domingo, 21 de fevereiro de 2010

LILITH

Lilith

A personagem saramaguiana com este nome, em Caim, tem origem na Cabala. Nesta obra, ela é a primeira mulher. Aquela que foi criada ao mesmo tempo que Adão, como consta do texto um do Génesis: «Deus criou então o ser humano à sua imagem, criou-o como verdadeira imagem de Deus. E o ser humano criado por Deus é o homem e a mulher».
Este texto, o mais antigo, não convinha à sociedade hebraica, masculina, patriarcal. Por isso, numa religião também do género masculino, Lilith, ao reivindicar a igualdade que lhe era devida, nomeadamente a igualdade de posição sexual, teve que ser expulsa do Éden para terras do Mar Vermelho, como um demónio. E foi apagada na cultura judaico-cristã por simbolizar a libertinagem sexual, o primeiro divórcio e a origem dos piores males, como, por exemplo, a morte inexplicável dos bebés. Lilith passou a ser considerada como aquela de quem nem se ousa pronunciar o nome pelos males que pode trazer. O seu nome não consta na Enciclopédia Verbo, por exemplo. É possível viver uma longa vida sem esbarrar com tal nome. Saramago trouxe-o de novo à ribalta. Como isso deve ter apoquentado os católicos conhecedores dos segredos da religião…
E Eva? Era preciso criar uma mulher que conviesse à sociedade retratada no antigo testamento. Surge então um texto antigo, mas mais recente que o primeiro, Génesis 2, no qual «o senhor Deus modelou o homem com barro da terra. Soprou-lhe nas narinas e deu-lhe a respiração e a vida. E o homem tornou-se um ser vivo». Porém, ao vê-lo sozinho no jardim de Éden, Deus disse: «Não é bom que o homem fique sozinho. Vou-lhe arranjar uma companhia apropriada para ele». E foi então que modelou os animais que o homem ia nomeando, «mas nenhum deles era a companhia apropriada para ele». Então, fez com que o homem adormecesse, tirou-lhe uma costela, fez a mulher e apresentou-a ao homem, que teria dito: «Desta vez, está aqui alguém / feito dos meus próprios ossos / e da minha própria carne. / Vai chamar-se mulher; / porque foi formada do homem». E assim surge Eva, a mulher hebraica do antigo testamento, que viria a ser o molde do género feminino judaico-cristão.
De facto, a Bíblia não fala de Lilith, mas conserva os dois textos, certamente reveladores de dois momentos da história antiga dos seres humanos na terra: num primeiro momento, homem e mulher convivem em igualdade absoluta; num segundo momento, o homem expulsa a mulher do seu devido lugar. As filhas de Lilith jamais se conformaram com a subalternização. E numa justa luta de séculos continuam a trabalhar pela igualdade de género.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Mário Crispo


Apreciei-o ontem na tv. Aparentava suavidade, para que não parecesse crispado aos olhos dos telespectadores. Ou então a onda da crispação já tinha dado o efeito desejado. Surgia meloso e queixoso da perda da sua casa. A criança perguntou: Aquele senhor tão simpático e bem vestido não tem casa? O adulto mandou-a calar. Queria saber o significado da palavra casa no contexto. A sua casa, explicava Mário, era a sua coluna no jornal. Pelos vistos, aquele jornalista pode dizer o que quiser no seu espaço do jornal, da tv, da rádio, e a isso chama liberdade de imprensa, de acordo com o princípio consensual de que, na casa de cada um, cada um diz o que quer.
Concluí que esse é o conceito de espaço público do homem suave que fora crispado e que estava ainda à janela de sua casa, na minha casa, a falar: - Tiraram-me a minha casa - dizia ele. Em seu socorro acorreram os políticos que desejam o poder e ainda o não o possuem q.b. Eis senão quando ele veste a t-shirt onde se lê «Eu ainda não fui processado pelo Sócrates». Ai não? Não, uso-a para dormir.