Ai, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que farias tu com ela?
—Tirava os brincos do prego,
Casava c’um homem cego
E ia morar para a Estrela.
Mas Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que diria tua mãe?
— (Ela conhece-me a fundo.)
Que há muito parvo no mundo,
E que eras parvo também.
E, Margarida,
Se eu te desse a minha vida
No sentido de morrer?
— Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.
Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fosse senão poesia?
— Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem efeito.
Nesta casa não se fia.
Comunicado pelo Engenheiro Naval
Sr. Álvaro de Campos em estado
de inconsciência
alcoólica.
[1/10/1927]
In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
quinta-feira, 25 de março de 2010
terça-feira, 23 de março de 2010
CULTURA SÉNIOR
O professor octogenário Daniel Serrão publicou, na revista Brotéria de Janeiro passado, um artigo intitulado «Os Seniores – um novo estrato social emergente». Nele define seniores como os seres humanos aposentados que se sentem livres e capazes de desempenharem um novo papel na sociedade. Cita exemplos como o centenário Manuel de Oliveira, Ruy de Carvalho e Artur Agostinho. É falso que os dois primeiros tenham um novo papel na sociedade. Eles foram e são óptimos na sua profissão e é nela que trabalham. E que continuem por muitos anos. São um excelente exemplo para a humanidade. Daniel Serrão não mencionou mulheres, mas poderia ter escrito Eunice Muñoz e Simone de Oliveira, por exemplo.
É com seniores independentes, activos e interventivos que, segundo o autor, está em formação o «estrato social emergente». Que se espera deles? «Uma mudança de ramo», pergunta e responde o Professor. Pelos exemplos apontados pode não ser preciso mudar de ramo; o sénior pode ficar no mesmo ramo (a ideia de ramo leva-nos até à árvore primordial, para dar o recado: cada macaco pode ficar ou não no seu galho).
Segundo as projecções apontadas no artigo, este ano seremos dois milhões de pessoas com mais de 65 anos. O Professor espera que os referidos seniores venham a criar uma cultura de vanguarda, partindo do princípio que a cultura sénior é uma cultura diferente da outra. Penso que não é assim. Quer Manuel de Oliveira quer José Saramago não precisaram de fazer um corte quando chegaram aos 65 anos. É evidente que os dois referidos artistas têm uma profissão liberal. Entende-se o pensamento do autor visionando a aposentadoria da função pública. E não se pode deixar de valorizar a intenção do autor no apelo aos seniores de boa vontade e com os requisitos formulados para não se retirarem da vida activa, uma vez que estão reunidas as condições (libertos do horário e do poder), para que, sem cinismos, possam «propor caminhos novos e lutar por eles, ao lado dos jovens que consigam seduzir».
É com seniores independentes, activos e interventivos que, segundo o autor, está em formação o «estrato social emergente». Que se espera deles? «Uma mudança de ramo», pergunta e responde o Professor. Pelos exemplos apontados pode não ser preciso mudar de ramo; o sénior pode ficar no mesmo ramo (a ideia de ramo leva-nos até à árvore primordial, para dar o recado: cada macaco pode ficar ou não no seu galho).
Segundo as projecções apontadas no artigo, este ano seremos dois milhões de pessoas com mais de 65 anos. O Professor espera que os referidos seniores venham a criar uma cultura de vanguarda, partindo do princípio que a cultura sénior é uma cultura diferente da outra. Penso que não é assim. Quer Manuel de Oliveira quer José Saramago não precisaram de fazer um corte quando chegaram aos 65 anos. É evidente que os dois referidos artistas têm uma profissão liberal. Entende-se o pensamento do autor visionando a aposentadoria da função pública. E não se pode deixar de valorizar a intenção do autor no apelo aos seniores de boa vontade e com os requisitos formulados para não se retirarem da vida activa, uma vez que estão reunidas as condições (libertos do horário e do poder), para que, sem cinismos, possam «propor caminhos novos e lutar por eles, ao lado dos jovens que consigam seduzir».
sexta-feira, 19 de março de 2010
Portugal em julgamento
– Se a culpa morre solteira, quer dizer que ela não casa?
– Eu acho que a culpa ninguém a quer, mas espera-se que ela case com o culpado.
– Casa no civil ou no religioso?
– Sei lá. Nos dois?
– Pois é. Tenho andado a pensar de quem é a culpa de tanto crime de tráfico de influência
– Ah, sim?! E que concluíste?
– Mais ou menos como José Saramago nos tem andado a explicar: a culpa é da religião.
– Então porquê?
– Imagina a situação da promessa a S. Judas Tadeu para passar no exame. O aluno até sabe pouco, mas promete-lhe algo para que ele interceda junto de Deus, para que faça o milagre de o passar. Se passar, terá de cumprir a promessa. Mas pior é quando isso acontece num concurso para aceder a um emprego, passando a perna a outros. E nas promessas vai-se envolvendo toda a corte celestial.
– Mas que interessa isso: milagres são milagres. E isso não se discute.
– Mas a promessa tem que se cumprir no caso do pedido ter sido concedido. Ele é o cordão de ouro para a santa, o dinheiro para o santo, etc.
– Parece-te que do hábito religioso se passou à influência do "padrinho", para interceder por alguém para que o "afilhado" alcance alguma coisa.
– Pensando melhor, já não sei qual terá acontecido primeiro: se o civil, se o religioso.
