terça-feira, 20 de novembro de 2018

Jerusalém de Gonçalo M. Tavares - uma leitura reflexiva


«Cada vez mais, a literatura é essencial para despoletar o pensamento» - G M. Tavares

Jerusalém[1] pertence a O Reino de Gonçalo M. Tavares. O título é rico de significado. Partindo da denotação geográfica, enriquece-se com o valor religioso de capital das religiões abraâmicas com epicentro na Bíblia, obra central da cultura judaico-cristã, com citações várias ao longo da obra, de entre as quais se salienta o salmo 136 ou 137, atribuído a «Jeremias para David», na situação histórica do cativeiro da Babilónia, com transcrição de dois versos: «Se me esquecer de ti, Jerusalém,/ seque a minha mão direita». Se esse e outros textos bíblicos se presentificam na obra, nela se encontra também a citação de um texto de Hannah Arendt (pp. 141-142) sobre o inferno dos campos de concentração nazis[2].
Depois da finalização da obra, tarde para o leitor, o autor avisa das citações da Bíblia e de Hannah Arendt.
Apesar do título judaico, as personagens, em destaque de subtítulos, nos trinta e dois capítulos, têm nomes alemães. Essa opção literária desvia o leitor do Médio Oriente para a Europa, colocando-o na Alemanha. O nome Jerusalém associado à onomástica alemã abre a pista da leitura do anti-humanismo nazi, a violência extrema, banalizando o mal.
Nesse contexto, o leitor recorda Hanna Arendt, filósofa judia-alemã, e os seus artigos sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém. A filósofa trabalhou sobre a origem do mal e o autor transcreve as suas palavras lidas pela personagem Theodor Busbeck, o psiquiatra que estuda o terror ao longo da História da humanidade (não o da guerra, mas aquele em que a parte forte dizima a parte fraca), com o objetivo de obter um gráfico que permita concluir sobre a violência no futuro, de modo a chegar a uma fórmula matemática «que permita prever, que permita agir e não apenas contemplar ou lamentar». Tendo escrito cinco volumes, aplaudido durante o percurso da escrita, acaba derrotado e ridicularizado pela crítica demolidora, a partir da qual a obra deixou de ser tida em consideração, pois não agradara a gregos nem a troianos.
Ao longo da obra, o leitor é convidado a refletir sobre a problemática da violência, tal como Busbeck faz, partindo do louco individual para a «loucura do mal», ao longo da História, e pode chegar a conclusões, a partir desse microcosmos de 252 páginas.
O julgamento da História pelo psiquiatra Theodor Busbeck
Theodor[3] Busbeck é psiquiatra e pretende «captar o conceito de saúde de uma forma mais vasta: a saúde mental da humanidade»[4] - «um santo inteligente capaz de perceber os miolos da História» e «dominar a História». É precisamente a dimensão espiritual acrescentada à ciência que diferencia Theodor da comunidade científica. Essa dimensão baseada no seu instinto científico era resumida na expressão: «O homem saudável quer encontrar Deus» e acrescentava: «um homem que não procure Deus é louco. E um louco deve ser tratado». É interessante notar que Theodor conclui que a busca de Deus na História pelo homem é um fator positivo contra o horror, mas não valoriza a santidade. A diferença entre esses dois estados de espírito parece consistir na dinâmica implicada na demanda e não no pousio do ponto de chegada – a santidade.
A tese do ponto zero, como resultado do balanço entre violência exercida e recebida, implicando o fim da História de um povo ou do mundo, levou Busbeck, no último volume,  à construção de uma tabela com os povos massacrantes, os massacrados e os neutros, no futuro. Essa «profecia numérica» foi mal recebida e ridicularizada. E o autor foi considerado um crente e um louco a precisar de ser tratado no Hospício Georg Rosemberg. Em consequência, a sua obra foi fracassando.
A tese do ponto zero tem a confirmação no fim da história da obra Jerusalém. A violência extrema está representada por Hinnerk: guerra, porte de arma, canibalismo. No momento em que a violência se desencadeia sobre ele em assassínio, a história termina, exceto para Mylia que acredita em milagres. Eis o paradoxo final: a mulher doente é a mulher saudável, porque busca Deus. Isto implica a validação da tese de Theodor Busbeck em Jerusalém.

A origem do mal
No «subcapítulo [...] história do horror [...] sem medo», isto é, o horror não provocado pelo medo, Busbek segue um plano: recolha do material gráfico da distribuição do horror através dos séculos em busca de uma regularidade - «um eletrocardiograma humano», para formular uma normalidade capaz de controlar o futuro da humanidade.
·         Ao refletir sobre a violência nos dois casos infantis apresentados na obra, somos levados a pensar que a violência humana é inata[5] e que violência gera violência: a idosa cega tenta bater no cão e o neto dá-lhe dois murros nas costas e diz que foi o cão; as crianças da escola agridem verbalmente Hinnerk, o homem feio com cara de assassino, e nele vai crescendo a vontade de matar
·         Tal como na obra de Arendt, o totalitarismo, em Jerusalém, é considerado uma das origens do mal. O caso mais flagrante decorre no Hospício Georg Rosemberg, o manicómio, após o nascimento do filho de Mylia. A sua gravidez fora considerada um escândalo muito caro pela indeminização paga ao marido, Theodor Busbeck, que se divorcia, ficando Mylia ainda por dois anos no hospício sem proteção exterior. Entregue ao Diretor, ele aciona a antipatia dos funcionários e manda castrar Mylia, numa intervenção cirúrgica desastrada, que tem como consequência uma doença dolorosa e fatal.
·         A guerra e as armas são apresentadas como capazes de transformar o homem em assassino. Hinnerk, o papão das crianças da escola, estivera na guerra e, de arma na mão, escondida no bolso, está pronto a disparar. E a arma e o seu cheiro desencadeiam a violência máxima para a exercer em canibalismo sobre o mais fraco, Kaas, o deficiente motor. A arma tem tal poder que as pacíficas Hanna e Mylia, ao pegarem nela, assumem comportamentos desviantes; e Ernst dispara-a e mata Hinnerk.
·         Dentro do mundo adulto, Busbeck reflete sobre o desemprego como uma das origens do mal e cita o caso de um prisioneiro de um campo de concentração que, à saída do campo, no fim da guerra, defronta com o olhar um carrasco que fora seu colega de escola. Este justifica-se dizendo que estivera cinco anos desempregado e, a partir daí, poderiam fazer dele o que quisessem, desde que lhe dessem um emprego. O horror suspende a atividade útil e torna-se um emprego. A hipótese de que «o bem e o mal têm origem na inatividade e no tédio», leva Busbeck a considerar que o trabalho/atividade poderia ser a solução para «uma atitude moralmente neutra». Acabar-se-ia com os carrascos e com os santos. Sobre os atos bons, Busbeck concluíra que deles não rezava a História - «a santidade, historicamente, não funcionava» [Aqui, pergunto eu, e Mahatma Gandhi e Nelson Mandela?]. Parece-lhe então que os «atos de maldade pura se haviam transformado no verdadeiro motor da história».

A salvação individual pelo outro 

O solitário Ernst surge ao leitor em pleno ato suicidário, interrompido pelo insistente toque do telefone. Atende e reconhece a voz de Mylia em estado de pré-desmaio e, apesar da deficiência motora, Ernst corre para a socorrer. Com poucas forças, tenta pegar nela e acaricia-lhe o rosto. É nesse contexto que lemos os dois versos do salmo proferidos por Mylia:
«Se me esquecer de ti, Jerusalém, / que seque a minha mão direita. § Os dois abraçaram-se».
Hinnerk, pouco tempo depois do assassinato de Kaas, junta-se a Ernest para levantar Mylia. Ao ajudar o casal, sentiu diminuir a agressividade que o levara ao homicídio.
Inundava-o a sensação de alívio de estar a ajudar alguém. Contudo, numa atitude exibicionista, apresentou a arma, como uma criança exibe um brinquedo. A arma destrói a harmonia, passa de mão em mão, e Ernst mata Hinnerk. Sem saber, matava o assassino do seu filho. O casal  desfaz-se com a fuga de Ernst e Mylia a assumir a culpa de arma na mão. E, desse modo, a igreja, antes encerrada, abriu-se para ela entrar.


Hanna - «A única mulher que frequentava a casa de Hinnerk».
Considerava-o o seu noivo, zelava por ele e dava-lhe parte do dinheiro da prostituição, sem que ele pedisse ou agradecesse. Hanna sente crescer em Hinnerk a violência em simultâneo com o medo e preocupa-se, ao ponto de interromper o trabalho para o procurar, na noite fatídica de 29 de maio.

A mão direita de Mylia e o valor da memória

Mylia é apresentada a Busbeck aos dezoito anos, numa consulta psiquiátrica, como esquizofrénica, pelos pais. O desvio da normalidade estaria em ver a alma, e na sua relação com a matéria, pela sensação táctil, centrada na mão direita: «A matéria das coisas era a ocupação dos seus dias». A reflexão sobre a matéria leva-a ao ovo, «material perturbante», símbolo da transformação generosa e altruísta da matéria.
Mylia informou o psiquiatra que acreditava em tudo o que aprendera antes dos seis anos. E acrescentou: «Com seis anos sabia mais histórias da Bíblia que histórias infantis». Importante a valorização da memória. Teria sido na Bíblia que Mylia estruturara o valor da mão direita.
Se a mão direita é para os destros a mão por excelência, religiosamente ela está muito presente no velho e no novo Testamento, como sendo a mão de Deus.
Mylia, sensacionista táctil, valoriza a mão direita, sede principal das sensações tácteis e, simultaneamente, valoriza-a pelo saber bíblico. Seria com ela que tentava partir o vidro, no hospício, revelando o medo de a não sentir. Não bastava que os dedos lá estivessem, ela queria ter a certeza da existência da mão pelo sentir. A importância dada à cena da mão na obra verifica-se pela repetição por duas vezes, e, nas duas, há um louco que troça, dizendo: «Se não sentes a alma parte o vidro com ela». 
Na diegese, a expressão bíblica «Se me esquecer de ti, Jerusalém, / que seque a minha mão direita», na boca de Mylia, surge quando o médico lhe diz «que nada havia a fazer: no máximo ela viveria dois anos. Mais do que isso seria um milagre» - «seria um acontecimento espiritual e não terapêutico». Então, Mylia recordou a teoria do ex-marido: o homem saudável procura Deus. E acreditou em milagre. Nesse contexto murmurou  a frase: «Se eu me esquecer de ti, Georg Rosemberg, que seque a minha mão direita» (p.200).
A substituição de Jerusalém pelo nome do hospício parecia-lhe uma heresia. Porém, a sua história de mulher amante e mãe, com todas as consequências, nomeadamente a doença provocada pela castração, acontecera no Hospício. É saudável que recorde e  lute contra a morte a que a condenaram. Mylia une o material ao espiritual e luta pela vida, ainda que continue a ter dores.
No penúltimo capítulo, ela encontra-se no hospital-prisão, tendo alcançado o milagre da sobrevivência. Surge então a repetição: «Se eu me esquecer de ti, Georg Rosemberg...» (p.247). Claro que era impossível esquecer, a menos que enlouquecesse. E esse era o seu medo, por isso, a luta pela memória.

