de outro modo — o de quem renega a vida porque é tudo.
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