quinta-feira, 29 de abril de 2010

Escola Secundária Carlos Amarante festeja o 25 de Abril

A Poesia está na rua. Esse foi o título dado ao Sarau abrilino, organizado pela Escola com a participação aberta aos docentes, discentes e familiares. Nós, os mais velhos, ouvimos e trauteámos nostalgicamente canções e músicas de intervenção, cantadas e tocadas por jovens. Aquelas  eram as canções que abriram as portas de Abril e as que trabalharam para que elas não se fechassem. Zeca Afonso foi especialmente celebrado.
Jovens talentosos puderam mostrar ao público a sua arte.
Da arte de hoje da cultura urbana, ouvimos um rap/hip-hop com letra e música da autoria do trio de alunos que o apresentou. A letra ficou a latejar pela mensagem de um mundo inseguro, violento e alienado, de que aqueles jovens têm consciência. Onde estão os cravos? Será que não os plantámos? Ou, então, cravos são flores sem frutos e Cronos tudo devora.Acreditemos que tudo se transforma e que todas aquelas mensagens de esperança criam nova esperança com a qual se continua a lutar. A luta é infindável. e não se pode parar.
A música "cueca", extra-programa, teve o valor simbólico de um desafio ao programa estabelecido tal como a revolução abrilina, que, em 1974, também não estava no programa.
Na abrangência de um olhar sempre novo sobre a realidade, há que salientar o "Poema para Galileo" de António Gedeão, brilhantemente declamado. E é desse poema extraordinário que passo a transcrever alguns versos:
«[...]
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
[...]
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste  pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.»

António Gedeão, Poesias Completas (1956-1967) 


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sábado, 24 de abril de 2010

José Pacheco Pereira, o Inquisidor-mor?





- Nós somos a VERDADE!



Quem diria que se ia transformar em inquisidor-mor?!
Não esperava de si aquele rosto, aquele olhar de inquisidor-mor, na janela televisiva. Assustou-me, senhor! Fiquei boquiaberta a olhá-lo e retive a sua expressão assustadora.
Recua-se na História e encontrámos esse olhar, essa expressão, na Santa Inquisição, defensora de uma só VERDADE!
Recuo à infância colegial e encontro esse olhar na freira inquisidora-mor de uma só Verdade!
Também foi para nos livrarmos da Verdade Única que fizemos emocionados o 25 de Abril!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Economia pode rimar com poesia?

Citando do caderno de Economia do Expresso de 17 de Abril de 2010:

Pedro Mexia, Vamos Morrer

Vamos morrer,
mas somos sensatos,
e à noite,
debaixo da cama,
deixamos,
simétricos e exactos,
o medo
e os sapatos.


António Mexia e Zeinal Bava, premiados como os melhores presidentes pelo CEO, ”podem continuar a ser muito bem pagos sem serem pornograficamente remunerados”.

Manifesto: o tempo não volta atrás.
O uso de energias renováveis permite ao país poupar cerca de 500 milhões em 2010.
O plástico que aduba a terra: sacos de compras biodegradáveis, uma criação da Tecnologia Empresa portuguesa. Trata-se do Biomind, um plástico biodegradável, que se transforma em húmus.

A crise da Grécia é simplesmente um exemplo dos predadores a abaterem o elemento mais fraco do rebanho.

Quem se trama é a cigarra.
O principal vencedor foi a China, mas a sua janela de oportunidades vai até 2015.
Os milagres económicos de muitos “tigres" esfumaram-se.