Terminada a leitura, constata-se que se acabara de ler um romance transcendental dentro da regra das três unidades da tragédia clássica. 
A unidade de tempo cumpre-se: a ação decorre na madrugada de 29 de maio, embora as analepses sejam muitas. 
Cumpre-se a unidade de espaço: uma cidade europeia
Também pode considerar-se cumprida a unidade de ação: Mylia, uma mulher esquizofrénica, vítima de doença incurável, provocada pela castração imposta no hospício, consegue sobreviver sem alienação, isto é, ela vive o presente, mas faz questão de não esquecer o passado. 
A vítima inocente, própria da tragédia clássica, é certamente a criança Kaas, mas também Mylia, castrada no manicómio sem sua autorização consciente.

Braga, 18 de novembro de 2018
Maria José Domingues






[1] A obra lida e citada é Jerusalém, 16ª edição, Caminho, 2015.
[2] O texto da página 141 foi encontrado em Violência e Terror em Hannah Arendt de Danilo Arnaldo Briskievicz, e referenciado na bibliografia: Arendt, Hanna: «A imagem do Inferno», in Compreensão e política e outros ensaios, Lisboa, Relógio D’Água, 2001, p.117.
[3] A escolha do nome é adequada. Tem origem no nome grego Theódoros, composto por théos “deus” e dôron “dom, dádiva”.
[4] É curioso notar que existe uma obra com este título: A violência e a história da desigualdade. Da Idade da Pedra ao Século XXI - Walter Scheidel, 2018,  Edições 70.
[5] «E com nitidez Theodor viu a cara daquela criança adquirir uma satisfação impressionante, viu-o puxar o braço direito o mais atrás possível e dar, nas costas da velha Busbeck, com toda a força que tinha, um violento segundo murro» (p.164).

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

«vazio absoluto» - Miguel Torga

 

Vila Nova, 1 de Novembro de 1935 - Depois de dias como o de hoje tenho a sensação de vazio absoluto. Os amigos têm que fazer. os doentes têm que morrer, os livros parecem múmias, e a noite nem sequer traz sono.

Miguel Torga, Diário I

quarta-feira, 25 de julho de 2018

LUSO e ULISSES - heróis fundadores


Heróis fundadores de mitos de origem em Portugal
Maria José Domingues

Luso – Lusitânia

«Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os íncolas primeiros.»

Luís de Camões, Lusíadas, Canto III, 21

«[...]
Este que vês é Luso, donde a fama
O nosso reino Lusitânia chama.

[...]

O ramo que lhe vês. Pera divisa,
O verde tirso foi, de Baco usado, O qual à nossa idade amostra e avisa
Que foi seu companheiro e filho amado,
[...]»

Luís de Camões, Lusíadas, Canto VIII – 2, 7-8; 4, 1-4.

Ulisses – Lisboa
«[…]
Vês outro, que do Tejo a terra pisa,
Depois de ter tão longo mar arado,
Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Palas, que em memória fica?

«Ulisses é o que faz a santa casa
À Deusa, que lhe dá língua facunda,
Que se lá na Ásia Tróia insigne abrasa,
Cá na Europa Lisboa ingente funda
[…]»

Luís de Camões, Lusíadas, Canto VIII:4, 4-8; 5, 1-4.




Introdução

A ideia da trilogia Deus, Pátria, Rei funcionava em uníssono no século XVI. Preparava-se a junção de uma língua pátria nobilitada e nobilitadora.
A origem divina do poder real é uma das crenças renascentistas e é a essa luz que os portugueses do século XVI olham para a sua história, pois tal perspectiva legitima a sua política expansionista.
D. Manuel, o Venturoso, assumiu uma mitologia pessoal – Emanuel, Salomão, César, Constantino – enquadrada no ambiente eufórico dos descobrimentos, tendo como pano de fundo a história unida à lenda da fundação da nacionalidade, que o levaram à construção cuidada dos túmulos dos primeiros reis na igreja de Santa Cruz de Coimbra e a dar a maior ênfase ao milagre de Ourique.
Outras nações da Europa Ocidental tinham estruturado, há muito, os seus mitos clássicos de origem. Portugal ainda não o tinha feito de uma forma organizada no dealbar do século XVI. Essa foi a tarefa apaixonada de André de Resende, o erudito: ir às fontes buscar os fundamentos mais antigos e organizá-los. Seguiu-o de perto, com espírito crítico, Damião de Góis. Luís de Camões dá-lhes a forma artística, inserindo-os na epopeia, em paralelo com a História de Portugal, fazendo assim a nobilitação da língua portuguesa e do Império português.
O trabalho realizado parte das origens míticas da fundação da Lusitânia e de Lisboa expressas na obra de André de Resende, na de Damião de Góis e termina na obra épica de Luís de Camões. Na epopeia camoniana, faz-se uma leitura em busca da fundamentação da tese de que aí se expandem os referidos mitos com o objetivo de os divulgar.

1. Mitos Fundadores na Europa Ocidental


            Falar de mitos de origem de países ou cidades da Europa é entrar nos poemas homéricos, no dealbar da civilização ocidental. Alguns dos heróis da guerra de Tróia, gregos ou troianos, foram considerados heróis fundadores de cidades ou de países, através de mitos fundacionais,
            Como modelo literário veiculador do mito do herói fundador surge a Eneida, concluída por Virgílio no ano 19 a.C., tendo como herói Eneias, troiano fugido da sua cidade destruída, com o pai às costas, o filho pela mão e transportando os penates. Virgílio privilegiou entre as suas fontes o modelo dos dois poemas homéricos: a primeira parte, livros I a VI, corresponde ao modelo da Odisseia – os errores de Eneias; a segunda parte, livros VII a XII, corresponde à Ilíada – a guerra de Eneias pela posse da Itália. A obra dá forma literária a vários mitos de fundação de cidades, entre eles, o mito da fundação de Roma por Rómulo e Remo, o par jumelar, que o poeta transforma em familiares de Eneias. O poema visa a divinização do poder imperial na figura de Octávio César Augusto e da sua família, gens Julia, que ele considerou descendente de Julo/Ascãnio, o filho de Eneias.
            A partir deste modelo nobilitante de Octávio César Augusto, da sua família, da sua cidade e da sua pátria, os países e as principais cidades forjaram os seus heróis fundadores. Como afirma a Professora Isabel Barros Dias, «Uma história que relata um passado nobre e heróico constitui um forte laço de unidade, de solidariedade, entre os membros do grupo que assume daí descender»[1].
            A França e a Inglaterra, à imagem e semelhança da Itália, forjaram as suas fundações míticas com carácter histórico, adoptando também a linhagem troiana que assume como herói primordial Eneias e a sua descendência.
            Durante a Idade Média, a França produziu narrativas fundacionais com semelhanças e diferenças, no que respeita ao nome do herói fundador e ao período da sua fundação. No séc. VII, foram criadas duas lendas sobre as origens troianas dos francos, seguindo o modelo forjado na Eneida e equiparando-se em nobreza e antiguidade aos romanos.
            O primeiro texto a veicular a lenda é a Historia Francorum, em latim, datada do séc. VII, atribuída a Frédégaire. O seu herói é Francion, filho de Friga, irmão de Eneias, que, depois de abandonar Tróia, funda várias terras, nomeadamente a Alemanha (poderoso reino entre o Reno e o Danúbio) e posteriormente a França (o reino dos Francos), no séc. IV, depois de, pela ferocidade revelada. ter derrotado os Alanos, passando por isso a ser denominado Franco, palavra que significa feroz.     
            O segundo texto, a Gesta Regum Francorum (727), trata das aventuras de Antenor e Príamo, fundadores de Sycambria, no Danúbio e vencedores dos Alanos, ficando por isso na Gália isentos de tributos durante dez anos. Findo o prazo, não quiseram pagar e voltaram para a Alemanha. De acordo com esta lenda, franco significa livre de tributo.
            Nas versões que se seguiram, assumiu-se que o povo Franco resultou da união dos troianos com os gauleses.
            A Inglaterra, motivada pelo desejo de se libertar da vassalagem francesa, promoveu uma ideologia que lhe permitisse demonstrar o seu direito à independência relativamente à realeza franca. É nesse contexto histórico que Geoffrey de Monmouth (1100-1155) escreve a sua Historia Regum Britanniae (1136), em latim, na qual traça a linhagem dos reis anglo-normandos até Brutus, bisneto de Eneias e fundador do reino da Bretanha, cuja etimologia se fundamenta no nome do herói fundador. Já Nénius, no séc. IX, fizera referência às origens troianas dos Bretões[2].
             Assim, os bretões ficaram com o estatuto de descendentes do herói da guerra de Tróia, irmanados com os romanos em nobreza e antiguidade. É evidente que a prosa histórica de base lendária está sujeita a contestação. Foi o que aconteceu à obra referida. Porém, no âmbito literário, o assunto é de grande interesse e é em tal contexto que este trabalho se situa.
            Na Península Ibérica, sentia-se a mesma necessidade de nobilitar o poder e de tecer uma trama lendária capaz de gerar a solidariedade entre os seus membros. Afonso X é mais ambicioso e concebe a história na sua vasta obra – General Hestoria (com pretensão a história universal) – de acordo com a teoria Translatio Imperii et Studii, sucessão dos quatro impérios orientados pelos quatro pontos cardeais:


Sucessão
Pontos cardeais
Impérios
1.º
Oriente
Império da Babilónia, no tempo do rei Nino
2.º
Sul
Império Cartaginês, com a rainha Dido
3.º
Norte
Império da Macedónia, com Alexandre Magno
4.º
Ocidente
1.º - Império Romano, com Júlio César
2.º - Sacro Império Romano-Germânico, com Frederico Barba-Roxa
3º - Império Europeu, sob a liderança de Afonso X – onde se uniriam os dois poderes: o poder e o saber,  supremo objectivo.
É a Estoria de Espanna que se ocupa da sucessão dos povos que dominaram a Península, passando pelos reis Godos cujos herdeiros são os reis da Reconquista, na lógica da Translatio Imperii et Studii e com os mesmos objectivos.