– Os dois devem ter andado a par. É a condição humana: o ser humano precisa, sente-se inseguro, pede o favor e, se alcança o pretendido, paga. O processo é muito antigo.
– De facto, estou a lembrar-me que, no antigamente, na minha aldeia, a resolução de problemas que transcendia o indivíduo se fazia com cunhas e o pagamento era dar o melhor que se tinha: as trutas, as perdizes, etc. Aos santos ainda era pior, porque havia que enunciar a dádiva no momento da promessa, de acordo com o grau de dificuldade do problema a resolver. E ai de quem não cumprisse o prometido! As histórias dos castigos dos santos eram contadas como notícias reais.
– Falaste nas trutas e eu pensei nos robalos noticiados. E repara na frase da primeira página do DN do dia 17 deste mês: «Se ajudar amigos é tráfico de influências, eu faço-o todos os dias».
– Ajudar os amigos não é crime, desde que não prejudique ninguém. Crime é prejudicar.
– Mas, afinal, o que está a ser julgado?
– Penso que é a mentalidade portuguesa da cunha.
– Ainda bem, já não é sem tempo, para ver se a mudança dos comportamentos inerentes acontece.
– Isso seria óptimo. Se não fosse a hipocrisia dos acusadores, eu teria esperança.
– Eu acho que a culpa ninguém a quer, mas espera-se que ela case com o culpado.
– Casa no civil ou no religioso?
– Sei lá. Nos dois?
– Pois é. Tenho andado a pensar de quem é a culpa de tanto crime de tráfico de influência
– Ah, sim?! E que concluíste?
– Mais ou menos como José Saramago nos tem andado a explicar: a culpa é da religião.
– Então porquê?
– Imagina a situação da promessa a S. Judas Tadeu para passar no exame. O aluno até sabe pouco, mas promete-lhe algo para que ele interceda junto de Deus, para que faça o milagre de o passar. Se passar, terá de cumprir a promessa. Mas pior é quando isso acontece num concurso para aceder a um emprego, passando a perna a outros. E nas promessas vai-se envolvendo toda a corte celestial.
– Mas que interessa isso: milagres são milagres. E isso não se discute.
– Mas a promessa tem que se cumprir no caso do pedido ter sido concedido. Ele é o cordão de ouro para a santa, o dinheiro para o santo, etc.
– Parece-te que do hábito religioso se passou à influência do "padrinho", para interceder por alguém para que o "afilhado" alcance alguma coisa.
– Pensando melhor, já não sei qual terá acontecido primeiro: se o civil, se o religioso.
– Os dois devem ter andado a par. É a condição humana: o ser humano precisa, sente-se inseguro, pede o favor e, se alcança o pretendido, paga. O processo é muito antigo.
– De facto, estou a lembrar-me que, no antigamente, na minha aldeia, a resolução de problemas que transcendia o indivíduo se fazia com cunhas e o pagamento era dar o melhor que se tinha: as trutas, as perdizes, etc. Aos santos ainda era pior, porque havia que enunciar a dádiva no momento da promessa, de acordo com o grau de dificuldade do problema a resolver. E ai de quem não cumprisse o prometido! As histórias dos castigos dos santos eram contadas como notícias reais.
– Falaste nas trutas e eu pensei nos robalos noticiados. E repara na frase da primeira página do DN do dia 17 deste mês: «Se ajudar amigos é tráfico de influências, eu faço-o todos os dias».
– Ajudar os amigos não é crime, desde que não prejudique ninguém. Crime é prejudicar.
– Mas, afinal, o que está a ser julgado?
– Penso que é a mentalidade portuguesa da cunha.
– Ainda bem, já não é sem tempo, para ver se a mudança dos comportamentos inerentes acontece.
– Isso seria óptimo. Se não fosse a hipocrisia dos acusadores, eu teria esperança.
segunda-feira, 8 de março de 2010
O dia triunfal de Fernando Pessoa e o dia da mulher: 8 de Março
Dois motivos importantes para festejar o dia 8 de Março.
Poder-se-ia pôr em causa o dia da mulher, se a mulher tivesse sido tão dignificada como o homem desde sempre. A igualdade de género é uma reivindicação que terá de atingir até as regras da concordância gramatical. Não é justo que, num grupo de muitas mulheres e um homem, o correcto seja o masculino em casos como «Estamos todos aqui muito satisfeitos». A maioria deveria ditar o género, seria democrático. Para chegar aí, há ainda muitas etapas a vencer com maior prioridade.
Quanto ao dia triunfal de Fernando Pessoa, 8 de Março de 1914, poder-se-ia estabelecer uma relação com o dia da mulher. Sabe-se que o dia da mulher faz hoje 100 anos e sabe-se que foi festejado na data de 8 de Março de 1914, na Europa. O ponderado Pessoa não iria escolher, a 13 de Janeiro de 1935, ao acaso, a data triunfal para o parto do trio heteronímico. Ficava-lhe bem ter pensado na mulher e na concepção feminina. Não sabemos as razões da escolha, mas sabemos que escolheu essa data. E, a meu ver, foi muito bem escolhida. Para quem queria sentir tudo de todas as maneiras, não poderia excluir o sentir mulher. E a prova de que não excluiu esse sentir é o texto assinado com o nome feminino, mas híbrido também: Maria José.
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