O espelho social
É dia 23 de Junho. Há muito a preparar para o alegre arraial de S. João, a festa de Verão, onde se juntam as três gerações. No dia anterior, Leonor, avó sexagenária, tinha ido ao cabeleireiro, para, no meio de tantas ocupações, não ter de pensar em cabelo. Prepara-se cuidadosamente para sair e fazer as compras da última hora.Dirige-se a uma loja da fruta, que lhe fora indicada como a melhor nas redondezas. Vai escolhendo, quando encontra três mangas: caras, engelhadas, manchadas, quase podres. Pega na melhor das três e, dirigindo-se à vendedora, pergunta se não teria mangas melhores.
A isso, a vendedora, mulherão dos seus quarenta e pico, responde-lhe:
- Olhe, mangas, não trouxe, porque, sabe, elas estavam com uma cara... (e fez um trejeito de desagrado, enquanto olhava para a cara da compradora)... assim... como as nossas.
Leonor levanta os olhos da manga, mira-a atentamente pela primeira vez e responde:
- A sua está bem boa...
Ao que a vendedora nada acrescenta. E a compradora junta aquela manga à sua série de vegetais seleccionados.
Sai, vai tomar um café, dirige-se ao primeiro espelho e comenta com um sorriso irónico:
- De facto, espelho meu, cara de manga em começo de putrefacção absoluta... mas viva! E aos seres vivos o melhor que lhes pode acontecer é envelhecerem saudavelmente.