            Segundo esta teoria, o império do poder deslocar-se-ia de Oriente para Ocidente, tal como o Sol, terminando no Ocidente onde ficaria até ao fim do mundo. Afonso X dava por terminada a rota do poder no seu reinado e considerava-se o herdeiro do Império Romano, através de Frederico Barba-Roxa, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, seu bisavô, de cuja coroa se considerava legítimo herdeiro. As duas obras de história fundamentam essa herança como uma predestinação, não faltando mesmo a profecia. Unindo a sua árvore genealógica à de Frederico Barba-Roxa, consegue entroncar no próprio Júpiter, o pai dos deuses, sendo assim parente de todos os deuses e de todos os semi-deuses – os heróis gregos e troianos. Ao semi-deus Hércules é dado um grande destaque, como o primeiro unificador da Espanha. Após ter enfrentado e vencido Gedion, no seu décimo trabalho árduo, Hércules percorre as Espanhas fundando e nomeando regiões e terras Hércules deixara a governar a Península na sua ausência, Espano, de onde derivaria a denominação daquela região – Espanha. Também um seu filho, Thelepho, casado com a irmã de Príamo, último rei troiano, nobilita a história dos reis godos, incorporando-a como um grande rei[3].
            Conclui-se que a Espanha pela nobilitação mitológica pretendeu ultrapassar os mitos fundadores existentes noutros países e fê-lo com mestria artística, em textos históricos de grande envergadura, ao serviço do projecto politico-cultural de Afonso X: uma Península Ibérica unida e cabeça de um império que congregaria a cristandade no seu combate contra os muçulmanos.

2. O mito fundador da Lusitânia


            Nos capítulos da Crónica Geral de Espanha de 1344, dedicados a Hércules e às suas façanhas na Espanha, em torno de Gedeon, encontram-se referências míticas à Lusitânia. Após a morte de Gedeon, na Galiza, na cidade da Corunha, o herói descansou na região do rio «Augua de Dyana» (Guadiana) dedicando-se à agricultura, à pecuária e à caça, enquanto povoava e fundava cidades. E fez sacrifícios a Diana em agradecimento pelo seu sucesso e alegria «por que vencera Gedeon e cobrara toda a terra de que ele era senhor»[4]. Fundou aí a cidade de «Badalhouce». «E, por aqueles jogos e trebelhos que ele aly fez, dizen que pos nome aa terra Lusitanya que quer tanto dizer em nossa linguagen como jogos de Dyana».[5] E continua no capítulo VIII: «Despois que se Hércules partyo de terra de Lusytanya, onde fezera seus jogos e grandes prazeres segundo o que já havedes ouvido, foy andar per as partes d’Espanha contra ho ouriente.»[6].
            Não foi essa a lenda explorada, para a origem da Lusitânia. André de Resende, no século XVI, na sua obra De Antiquitatibus Lusitaniae, preferiu encontrar para o topónimo a designação de terra de Luso, filho do deus Baco, com base numa citação de Varrão feita por Plínio: «Lusum enim Liberi patris ac Lysam cum eo bacchantem nomen dedisse Lusitaniae». Palavras que Resende comenta deste modo, na tradução de Costa Ramalho: «Luso, filho de Liber Pater e não seu companheiro, como alguns, contra o bom uso da linguagem, interpretam, juntamente com Lisa, certamente companheiro de Liber (ou Baco), deram o nome à nossa Lusitânia.»[7]
            Camões assume, na sua epopeia em língua portuguesa, o mito fundador da Lusitânia, tal como André de Resende tinha formulado na sua obra em latim, fazendo dele um dos eixos estruturantes do poema. No Canto III, elege como personagem narradora o protagonista, Vasco da Gama, que vai contar a História de Portugal ao Rei de Melinde, a seu pedido. Depois de apresentar a Europa, apresenta a sua pátria e emoldura-a na estrofe XXI, sintetizadora do mito lusitano e acrescenta-lhe o filho autóctone mitificado – Viriato.

XX
«Eis aqui, quasi cume da cabeça
De Europa toda, o reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
[…]»                          
XXI
«Esta é a ditosa pátria minha amada,
À qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os íncolas primeiros.
XXII
Desta o Pastor nasceu, que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve,
Cuja fama ninguém virá que dome.
[…]»
     Canto III, 20, 1-4; 21; 22, 1-4
   

            A interpretação de Camões da citação clássica de Varrão através de Plínio pode ser comparada à de André de Resende, a partir do seguinte quadro:






Citação de Varrão feita por Plínio, Historia Naturalis, II, 1, 8.
André de Resende, na sua obra De Antiquitatibus Lusitaniae, na tradução de Costa Ramalho:

Camões,Canto III, 21

«Lusum enim Liberi patris ac Lysam cum eo bacchantem nomen dedisse Lusitaniae.»
. «Luso, filho de Liber Pater e não seu companheiro, como alguns, contra o bom uso da linguagem, interpretam, juntamente com Lisa, certamente companheiro de Liber (ou Baco), deram o nome à nossa Lusitânia.

«Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os íncolas primeiros.»

            Veja-se o cuidado do poeta na interpretação do texto latino com a introdução da forma verbal «parece», traduzindo assim a ambiguidade do texto latino. Ao contrário, André de Resende terçou armas pela filiação de Luso em Liber/Baco.
           
            É ainda André de Resende que cria o nome Lysíades, no Cármen eruditum et elegans Angeli Andreae Sesendii Lisitani, adversus stolidos politioris litteraturae oblatratores, mais conhecido por Erasmi Encomium, publicado em 1531, em Basileia, por iniciativa de Erasmo:

«Inclyte Erasme,
non tibi Lusiadae infensi.
Te noster adorat
[…]»[8].

            E o Professor Costa Ramalho chama a atenção para o paralelismo existente entre a designação dada por Lucrécio aos Romanos, Aeneades,ae, e a palavra usada por Resende, Lusiades, ae, para designar os portugueses como descendentes de Luso[9].
           
            É a essa palavra e à respectiva etimologia que Luís de Camões vai buscar o título Lusíadas, para o seu poema épico, e a inspiração, para criar o oponente mítico ao sucesso da viagem marítima portuguesa desvendadora do caminho marítimo para a Índia: o deus Baco, ciumento dos portugueses, descendentes de seu filho Luso. O conflito intergeracional familiar emerge da epopeia, assim como o direito de herança dos descendentes, isto é, dos LUSIADES/Lusitanos que teriam direito mítico-legal a herdar terras da Índia, terra de Baco, como descendentes de Luso.


3. Ulisses e o mito fundacional de Lisboa


            Falar de Ulisses é entrar nos poemas homéricos, no dealbar da civilização ocidental.
            Ulisses, o herói da Odisseia, chamado Odisseu nessa obra, é designado pelos seguintes epítetos específicos: «o dos mil artifícios» ou «o que muito sofreu», de acordo com a situação em que se encontra. Os epítetos distintivos de cada herói remontam à época micénica, de cuja tradição derivam.[10] A Odisseia abre com a palavra grega que significa homem e só vinte versos adiante o identifica como homem que muito sofreu e aprendeu com os mais variados povos – Ulisses.
            Inserida no ciclo troiano, a Odisseia é, fundamentalmente, um poema de regresso, cujo alvo é a paz, e a tónica dominante a nostalgia da paz. Como tal, opõe-se à Ilíada, o poema da guerra de Tróia e da glorificação do ideal heróico, em que Ulisses também é personagem – o rei de Ítaca, participante na guerra de Tróia, homem dos mil artifícios, que proporciona, através do ardil do seu cavalo de madeira, a vitória grega.    
            É no confuso itinerário dos errores de Ulisses, na viagem de regresso de Tróia para Ítaca, que poderá encontrar-se a explicação pouco plausível da ligação à fundação de Lisboa.

            «Musa, fala-me do herói dos mil estratagemas, que tanto errou depois de a sua astúcia ter feito saquear a acrópole de Troiade, que visitou as cidades e conheceu os costumes de tantos homens! Quão grandes tormentos o seu coração padeceu por sobre o mar, quando ele lutava pela sua vida e pelo regresso dos seus companheiros! Mas não conseguiu salvá-los apesar do seu desejo: o desvario deles perdeu-os, insensatos que devoraram os bois de Hélios Hipérion. […]»[11].

            Com estas palavras abre o poema homérico, Odisseia. Homero situa-se no campo estritamente poético e por isso invoca a Musa para que ela lhe fale do herói, que se ergue perante o destinatário (ouvinte ou leitor) pelas suas características e pelas suas acções e só vinte versos depois é identificado como sendo Ulisses.
            A errância do herói ligada à visita das cidades e ao conhecimento dos homens gerou um herói fundador de cidades que protagoniza algumas lendas fundacionais.

2.1.O núcleo lendário

2.1.1. Ulisses na Ibéria

            O gérmen da lenda de Ulisses fundador de Lisboa é datado dos finais do séc. I a.C., início da época imperial romana, quando Estrabão escreve a sua Geografia e atribui aos poemas homéricos o valor de «Bíblia Helénica»[12]. A partir dessa asserção, o Geógrafo grego passa da criação poética de Homero para o domínio histórico, dando origem à lenda.
            De grande interesse para compreender a construção mítica, será reflectir sobre a situação do grego Estrabão, vivendo a queda da Grécia, absorvida pela esplendorosa Roma. Ele sentiu certamente a necessidade de exaltar Homero e os seus poemas, transformando-os em realidade histórica e valorizando o contributo civilizacional da sua pátria, espalhada pelo mundo.
            Segundo ele, a Ibéria e os seus povos teriam sido visitados pelos heróis regressados de Tróia, por Hércules e pelos fenícios, os quais teriam sido as fontes de informação de Homero – poeta situado cronologicamente antes das grandes migrações gregas do séc. VI e consequentes fundações de inúmeras cidades desde a Ásia Menor até à Gália.
            Estrabão inicia o mito nos seguintes termos:
«E parece-me que a expedição de Ulisses, que para a Ibéria tinha sido feita, e da qual nas suas pesquisas Homero tinha tido conhecimento […]».[13]

            E acrescenta, depois de ter comparado o texto homérico referente à Itália e à Sicília:

«Na Ibéria também se encontram a cidade de Odisseia e o templo de Atena e milhares de outros vestígios não só dos errores de Ulisses […]»[14].