domingo, 18 de abril de 2010

Abril


E estamos em Abril. ABRIL! Não tinha dado conta que era ABRIL
Que viagem fizemos desde aquele ABRIL de 1974 até este abril de 2010?
Da Esperança à conformidade desiludida.
Do SONHO à realidade nua e crua de um pequeno e pobre país europeu, apertado entre a Espanha e o Mar.
Claro, ninguém nos impede de sonhar.
Aí somos livres e cantamos o fado até desesperar.
A Europa em crise: quem semeia ventos colhe tempestades.
É a Hora do balanço da colonização europeia?
Quem a começou? A Grécia? Portugal?
Como foi conduzida?
Onde ficou o humanismo cristão da colonização imperial europeia inauguradora da época moderna?
Na ganância, na exploração, no roubo?
Na imposição do modelo europeu, em nome do atraso dos autóctones?
Claro, ninguém nos impede de sonhar.
Aí somos livres e cantamos o fado até desesperar.
E estamos em Abril. ABRIL!
Não tinha dado conta que era Abril, o mês do 25.
25 expectativas? Não as reduzas à economia e finanças!
O mundo tem outras andanças.
E a liberdade? e a expressão? e o blogue? e o amor?
Pelo sonho, pelo sonho é que vamos.
E o pão e a habitação e a saúde?
É a discussão: uns dizem que sim e outros que não.
Não duvides: ganhamos o direito à expressão.

sábado, 17 de abril de 2010

ÍTACA de C. Cavafy

ÍTACA de C. Cavafy

«Quando empreenderes a viagem para Ítaca
pede que o caminho seja longo,
cheio de aventuras, cheio de descobertas.
Pede que o caminho seja longo,
e numerosas as manhãs
em que os teus olhos descubram um porto ignorado
e numerosas as cidades onde buscarás o saber.
Conserva sempre no coração a ideia de Ítaca.
Deves alcançá-la, é o teu destino
mas não forces a travessia.
Mais vale que ela dure muito tempo
e que sejas velho quando deitares a âncora,
enriquecido com tudo o que tiveres encontrado no caminho
sem estares à espera de mais riqueza ainda.
Ítaca deu-te uma bela viagem
sem ela não terias partido.
E se a achares pobre, não é que Ítaca te enganou.
A sabedoria que adquiriste
permite-te compreender o sentido das Ítacas.

Mais além, deves ir mais além
das árvores que te prendem
e quando as tiveres ultrapassado
Trata de não parar.
Mais além, deves ir mais além
além do presente que te prende ainda
e quando estiveres solto
retoma de novo a viagem.
Mais além, sempre mais além,
além da manhã que já se aproxima
e quando julgares que chegaste, sabe procurar novos caminhos.

Boa viagem aos guerreiros
que são fiéis ao seu povo.
Que o deus dos ventos seja favorável
ao velame dos seus navios.
Apesar do seu velho combate
que achem o prazer dos corpos mais amantes.
Encham as redes de estrelas cobiçadas,
cheios de venturas, cheios de conhecimentos.

Boa viagem aos guerreiros
se forem fiéis ao seu povo.
Apesar do seu velho combate,
que o amor encha os seus corpos generosos
que encontrem o caminho dos velhos desejos,
cheios de venturas, cheios de conhecimentos.»

(Desde 1976 que o poema ÍTACA de C. Cavafy, na tradução livre de João Medina, me acompanha e me ajuda a conduzir a nau, por isso, decidi transcrevê-lo.)

O TEMPO

Falando de odisseias a pensar na viagem aventurosa de Odisseu, mas a pensar sobretudo na vida dos humanos (não como viagem de eterno retorno, mas como viagem com destino marcado, ainda que à espera de uma surpresa ), deparamo-nos sempre com a viagem no tempo e no espaço.
Ainda sobre o tempo, ouçamos Baudelaire: «Oui! le Temps règne; il a repris sa brutale dictature. Et il me pousse, comme si j'étais un boeuf, avec son double aiguillon. - "Et hue donc! bourrique! Sue donc, esclave! Vis donc, damné!"» (Baudelaire, Le Spleen de Paris).

Que tempo é este que nos encabresta
Ou que faz de nós uma festa

(Faz e desfaz / A bel-prazer / O que lhe apraz / olhem o género / só podia ser/ rapaz)

terça-feira, 13 de abril de 2010

O INSTANTE

 Heraclito: «Não é possível descer duas vezes no mesmo rio nem tocar duas vezes numa substância mortal no mesmo estado; pela velocidade do movimento, tudo se dissipa e se recompõe de novo, tudo vem e vai».