            Estrabão continua na linha de pensamento crítico dos comentadores helenísticos, como Asclepíades, citado pelo referido geógrafo, que viam Odisseia, a cidade de Ulisses, numa região montanhosa, na zona da Andaluzia, entre Sevilha e Granada, na Serra Nevada, onde existiria também o templo de Atena, a deusa protectora do herói, com exposição de despojos, trazidos por Ulisses.
            Estrabão faz, pois, eco da historiografia alexandrina e admite que as viagens do herói se tivessem passado «já fora das colunas de Héracles (Gibraltar), já no Oceano Atlântico».
            Lisboa, no entanto, também era distintamente conhecida por Estrabão, embora este nunca tivesse estado na Ibéria, chamando-lhe Olysipon (sem ligar a palavra a Ulisses), colocando-a na embocadura do Tejo, que descreve com algum pormenor.
            Ulisses na Ibéria foi uma convicção que perdurou, depois de ser conhecida a obra de Estrabão.

2.1.2. Ulisses fundador de Lisboa

      Caio Júlio Solino, na sua obra Colectânea de Factos Memoráveis, na esteira da descrição geográfica de Plínio, ao referir-se ao Promontório Ártabro, que alguns chamam de Olissoponense, situado entre o Oceano Atlântico e o Mar Gálico, afirma:
            «Ibi oppidum Olisipone Vlixi conditum: ibi Tagus flumen».[15]
            Terá sido na afirmação de Solino que Marciano Capela e S. Isidoro de Sevilha se basearam para dar continuidade à germinação lendária.            
      No séc.IV, Marciano Capela, via Solino, nas Núpcias de Mercúrio e de Filologia, livro que vai ser um dos fundamentos da erudição medieval, ao compilar notícias cosmográficas sobre a Lusitânia, cujo nome diz derivar de Luso filho de Baco, e sobre o Tejo, diz :
«Olisipone illic oppidum ab Vlixe conditum ferunt, ex cuius nomine promuntorium, quod maria terrasque distinguit»[16].
            S. Isidoro de Sevilha, ao ocupar-se da etimologia de Olisipone também diz que «foi fundada e denominada por Ulisses».[17]

            Em 1147, o cruzado inglês Osberno escreveu uma carta sobre a conquista de Lisboa, na qual participara directamente. Na descrição da cidade escreve: «Está edificada sobre o monte Ártabro […] Terminando ali o oceano Atlântico e o Ocidente. Diz-se, por isso, que Lisboa é uma cidade fundada por Ulisses»[18].
            Também o cruzado inglês Arnulfo, no mesmo contexto, descreve Lisboa, citando genericamente fontes muçulmanas, conhecedoras dos geógrafos gregos e latinos: «Esta cidade, conforme contam os historiadores sarracenos, foi edificada por Ulisses depois da destruição de Tróia e construída sobre um monte […]». A Lisboa chama Ulyxisbona, palavra formada a partir do genitivo de Ulyxis[19].
            Poder-se-á concluir pelo testemunho dos cruzados ingleses que a lenda fundacional da cidade de Lisboa, no século XII, estava activa na oralidade («Diz-se»)  e na escrita («contam os historiadores sarracenos»), e era tomada como uma realidade.
            A lenda estava a funcionar em dois vectores: o histórico e o etimológico. Este último fora confirmado pela autoridade de S. Isidoro de Sevilha.
           

Primeira expansão do núcleo lendário

            Na Crónica Geral de Espanha de 1344, no meio das aventuras de Hércules, este herói parte de Sevilha por mar e chega a Lisboa. Escreve-se então na Crónica: «E dizem alguns que este lugar foy pobrado despois que Troya foy destroyda a segunda vez e que a começou a pobrar um neto de Ulixes que havya este mesmo nome de Ulixes como o avoo; e que este morreo antes que ela fosse acabada de pobrar e que mandou a huma sua filha que avya nome Boa que a acabasse; e que ela a acabou e, que despois que foi acabada, que ajuntou huma parte do nome do seu padre ao seu e poslhe nome Lixboa»[20].
            Contudo, na versão castelhana da Crónica, está presente, em texto do século XII, a intriga amorosa, contando como Ulisses foi retirado dos braços de Circe por uma carta de Penélope, tendo como subtexto a carta de Ovídio, «Penélope a Ulisses»[21], que abre a obra Heroides. Ele parte para Ítaca, mas ventos contrários levam-no a Lisboa, onde funda a cidade: «E por que le semejo aaquel lugar mejor que los que el fasta ally havia fallados, tomo deste su nombre Ulixes y este outro Bona, y ayuntando-los y fiso dende uno y pusole aquela cibdadd que fasie y llabola Ulixbonna».[22]
            Assiste-se nos textos citados à expansão do núcleo lendário, através da criação de uma pequena história explicativa da formação da palavra Lixboa, de modo a racionalizar o mito com base na etimologia explicativa, tornando-a perceptível a todos[23].
            A lenda estava viva e fundamentava-se, nos seus dois vectores (narrativo e etimológico), em meados do século XIV.

            Ulisses no Cancioneiro de Garcia de Resende

            Garcia de Resende (1470? -1536) publica o seu Cancioneiro Geral em 1516. É uma vasta compilação poética de composições de poetas portugueses desde a segunda metade do século XV, a mais antiga é de 1449. Insere-se o Cancioneiro na política de exaltação nacional que caracteriza o reinado de D. Manuel, o Venturoso, sem esquecer que no país vizinho se publicara em 1511 o Cancionero General de Hernando del Castillo.
            A influência clássica de Ovídeo está presente na obra, nomeadamente a sua carta a Penélope, com que abre a Heroides, a que já se fez referência.
            O mito do herói da Odisseia, ligado à partida e ao regresso, estruturado pelo amor fiel de Penélope, que em Ítaca o espera, tecendo, enquanto pensa na guerra de Tróia e nas suas consequências, aparece no Cancioneiro, no poema de Juan Roiz de Sá e Meneses, «Epístola de Penélope a Ulisses, tresladada de latim em linguagem»[24] e no poema «Resposta de Ulisses a Penélope tirada do Sabino de latim em linguagem» por João Roiz de Lucena[25], via Aulo Sabino, poeta latino do século de Augusto, autor das respostas às Heroídes de Ovídio.[26]
            De uma forma alusiva, o nome do herói unido a alguma das suas características, perpassa pela colectânea. É o caso do poema «Da caça que se caça em Portugal» de Diogo Velho da Chancelaria, de 1516, elogiando as Descobertas na expressão alegórica da caçada (com o que isso representa de viagem e aventura com o sucesso aliado à conquista e aos despojos) que ultrapassa a «caçada» e a viagem de todos os heróis, nomeadamente a de «Ulisses caminheiro».
            É certamente a permanência da importância de Ulisses na memória culta nacional que explica a presença do herói no Cancioneiro Geral. Contudo, a temática de Ulisses herói fundador de Lisboa não está tratada na colectânea.

Gil Vicente e a fundação da Lusitânia e de Lisboa

            No Auto da Lusitânia, com primeira representação em 1532,[27] Gil Vicente apresenta uma história que explica a fundação da Lusitânia e de Lisboa, não tendo qualquer ponto comum com os mitos clássicos de origem, muito embora o varão fecundador venha da Grécia. Poderá isso significar que corriam várias lendas populares explicativas da fundação?
Nessa farsa, conta-se que havia três mil anos existia uma ninfa chamada Lisibea que vivia numa barroca da serra de Sintra. O Sol foi seduzido pela sua beleza e conceberam uma filha chamada Lusitânia. Da Grécia vem um famoso caçador de nome Portugal que se apaixona por Lusitânia. Lisibea, a mãe, também se apaixona por ele e teve muitos ciúmes da filha e, por isso, morreu. No local onde foi enterrada edificou-se Lisboa. [28]
Essa oposição da mãe Lisibea, ciumenta da filha Lusitânia, em Auto da Lusitânia, talvez pudesse ter sido inspiração para Camões criar a oposição ciumenta do pai Baco para com Luso e a sua descendência, instigada pelo ciúme no momento em que os Lusíades/Lusitanos tentam chegar aos domínios do pai Baco – a Índia. Teríamos assim uma justificação mítica para a trama histórica da descoberta do caminho marítimo para a Índia.

4. Luís de Camões – a amplificação e a divulgação dos mitos fundadores da Lusitânia e de Lisboa em Os Lusíadas

            No dealbar do século XVI, os portugueses tinham, de facto, conseguido atingir o impossível: a Índia, através dos oceanos Atlântico e Índico. Só na mitologia se tinha imaginado tal proeza. Por tudo isso, Camões vai cantar o «peito ilustre lusitano», numa epopeia que eleva os protagonistas nacionais acima dos heróis mitológicos, pois os Lusitanos tinham conseguido ultrapassá-los no mundo real com façanhas reais. Luís de Camões, possuidor de uma vasta cultura e erudição clássicas e contemporâneas, dotado de um grande talento poético e simultaneamente experienciador do mundo novo, estava apto para competir com Virgílio na criação de uma epopeia nacional.
            Tal como Virgílio, Camões faz a síntese dos mitos fundadores clássicos e tradicionais. O mito fundador da Lusitânia por Luso é um dos geradores da trama narrativa. O mito fundador de Lisboa por Ulisses inscreve-se na nobilitação da cidade, fulcro da Lusitânia – Lisboa, cidade de onde partem marinheiros, quais Ulisses, para as quatro partes do mundo, sempre desejosos da partida, da aventura e do regresso. Damião de Góis já fizera antes o encómio da cidade e não esquecera o seu fundador mítico. Para além de aparecer no poema como fundador de Lisboa, Ulisses surge com alguma frequência como herói da Odisseia e, muito raramente, como personagem da Íliada.
            Obviamente conhecedor das obras de André de Resende e de Damião de Góis, Camões dá novo incremento e divulgação aos heróis fundadores e às suas histórias míticas, em português, no poema épico nacional, Os Lusíadas, valorizando a Lusitânia e Lisboa, recorrendo à fórmula clássica veiculada pela Eneida, e criando assim uma obra de arte literária que nobilita o Império português. 
           
            A leitura de Os Lusíadas que se apresenta foi feita em busca da comprovação da tese: Camões, em Os Lusíadas, faz a divulgação e a “amplificatio” dos mitos de origem da Lusitânia e de Lisboa, na senda de André de Resende.
            Prestou-se assim particular atenção a tudo o que a estes vectores respeitava. Pensou-se separar os dois mitos, mas eles surgem, por vezes, tão intrincados, que tal obrigaria à repetição de estrofes. Optou-se por se apresentar uma leitura do poema, focando especialmente as partes que se referem aos mitos indicados.


Uma leitura de Os Lusíadas – o canto do peito ilustre lusitano

            Os poemas homéricos são uma referência cultural no poema. Homero aparece logo no Canto I, 12, 3-4, na formulação do desejo do poeta de possuir o talento homérico para cantar as proezas dos heróis portugueses: «[…] que de Homero / a cítara par’eles só cobiço;»[29]. O valor do advérbio de exclusão «só» permite constatar que não falta mais nada: o material (heróis e façanhas) existe, faltava quem o cantasse. Camões vai preencher esse vazio, qual Homero com a sua cítara. A necessidade de perpetuar a glória portuguesa das descobertas é um objectivo expresso pelos escritores dessa época e realizado com sucesso por Camões na sua epopeia.

            Antes, porém, na proposição, Camões manda cessar o canto das grandes navegações empreendidas por Ulisses (Odisseia) e por Eneias (Eneida), para que se ouça o canto do peito ilustre lusitano, valor mais alto:

III
«Cessem do sábio grego e do troiano
As navegações grandes que fizeram
[…]
Que eu canto o peito ilustre lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta
    Canto I

            Os portugueses, vistos como os valorosos descendentes de Luso, tal como André de Resende defendera, são as personagens do poema e o tema de abertura do discurso de Júpiter no Consílio dos deuses, pois é para decidir do seu fado que estão os deuses reunidos:

XXIV
«- Eternos moradores do luzente,
 Estelífero Pólo e claro Assento:
 Se do grande valor da forte gente
 De Luso não perdeis o pensamento,
Deveis de ter sabido claramente
Como é dos Fados grandes certo intento,
Que por ela se esqueçam os humanos
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.»
  Canto I

            Durante o consílio dos deuses, perfilam-se os adjuvantes – Vénus e Marte – e o oponente à missão dos portugueses – Baco, pai ou companheiro de Luso, que justifica a sua oposição pelo receio de perder a fama no Oriente (ele que levara até ao Ganges as suas conquistas), se os portugueses lá chegassem.
            É na fala de Marte que o poeta coloca a proveniência dos portugueses/lusitanos, na sua reacção de espanto pela oposição de Baco: «Bem fora que aqui Baco os sustentasse / pois que de Luso vêm, seu tão privado» (I, 39, 3-4). Repare-se na estratégia narrativa usada para introduzir o mito que nobilita o Império: se os portugueses são os lusitanos, se estes «vêm» de Baco, se Baco é um deus greco-romano filho de Júpiter, então os portugueses também «vêm» de Júpiter. Desta forma, Portugal no plano mítico situa-se ao nível da Espanha e acima da França e da Inglaterra.
            Contudo, verifique-se o cuidado do poeta em não referir a filiação defendida por Resende, mas apenas a amizade íntima, através da expressão «seu tão privado».

            No decurso do poema, os portugueses geralmente são tratados por: «lusitana gente» (I, 30,8), «gentes lusitanas» (I, 48, 2), «os fortes Lusitanos» (I, 50, 5), «a gente marítima de Luso» (I,62,1), «os de Luso» (II,17, 6). Deste modo ficava consagrada a designação, explicada por Resende, ao nível da narrativa clássica e da etimologia.
           
            Preocupada com os Lusitanos, sofredores das perfídias da inveja de Baco, Vénus vai ao Olimpo interceder por eles a Júpiter, numa bela cena de sedução.
            Júpiter sossega-a, dizendo-lhe:
  
            XLIV
            «- Fermosa filha minha, não temais,
            Perigo algum nos vossos Lusitanos,
            […]
            Que eu vos prometo, filha, que vejais
            Esquecerem-se Gregos e Romanos
            Pelos ilustres feitos que esta gente
            Há-de fazer na parte do Oriente.

XLV
            «Que, se o facundo Ulisses escapou
            De ser na Ogígia ilha eterno escravo,
            […]
            E se o poderoso Eneias navegou
            De Cila e de Caríbdis o mar bravo,
            Os vossos, mores cousas atentando,
            Novos mundos ao mundo irão mostrando.»
               Canto II

            Pela voz do deus supremo se declara que os feitos dos Portugueses no Oriente irão dar «novos mundos ao mundo», o que os coloca acima de Ulisses e de Eneias, os paradigmas heróicos Grego e Romano, respectivamente.
            O discurso do pai dos deuses confirma a protecção de Vénus aos Lusitanos, através do possessivo «vossos». Baco deveria assumir o papel de protector natural, como insinuara Marte, mas uma vez que passa a oponente, é necessário alguém que proteja os lusitanos e Camões escolhe a deusa Vénus, ela que fora a progenitora e protectora de Eneias.
            Segue-se a profecia de Júpiter sobre o futuro português no Oriente, estratégia narrativa aproveitada pelo poeta para contar a História.
            E os portugueses chegam a Melinde: presente de Júpiter a Lusitano. Assim é nomeado Vasco da Gama por Mercúrio, em visão onírica: «Fuge, fuge, Lusitano,»[30].

            Em Melinde, no primeiro encontro com o Rei, Vasco da Gama discursa e apela a uma hospitalidade semelhante àquela que Ulisses recebera de Alcinoo, o rei dos Feaces (Odisseia Cantos VI a VIII):


«- Mas tu, em quem mui certo confiamos
achar-se mais verdade, ó Rei benino,
E aquela certa ajuda em ti esperamos
Que teve o perdido Ítaco em Alcino,
[…]»
Canto II, 82, 1-4

Canto III – o canto da fundação

            No Canto III, Camões invoca Calíope e pede-lhe inspiração, para que o seu canto histórico esteja de acordo com o merecimento da «gente Lusitana». Elege Vasco da Gama para narrador da História de Portugal, num discurso que tem como principal destinatário o Rei de Melinde. E tal como na terra dos Feaces Ulisses conta os seus errores ao rei Alcinoo, Vasco da Gama conta a História de Portugal e a sua viagem ao rei, em Melinde, na nau capitaina. Neste contexto, Vasco da Gama está em situação paralela a Ulisses, com a vantagem de referir situações incrustadas na realidade. Faz-se sentir no poema a presença deste paralelismo, nomeadamente pelo recurso à palavra «facundo» que é aplicada a Ulisses, mas também a Vasco da Gama no final do seu discurso.
            Este canto, do ponto de vista dos heróis fundadores da Lusitânia, de Portugal e de Lisboa é o mais importante. Por ele desfilam os mitos clássicos e os tradicionais, aliados à História.

            Depois de apresentar a Europa, o poeta emoldura a sua pátria nesta estrofe sintetizadora do mito fundador da Lusitânia:

XX
«Eis aqui, quasi cume da cabeça
De Europa toda, o reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
[…]»                           
XXI
«Esta é a ditosa pátria minha amada,
À qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os íncolas primeiros.
Canto III, 20, 1 – 4; 21


            Recorde-se a interpretação de Resende e a de Camões comparadas com a citação clássica, para concluir que Camões não só conhecia a citação clássica como a passagem da obra de André Resende. E reafirme-se, em contexto, o cuidado do poeta na interpretação do texto latino com a introdução da forma verbal «parece», traduzindo assim a ambiguidade do texto latino. Ao contrário de André de Resende que defendeu a filiação de Luso em Liber / Baco. Só no início do canto oitavo, Camões·assumirá essa filiação.         
            À estrofe 21 liga-se a estrofe 22 com o primeiro lusitano historicamente digno de destaque. Viriato surge no primeiro verso, nascido da Lusitânia, apresentado como o homem (vir), cuja fama nem Roma domará. Ele ressurgirá na galeria dos retratos dos heróis portugueses, no canto oitavo. Os primeiros líderes dos lusitanos, nomeadamente Viriato e Sertório, foram tratados por André de Resende e merecem referência especial no poema.
XXII
Desta o Pastor nasceu que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve,
Cuja fama ninguém virá que dome,
Pois a grande de Roma não se atreve.
Esta, o velho que os próprios filhos come,
Por decreto do Céu, ligeiro e leve,
Veio a fazer no mundo tanta parte,
Criando-a Reino ilustre; e foi desta arte:»

           
            Após a apresentação da fundação da Lusitânia no plano mitológico, passa-se para o plano histórico com Viriato, o vencedor dos Romanos, cuja força está patente no próprio nome pela ligação a uma falsa proveniência etimológica do étimo vir, que estaria relacionado com “vis”, força.

            Depois de apresentar a Lusitânia, Vasco da Gama vai contar a sua História. Começa pela reconquista cristã com Afonso VI de Castela e nela se insere a vinda do conde D. Henrique, filho segundo do rei da Hungria como «dizem», vitorioso nas guerras contra os mouros, e por isso agraciado pelo rei:

a) com Portugal
            É na estrofe 25, deste Canto III, que pela primeira vez surge o nome de Portugal: «Portugal houve em sorte, que no mundo / Então não era ilustre nem prezado;». Aparece o nome de Portugal sem brilho nem glória em oposição à Lusitânia, que surgira esplendorosa aos olhos dos leitores.

b) com sua filha, D. Teresa, como esposa.

c) Deus agraciou-o também:
«Deu-lhe o supremo Deus, em tempo breve,
Um filho que ilustrasse o nome ufano
Do belicoso Reino lusitano.»
C.III, 26, 6-8.

            O filho ilustrador «do belicoso Reino lusitano» surge órfão e espoliado, na batalha contra-natura com sua mãe – excedendo Medeia, por «incontinência má, cobiça feia»[31] – com o nome de Lusitano, «a quem nenhum trabalho agrava ou pesa.»[32]
            Na cronologia histórica é o primeiro a ser designado por Lusitano; no decurso do poema é o segundo, já que Vasco da Gama é o primeiro a ser chamado assim por Mercúrio.
            A primeira lenda tradicional ligada à figura de D. Afonso Henriques, a lenda épica, como lhe chama Lindley Cintra,[33]  é contada com grande destaque, nas estrofes 29 a 34, e continuada, com todos os ingredientes lendários no desfecho da maldição materna: o desastre de Badajoz, estrofes 68 a 74. Essa última estrofe talvez possa ser considerada a reconciliação com Deus e com a cidade do primeiro Rei de Portugal, depois de ter expurgado o seu crime:

LXXIV
«Tornado o rei sublime, finalmente,
Do divino juízo castigado,
Depois que em Santarém, soberbamente,
Em vão dos Sarracenos foi cercado,
E depois que do mártir Vicente
O santíssimo corpo venerado,
Do Sacro promontório conhecido,
À cidade Ulisseia foi trazido;»

            Depois do desastre de Badajoz, castigo divino (estrofe 69), o rei pratica duas acções em prol da fé e da glória da cidade: a conquista de Santarém e a trasladação do corpo de S. Vicente do promontório onde fora achado, para Lisboa. Estava purificado aos olhos de Deus e de Ulisses, o fundador da cidade.
            A cidade de Ulisses apela aos valores do herói grego e um deles é sem dúvida o amor e a fidelidade à família, nomeadamente a sua mãe, Anticleia, que morre de saudade pela ausência prolongada do seu filho Ulisses com quem fala no reino dos mortos – capítulo XI da Odisseia.