Frederico Nietzsche, Assim Falava Zaratustra: «Olha esta poterna, gnomo, disse-lhe ainda. Ela tem duas saídas. Dois caminhos se juntam aqui; e ninguém jamais os seguiu até ao fim. [...] Estes caminhos opõem-se; chocam de frente e é aqui, sob esta poterna, que se encontram. O nome da poterna está inscrito no frontão, e esse nome é: Instante.»

Sophia de Mello Breyner Andresen - «A Viagem»: 
«[...] E, dentro do carro que os levava, a mulher disse ao homem:
- É o meio da vida.
Através dos vidros, as coisas fugiam para trás. As casas, as pontes, as serras, as aldeias, as árvores e os rios fugiam e pareciam devorados sucessivamente. Era como se a própria estrada os engolisse.»
 
 
«O instante toca-nos (ou somo-lo) a um tempo com uma leveza de sonho e um excesso que nos desfaz. […] Sá-Carneiro diria gloriosamente dele que é aquela manhã tão forte que nos anoitece. […] O essencial Instante é circunscrito pela vertigem e pela claridade. E ao mesmo tempo reduzido a um ponto só» (LOURENÇO, Eduardo, 1974 – Tempo e Poesia, Porto, Editora Inova, pp39-46).

«— E como erguer o instante, volvê-lo perdurável?
De mil formas, como de mil formas o artista de génio executa a sua arte» (Mário de Sá-Carneiro - O Fixador de Instantes).

INSTANTE

A cena é muda e breve:
Num lameiro,
Um cordeiro
A pastar ao de leve;

Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer;
E a vida
Pára também, a ver.

Miguel Torga (30 de Setembro de 1941)

domingo, 11 de abril de 2010

Odisseias

2. O Ser Humano vulgo o HOMEM – a resposta

A primeira palavra do poema grego Odisseia (doze mil versos em vinte e quatro cantos) é Homem - “o homem astuto que muito sofreu”.
Aqui está a apresentação do protagonista e a resposta para todas as questões enigmáticas da esfinge grega (metáfora absoluta do ser interrogante): o Homem.
E Eduardo Lourenço explica que «a Esfinge é incarnação perfeita da ambiguidade radical da situação humana» e é «ao mesmo tempo a realização plástica mais concreta do acto original do homem: a poesia». E sintetiza: «a esfinge é o homem e a resposta ao seu enigma uma resposta humana».
Se a resposta poética ao enigma da esfinge grega é o Homem, essa deveria ser a resposta a todos os enigmas. Descoberta a resposta ao enigma, seria preciso continuar a busca de «uma autêntica face do homem, uma existência em busca de uma essência». E a busca faz-se em todas as direcções, dentro e fora do homem. Mas é no homem que estão as respostas, porque é ele quem faz as perguntas e quem procura as respostas. O homem cria a esfinge, faz a pergunta esfíngica, cria Édipo para dar a resposta e cria a tragédia de mais um “homem astuto que muito sofreu”, continuando a criação. E «criar é ser poeta».

(Citações entre aspas rectas de LOURENÇO, Eduardo, 1974 – Tempo e Poesia, Porto, Editora Inova, pp39-46.)

sábado, 10 de abril de 2010

ODISSEIAS

1. De Homero a Pessoa
A transformação do pacífico Ulisses, rei de Ítaca, em guerreiro ardiloso da guerra de Tróia, e a viagem errante de regresso a casa constituem matéria dos poemas homéricos.
A história do herói grego errante (que luta contra forças maiores para regressar a casa depois de uma guerra indesejada e desaprovada) pode ser lida como a história do ser humano, o qual, sem ter dado permissão e concordância, viaja no planeta Terra pelo cosmos, enquanto estuda o mundo envolvente e tenta vislumbrar o sentido (ou a falta de sentido) dessa viagem, bem como as leis que a regem.
É impressionante saber que esta história longínqua viajou no tempo, em canto de aedos, sintetizados no nome glorioso de HOMERO, até chegar à escrita. Ele é o mais antigo pilar literário da literatura ocidental. Também por isso, Ricardo Reis, o heterónimo pessoano de gosto classicista, escreveu: «deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero». Esta afirmação já apontava não só para a modernidade, mas para a pós-modernidade, no assumir, às claras, a polifonia literária e a intertextualidade.