            Na preparação para a famosa batalha de Ourique, a segunda lenda nacional, de pendor religioso, «o Príncipe D. Afonso aparelhava o lusitano exército ditoso»[34] que havia de o proclamar Rei de Portugal, na apoteótica estrofe 46, já por gente portuguesa:
«[…] - Real, real, / Por Afonso, alto Rei de Portugal».
            Pensar-se-ia que a partir daí o termo “lusitano” fosse substituído por “português”, mas assim não acontece. Na estrofe 53, proclama-se o vencedor da batalha: «Já fica vencedor o Lusitano».[35] Palavra que tanto pode referir-se a D. Afonso, como, por sinédoque, ao exército lusitano. Segue-se a sequente modificação do escudo, nas estrofes 53 e 54.
            Nas duas lendas tradicionais contadas no poema, sente-se a influência da Crónica de D. Afonso Henriques da autoria de Duarte Galvão, datada de 1505.
           
            A apresentação da cidade de Lisboa ao rei de Melinde, nas estrofes 57 e 58, na narração histórica do seu cerco, tem como pano de fundo a figura de Ulisses, seu fundador mítico. Recorda Vasco da Gama a conquista de Lisboa aos mouros, com a ajuda dos cruzados do Norte da Europa.

LVII
«E tu, nobre Lisboa, que no mundo
Facilmente das outras és princesa,
Que edificada foste do facundo,
Por cujo engano foi Dardânia acesa;
Tu, a quem obedece o mar profundo,
Obedeceste à força portuguesa,
Ajudada também da forte armada
Que das boreais partes foi mandada.»
LVIII
«[…]
Muitos com tenção santa eram partidos,
Entrando a boca já do Tejo ameno,
Co’o arraial do grande Afonso unidos,
Cuja alta fama então subia aos céus,
Foi posto cerco aos muros Ulisseus.»


            A personificação da cidade, tratada como interlocutor, com direito ao vocativo enobrecedor, num discurso narrativo, dá-lhe vida e um ar leve e airoso.
            Nas estrofes citadas verifica-se o recurso ao mito pagão - «Que edificada foste do facundo, / Por cujo engano foi Dardânia acesa;», «Foi posto cerco aos muros Ulisseus.» - unido à temática da reconquista cristã - «Muitos com tenção santa eram partidos,» - e nelas coabitando harmoniosamente.      

            A vitória sobre Miralmomini, a sua morte e a fuga dos restantes mouros – «logo todo o restante se partiu / De Lusitânia […] – antecedem a morte de D. Afonso I, na estrofe 83.
           
            A palavra Lusitânia só volta a ser referida na sua libertação, com a reconquista do Algarve por D. Afonso III, momento extraordinário da História portuguesa: terminara a reconquista e estabelecera-se a fronteira nacional, confinada com o Atlântico. Talvez por isso, o poeta refira Luso e o una à terra que lhes coube em sorte.
            Verifica-se a mudança operada pelo deus Marte que deixa de querer bem aos Mouros e se bandeira pelos lusitanos, ajudando-os à vitória.


XCV
«Da terra dos Algarves, que lhe fora
Em casamento dada, grande parte
Recupera co braço, e deita fora
O Mouro, mal querido já de Marte.
Este de todo fez livre e senhora
Lusitânia, com força e bélica arte,
E acabou de oprimir a nação forte
Na terra que aos de Luso coube em sorte.»
           
            Nas estrofes dedicadas ao rei D. Afonso IV, aparece a referência às forças lusitanas, estrofe 99, no momento em que Portugal vai ajudar Castela contra os Mouros, na batalha do Salado: «Porque não é das forças lusitanas/ Temer poder maior, por mais pequeno».
            O rei de Castela manda como embaixatriz a «fermosíssima Maria»[36], pedir ajuda «ao forte lusitano»[37], seu pai, que lha concedeu com grande valor guerreiro - « «Com esforço tamanho estrui e mata / O Luso ao Granadil, que em pouco espaço / Totalmente o poder lhe desbarata.»[38]
            Acrescenta-se à plêiade dos nomeados «Lusitano» – Vasco da Gama e D. Afonso Henriques – D. Afonso IV. Todavia, só ele (ou o seu exército) é designado pelo nome do herói fundador – o Luso.

Canto IV – o canto da Pátria

            Este Canto prefere a palavra «Pátria» e «Portugueses» a «Lusitânia» e «Lusos», talvez porque, com D. João I, se tenha formado a ideia de pertença a um país, pelo qual se lutava, numa opção por um filho bastardo contra a filha legítima, por uma questão maior: a independência nacional. Foi preciso fazer opções patrióticas. Se o povo e a burguesia não tinham dúvidas, a nobreza estava dividida. Fernão Lopes vai consagrar Portugal na sua Crónica de D. João I, obra certamente bem conhecida do poeta.

            Ressurge a Lusitânia em guerra com Castela, invasora a pedido da rainha D. Leonor, qual D. Teresa: «Por isso Lianor, que o sentimento / Do morto conde ao mundo descobriu, / Fez contra Lusitânia vir Castela, / dizendo ser sua filha herdeira dela.» - estrofe 6, 5-8.
            E com Joane prefere-se os «Portugueses» e a «Pátria», renegada pelos temerosos e desleais, na estrofe 13, e defendida com Joane já tomado como rei por D. Nuno Álvares Pereira, no seu discurso, estrofes 15 a 19.
            Na estrofe 24, verso 6, volta a ser referida a palavra “Lusitanos”, no contexto da Ala dos Namorados - «Que a ala direita tem dos Lusitanos,» , o mesmo acontecendo na apresentação da “ínclita geração”

L
«[…]
Mas para defensão dos Lusitanos
Deixou, quem o levou, quem governasse
E aumentasse a terra mais que dantes:
Ínclita geração, altos infantes.»


Canto V – o Canto da navegação

            O narrador Vasco da Gama conta a sua viagem de Lisboa até Melinde. A Odisseia é apenas uma escassa referência até à estrofe 86. Só na estrofe 28 se compara o indígena colhedor de mel com o ciclope Polifemo. A partir daí, o seu herói, tal como Eneias, é termo de comparação do Lusitano viajante, no final do seu discurso ao Rei de Melinde, seguindo-se uma referência alargada a Homero e aos perigos enunciados na Odisseia, resumidos na estrofe 58, para concluir que ele, Vasco da Gama, tinha suplantado Ulisses, pois vencera perigos reais muito maiores.

LXXXVI
«Julgas agora, rei, se houve no mundo
Gentes que tais caminhos cometessem?
Crês tu que tanto Eneias e o facundo
Ulisses pelo mundo se estendessem?
Ousou algum a ver do mar profundo,
Por mais versos que deles se escrevessem,
Do que eu vi, a poder de esforço e arte,
E do que inda hei-de ver, a oitava parte?»
LXXXVII
«Esse que bebeu tanto da água Aónia,
Sobre quem têm contenda peregrina,
[…]
Essoutro que esclarece toda Ausónia,
A cuja voz altíssima e divina,
[…]»
LXXXVIII
Cantem, louvem e escrevam sempre extremos
Desses seus Semideuses, e encareçam,
Fingindo magas Circes, Polifemos,
Sirenas que co canto os adormeçam;
Dêem-lhe mais navegar à vela e remos
Os Cícones e a terra onde se esqueçam
Os companheiros, em gostando o loto;
Dêem-lhe em perder nas águas o piloto;
LXXXIX
Ventos soltos lhe finjam e imaginem
Dos odres, e Calipsos namoradas;
Harpias que o manjar lhe contaminem;
Descer ás sombras nuas já passadas,
Que por muito e por muito que se afinem
Nestas fábulas vãs, tão bem sonhadas,
A verdade que eu conto, nua e pura,
Vence toda a grandíloqua escritura!»


            Eis aqui uma vez mais a exaltação dos feitos dos navegadores portugueses na primeira pessoa da estância narrativa: «o facundo capitão» declara que não conta fábulas, mas a verdade nua e crua. E essa ultrapassa as epopeias clássicas.

            O adjectivo «facundo», até aí usado para qualificar a eloquência de Ulisses, que na Feácia, na corte de Alcínoo, conta as suas aventuras e desventuras, é aplicado na estrofe 90 a Vasco da Gama, no encerramento do seu discurso que o fez merecer igual qualificação.



XC
Da boca do facundo capitão
Pendendo estavam todos, embebidos,
Quando deu fim à longa narração
Dos altos feitos, grandes e subidos.

            Segue-se o louvor dos poetas épicos, imortalizadores dos grandes feitos, recordando o exemplo de Alexandre Magno, que valorizava mais Homero, expoente máximo dos criadores épicos, do que os feitos de Aquiles, o herói guerreiro da Ilíada:

XCIII
«Não tinha em tanto os feitos gloriosos
De Aquiles, Alexandre, na peleja,
Quanto de quem o canta os numerosos
Versos; [..]»
           
            Na estrofe seguinte há uma crítica a Vasco da Gama, paradigma dos heróis portugueses contemporâneos de Camões. O seu discurso não está de acordo com o seu procedimento, pois afirma que os seus feitos são mais valorosos do que os cantados por Homero e Virgílio, mas nada faz (ou os seus descendentes) para que os seus feitos sejam divulgados através da poesia.
            Faz-se depois o contra-ponto dos heróis antigos com os heróis portugueses a quem falta «numa mão a pena e noutra a lança» como fazia Júlio César, enquanto conquistava o Império Romano, e Alexandre, que tinha Homero como leitura de cabeceira, pois as armas não lhes impediam a ciência. A situação de incultura dos heróis portugueses confrange o poeta:

XCVII
«[…]
Sem vergonha o não digo, que a razão
De algum não ser por versos excelente
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque quem não sabe arte, não na estima.
XCVIII
Por isso, e não por falta de natura,
Não há também Vergílios nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias nem Aquiles feros.
[…]
XCIX
Às Musas agradeça o nosso Gama
O muito amor da Pátria, que as obriga
A dar aos seus, na lira, nome e fama
De toda a ilustre e bélica fadiga;
[…]»

            O canto encerra com o motivo que leva as Tágides a serem gentis com Vasco da Gama – «o amor fraterno e puro gosto de dar a todo o lusitano feito seu louvor» – e com o incentivo do poeta a que continuem a ser realizadas as grandes obras, pois elas valem por si.

Canto VI – A oposição de Baco

            Depois de um interregno no tratamento do mito fundador da Lusitânia, de novo surge Baco como oponente impulsionador da narrativa, recurso para a explicação das adversidades vividas pela frota portuguesa.
            O canto VI, na sua primeira parte, é protagonizado pelo deus Baco, oponente dos descendentes de Luso, na conquista do Oriente. Ei-lo preocupado com a fortuna dos lusitanos a caminho da Índia:

VI
«[…]
Mas o mau do Timoneu, que na alma sente
As venturas que então se aparelhavam
À gente lusitana, delas dina,
Arde, morre, blasfema e desatina.»

            Desce então o deus ao reino de Neptuno que reúne o consílio dos deuses marinhos. No uso da palavra, Baco explica a situação preocupante de ver um pequeno povo com o nome de um seu vassalo vencer os mares e chegar à Índia, factos que a realizarem-se poderão subverter a ordem estabelecida, temendo que «em poucos anos, venham Deuses a ser, e nós humanos»[39].
XXX
«Vedes agora a fraca geração
Que de um vassalo meu o nome toma,
Com soberbo e altivo coração
A vós e a mi e o Mundo todo doma.
Vedes o vosso mar cortando vão,
Mais do que fez a gente alta de Roma;
Vedes, o vosso reino devassando,
Os vossos estatutos vão quebrando.
XXXII
[…]
Que aquelas grandes honras, que sabeis
Que no mundo ganhei, quando venci
As terras indianas do Oriente,
Todas vejo abatidas desta gente.»
           
            Baco não assume os lusitanos como seus descendentes, mas como aqueles que tomaram o nome de um seu vassalo. Antes incita os deuses marinhos contra eles. Não tendo conseguido a oposição feroz dos deuses do Olimpo, volta-se para Neptuno, rei dos mares que os portugueses sulcam.

            Enquanto Baco incendiava os ânimos dos deuses marinhos contra a lusitana frota e os ventos se soltavam, os marinheiros em noite de acalmia contavam histórias. E aqui se encaixa a narrativa de «Os Doze de Inglaterra», pela voz de Fernão Veloso, que, no final da narração, é interrompido pelo apito do mestre a alertar para o início da tempestade, desencadeada por ordem de Neptuno, a pedido de Baco. Gama aflito reza e Vénus, estrela e deusa, que o protege, corre a enfeitar as ninfas que seduzem os ventos, aplacando a tempestade, para que os lusitanos finalmente cheguem à Índia (92).

Canto VII – Chegada à Índia

            O mito fundador da Lusitânia está presente na abertura do canto VII.
            À chegada à Índia, o poeta dirige-se em discurso directo, à «geração de Luso»[40],  recolocando a pequena parte que ocupa no mundo e na Igreja Católica, em confronto com o poderio europeu, agora que chegara à tão desejada Índia. Para isso, faz o périplo histórico das nações, para concluir que a «pequena casa lusitana» chegara e dominara as quatro partes do mundo:

XIV
Mas, entanto que cegos e sedentos
Andais de vosso sangue, ó gente insana,
Não faltaram cristãos atrevimentos
Nesta pequena casa lusitana.
De África tem marítimos assentos;
É na Ásia mais que todas soberana;
Na quarta parte nova os campos ara,
E, se mais mundo houvera, lá chegara.

            Chegara a frota a Calecut e um mensageiro é enviado à cidade. Rodeiam-no com espanto pela cor, pelo gesto e pela indumentária. Um berbere aproxima-se e   reconhece-o como sendo de «Reino lusitano»[41] e diz-lhe: «– Quem te trouxe a estoutro mundo, / Tão longe da tua Pátria lusitana?»[42] E o «lusitano»[43] contava a passagem do mar, perante o espanto do berbere Monçaide, que o convida para sua casa, onde se comporta como bom anfitrião. É depois recebido na nau capitaina com grande apreço. E ouvir em terras tão longínquas a língua de Castela foi música divina para os ouvidos dos marinheiros portugueses. Monçaide é o apresentador da Índia aos portugueses e o seu intérprete. Enquanto se aguarda a recepção real, observam-se a arquitectura e a escultura de histórias antigas. Uma delas representava um grande exército regido por Baco com os seus tirsos pelejando. Esta representação escultórica do pai de Luso estabelece a ligação parental com os lusitanos acabados de chegar às terras do pai, que por herança mítica poderiam ser deles. Liga-se esta representação ao retrato de Luso – «um ramo na mão tinha», no final do canto VII e na abertura do canto VIII.
           
            A recepção do «potente emperador» espanta os portugueses. E o poeta descreve a riqueza do ambiente aliada ao comportamento cerimonioso para com o senhor. A pedido do samorim, Vasco da Gama apresenta-se como embaixador do rei de Portugal de um tratado comercial bilateral, em amizade, na paz e na guerra. O samorim adiou a resposta para o dia seguinte. Entretanto o catual informa-se sobre os portugueses através de Monçaide e decide visitar a frota portuguesa. É recebido por Paulo da Gama na nau capitaina, na sala dos retratos, onde bebem, quando se ouve a trombeta da guerra, mas o intento era chamar a atenção para os retratos que «a muda poesia ali descreve.»[44] Levantam-se e observam o quadro:

LXXVII
«[…]
Os olhos põem no bélico trasunto
De um velho branco, aspeito soberano,
Cujo nome não pode ser defunto
Enquanto houver no mundo trato humano;
No traje a grega usança está perfeita;
Um ramo por insígnia na direita


            Camões interrompe a descrição do retrato e pede às ninfas força para continuar o seu trabalho e com elas desabafa. Compara-se a Cánace, filho de Éolo, pronto para o suicídio, com uma mão na espada e com a outra na pena com a qual escrevia a última carta: «Qual Cânace que à morte se condena, / Numa mão sempre a espada e noutra a pena.» A espada na mão simboliza a vida de soldado com os seus perigos que podem levá-lo à morte, a ele, o Homero português. Segue-se um pungente lamento autobiográfico por falta de apoio à sua arte.

LXXVIII
Um ramo na mão tinha… Mas oh, cego
Eu, que cometo insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário,
Que se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.
LXXIX
Olhai que há tanto tempo que cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A Fortuna me traz peregrinando,
[…]

O lamento estende-se até à estrofe 87, final do canto. A sua localização a meio do retrato de Luso, numa interrupção depois da repetição da insígnia «Um ramo na mão tinha»), pretenderá que ele, o fundador da Lusitânia, ouça o queixume poético de quem sente que a sua arte não é reconhecida com qualquer insígnia, com qualquer apoio e reconhecimento, ela que imortaliza a descendência e a terra de Luso? Invoca as ninfas lusitanas, pedindo-lhes socorro para que possa continuar a cantar o Tejo e os Lusitanos.

Canto VIII
A galeria dos retratos – a apresentação dos heróis fundadores

            O canto oitavo abre com a continuação da descrição do retrato de Luso, repetindo o poeta pela terceira vez «um ramo na mão tinha».
            Na galeria dos retratos, Paulo da Gama apresenta, em primeiro lugar e por ordem de importância e da cronologia, os dois Antigos, conhecidos «pela fama, nas obras e nos feitos» – Luso e Ulisses – e os dois primeiros heróis lusitanos, ainda não portugueses. Sobre os quatro, André de Resende tinha explorado e pesquisado as fontes das respectivas lendas.

1.Luso

I
Na primeira figura se detinha
O catual, que vira estar pintada,
Que por divisa um ramo na mão tinha,
A barba branca, longa e penteada.
Quem era e por que causa lhe convinha
A divisa que tem na mão tomada’

II
«[…]
Este que vês, é Luso, donde a fama
O nosso Reino “Lusitânia” chama.

III
Foi filho e companheiro do Tebano
Que tão diversas partes conquistou;
Parece ter vindo ao ninho hispano,
Seguindo as armas, que contino usou.
Do Douro-Guadiana o campo ufano,
Já dito Elísio, tanto o contentou,
Que ali quis dar aos já cansados ossos
Eterna sepultura, e nome aos nossos.
IV
O ramo que lhe vês, para divisa,
O verde tirso foi, de Baco, usado,
O qual à nossa idade amostra e avisa
Que foi seu companheiro e filho amado.
[…]»
                       
            Assiste-se no abrir do canto VIII à consagração do herói fundador da Lusitânia. O seu retrato faz a transição entre os dois cantos, pela interrupção estilística, no momento em que se fala da insígnia que o une ao pai Baco, descendente de Júpiter/Zeus – o bastão enfeitado com hera e ramos de videira, com remate em forma de pinha. Deste modo os portugueses vêem a sua genealogia ascender ao pai dos deuses, tal como os seus parceiros europeus.
            Apenas nas estrofes que retratam Luso, o poeta assume Baco como pai de Luso por duas vezes, como quem finalmente estava convencido da filiação, agora que os portugueses chegaram à Índia – terra de Baco –, numa longa viagem marítima, elo de união entre os descendentes de Luso e o pai Baco, numa lógica hereditária. Como prova da paternidade, existe o tirso na mão de Luso, qual brasão familiar, que passa de pais para filhos. Talvez por isso a insistência repetitiva: «Um ramo por insígnia na direita» -VII, 77, 8; «Um ramo na mão tinha…[…]», VII, 78, 1; «Que por divisa um ramo na mão tinha», VIII, 1; «O ramo que lhe vês, para divisa, / O verde tirso foi, de Baco, usado, / O qual à nossa idade amostra e avisa / Que foi seu companheiro e filho amado.» - VIII, 3, 1-4 - finalmente a explicação da importância do ramo na mão. Desta arte, prova Paulo da Gama ao catual e à Índia que no plano mítico a chegada às terras do pai Baco é um dever dos descendentes de seu filho Luso, os quais têm aí direitos hereditários. A temática da relação pais e filhos e a questão da herança é retomada nas estrofes reflexivas que encerram o canto.

2. Ulisses

            Segue-se a apresentação de Ulisses, o herói fundador da cidade de Lisboa, com todos os ingredientes clássicos já referidos:


IV
«[…]
Vês outro, que do Tejo a terra pisa,
Depois de ter tão longo mar arado,
Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Palas, que em memória fica?
V
«Ulisses é o que faz a santa casa
À Deusa, que lhe dá língua facunda,
Que se lá na Ásia Tróia insigne abrasa,
Cá na Europa, Lisboa ingente funda.
[…]»


           
            Ulisses atravessa todo o poema. Nestes versos vemo-lo, numa síntese poética, como personagem da Ilíada incendiando Tróia, como herói da Odisseia dotado de grande eloquência na narração dos seus errores marítimos a Alcinoo, e como herói fundador de Olisipo, cidade edificada junto ao Tejo – a cidade de Lisboa. É a consagração do herói fundador de Lisboa, em oposição ao herói destruidor de Tróia. A cidade já tinha sido apresentada não ao catual, mas ao rei de Melinde.

3. Viriato

            Já da Lusitânia surge o primeiro herói autóctone que se distingue na luta contra a ocupação romana: o pastor Viriato. Segundo Diodoro Sículo, Viriato ( séc.II a.C.), caudilho lusitano, provinha da parte ocidental da Lusitânia, junto do mar. Tinha sido pastor, porém tornara-se um comandante extraordinário, vencendo as forças romanas, entre 154 e 136 a.C. Foi traído e assassinado.[45] Transformou-se em herói nacional da resistência, sobretudo em momentos de exaltação nacional e de perda da independência ou seu temor. No tempo de Camões, viviam-se em simultâneo esses dois estados da alma nacional: a exaltação patriótica aliada ao temor da perda de independência, atendendo a que D. Sebastião não tinha filhos e vivia na exaltação dos feitos guerreiros, correndo a pátria graves riscos de, por sua morte, vir a ser anexada à Espanha.       
           
            Camões apresenta a história de Viriato, sintetizada nas estrofes seguintes:

V
«[…]
- Quem será estoutro cá, que o campo arrasa
De mortos, com presença furibunda?
Grandes batalhas tem desbaratadas,
Que as águias nas bandeiras têm pintadas.»

VI
«Assi o Gentio diz. Responde o Gama:
- Este que vês, pastor já foi de gado;
Viriato sabemos que se chama,
Destro na lança mais que no cajado;
Injuriada tem de Roma a fama,
Vencedor invencíbil, afamado.
Não têm com ele, não, nem ter puderam
O primor que com Pirro já tiveram.
VII
Com força não, com manha vergonhosa
A vida lhe tiraram que os espanta,
Que o grande aperto, em gente inda que honrosa,
Às vezes leis magnânimas quebranta.
[…]»
           
            Os pequenos enfrentando os grandes, uns poucos vencendo muitos, é uma ideia que se repete no poema e que já fora expressa por Fernão Lopes na Crónica de D. João I. O tamanho do nosso país comparado à enorme Espanha e apesar disso fazendo-lhe frente, daria para a exploração da lenda hebraica de David e Golias. Desde Ourique, passando por Aljubarrota, o poeta vem focando essa ideia que tem como herói paradigmático o lusitano Viriato que fora capaz de enfrentar o invencível exército romano com um punhado de outros lusitanos: «Sabe-se antigamente que trezentos / Já contra mil Romanos pelejaram, no tempo em que os viris atrevimentos / De Viriato tanto se ilustraram» – 36, 1-4.
             A glória lusitana passa pela incrível coragem de fazer frente ao mundo, apesar do seu pequeno território. Com a chegada à Índia consagra-se essa coragem e esse valor.

4. Sertório

            O dissidente romano Sertório (122? -72 a.C.) comandou as forças lusitanas contra a invasão romana com grande sucesso. As fontes clássicas que tratam o assunto provêm sobretudo de Plutarco e Plínio, nomeadamente a referência à corça branca domesticada que o acompanhava. André de Resende incorporou Sertório na história nacional como herói da resistência lusitana contra as forças romanas do império.[46]

VII
«[…]
Outro está aqui que, contra a pátria irosa,
Degradado, connosco se alevanta;
Escolheu bem com quem se alevantasse,
Para que eternamente se ilustrasse.
VIII
Vês, connosco também vence as bandeiras
Dessas aves de Júpiter validas;
Que já naquele tempo as mais guerreiras
Gentes de nós souberam ser vencidas.
Olha tão sutis artes e maneiras
Para adquirir os povos, tão fingidas:
A fatídica cerva que o avisa.
Ele é Sertório, e ela a sua divisa.»


           
            Nesta galeria dos heróis lusitanos, seguem-se os heróis da história portuguesa que não foram tratados por Vasco da Gama no seu discurso ao Rei de Melinde.
             Refere mais uma vez o conde D. Henrique e seu filho D. Afonso. Na descrição do retrato do primeiro rei de Portugal com os seus exércitos, nota-se a influência da História de D. Afonso Henriques de Duarte Galvão, no que se refere à batalha de S. Mamede e à acção de Egas Moniz.
            Juntam-se ao desfile dos heróis do tempo do Rei fundador D. Fuas Roupinho e os cruzados estrangeiros da conquista de Lisboa, nomeadamente D. Henrique, natural de Bona, em cuja cova teria nascido uma palma que fazia milagres, de acordo com o que contam Duarte Galvão e Damião de Góis.
            E o desfile continua, para se alongar em D. Nuno Álvares Pereira, o salvador, no momento em que a Pátria «de um fio fraco pende»[47] e está «quase desbaratado o poder lusitano»[48].
            Ao contar dos «dezassete lusitanos»[49] atacados por quatrocentos castelhanos aproveita o autor para referir de novo o feito de Viriato, «No tempo em que os viris atrevimentos / De Viriato tanto se ilustraram»[50], que lutou com trezentos homens contra mil, para concluir «Que os muitos, por ser poucos, não temamos»[51].
            A galeria dos retratos encerra com os infantes D. Pedro e D. Henrique, da «ínclita geração», seguidos de D. Pedro e D. Duarte de Meneses que se distinguiram no Norte de África.
            Entretanto anoitecera e o catual retira-se da nau capitaina.
            Enquanto isso, o rei de Calecut consulta os estudiosos e os arúspices que predizem a destruição das gentes e haveres pelos portugueses. A estas previsões funestas junta-se a força oponente de Baco, que, disfarçado de «sacerdote da lei de Mafamede»,[52]aparece em sonhos ao rei, avisando-o contra os portugueses e  apressando-o na sua acção contra eles, embora saiba que o contrato do «rei dos Lusitanos»[53] é vantajoso. Reúne conselho e todos concordam ser preciso impedir os portugueses de regressar à pátria. Fala então com Vasco da Gama, perguntando-lhe a verdade da sua situação. O capitão responde-lhe com um discurso inspirado por Vénus, acentuando a credibilidade lusitana, na estrofe 69: «Bem parece que o nobre e grão conceito / do lusitano espírito demande / Maior crédito e fé de mais alteza, / Que creia dele tanta fortaleza.» Gama acaba por convencer o rei da verdade das suas palavras e do proveito do «contrato lusitano»[54].
            O capitão sai do palácio e dirige-se à praia com o catual, para que este lhe forneça embarcação até às suas naus. Aliado das forças maometanas, o catual tinha um objectivo: «Que nenhum torne à Pátria só pretende / o conselho infernal dos Maometanos, / Por que não saiba nunca onde se estende / A terra Eôa o rei dos Lusitanos.».[55] Prende Vasco da Gama e acaba por libertá-lo a troco da mercadoria, que, finalmente, chegara das naus. Com a fazenda ficaram dois feitores, enquanto Vasco da Gama parte para a sua frota, onde os vai aguardar. Entretanto são esperados navios muçulmanos para derrotar a frota portuguesa. Monçaide descobre a tramóia e Vasco da Gama decide partir com reféns, para que lhe mandem os seus feitores de volta. Assim acontece: «Manda logo os feitores lusitanos / Com toda a sua fazenda livremente,»[56]. Finalmente a frota parte de regresso a Portugal, já no Canto IX.
           
            Com o Canto VIII termina a «amplificatio» dos mitos de origem e dos respectivos heróis fundadores.
         
            No Canto IX prepara-se a recompensa do sofrimento lusitano: «Porém a Deusa Cípria, que ordenada / Era, para favor dos Lusitanos, / Do Padre eterno, e por bom génio dada, / Que sempre os guia já de longos anos,».[57] Vénus pede a seu filho Cupido colaboração na preparação do prémio para «as lusitânicas fadigas»[58] «E para isso queria que, feridas / As filhas de Nereu no ponto fundo, / De amor dos Lusitanos incendidas, / Que vêm de descobrir o novo mundo»[59]. Apresenta uma razão elogiosa dos lusitanos paraa sua determinação: «Quero que haja no Reino neptunino, / Onde eu nasci, progénie forte e bela». Segue-se o episódio da ilha dos amores.
            É no plano mítico que os lusitanos são recompensados pela deusa do Amor.
           
            O Canto X começa com a recepção no palácio da «ilha de Vénus» de todos os marinheiros e suas nereides. Tem como ponto principal o canto da ninfa que profetiza os acontecimentos bem sucedidos dos portugueses no Oriente. A matéria do seu canto é considerada trágica e Tétis suplanta os aedos que na Eneida e na Odisseia cantaram para os respectivos heróis nos locais onde encontraram o amor: em Cartago com Dido e na Feácia com Nausica. As referências privilegiadas e aliadas da Eneida e da Odisseia tiveram início no Canto I e mantêm-se ao longo do poema até ao seu final.
            A matéria do canto é constituída pela visão dos feitos do Oriente pelos lusitanos, que Tétis observara, num presente de Júpiter: um «globo vão diáfano e redondo».[60]
            A propósito dos feitos gloriosos de Duarte Pacheco Pereira, o poeta dá-lhe o epíteto de «Aquiles Lusitano»[61] e mais adiante, na estrofe 18, «invicto e forte luso», para terminar na estrofe 19 com o máximo elogio: «nenhum claro barão no mártio jogo, / Que nas asas da Fama se sustenha / Chega a este, que a palma a todos toma / – E perdoe-me a ilustre Grécia e Roma.».
            Na estrofe 24, faz-se uma referência negativa a Ulisses, personagem da Ilíada, quando pela sua eloquência consegue as armas de Aquiles, morto na guerra de Tróia, as quais deveriam pertencer a Ajax, o mais heróico nas armas, tal como Aquiles. O exemplo serve para comparar os feitos de Pacheco aos de Ajax e mais ainda para criticar a falta de reconhecimento dos reis que se deixam levar pela lisonja.
            No episódio de D. Francisco de Almeida e de seu filho Lourenço, Tétis volta a referir os Lusos, na estrofe 28. Mais adiante, na estrofe 44, a propósito de Afonso de Albuquerque, elogia: «Todos farás ao Luso obedientes». Sobre Lopo Soares de Albergaria, na estrofe 51, referindo-se à canela escreve Camões: «Dela dará tributo à lusitana bandeira» a nobre ilha da Taprobana. Depois de percorrer a história dos vice-reis e dos heróis das campanhas do oriente, o que denota a leitura atenta dos cronistas, como Castanheda e João de Barros, termina o canto de Tétis na estrofe 73.
            Tétis apresenta a Gama a máquina do mundo, a geografia do poema, continuando a empregar, ainda que raramente, as palavras cognatas de Luso.
            Partem os lusitanos da Ilha dos Amores, estrofe 143, numa viagem sem incidentes até à foz do Tejo.
            Camões termina o poema apresentando ao rei D. Sebastião, a quem o dedicara, os seus heróis e o seu cantor numa só obra, exaltando uns e outros, sem falsa modéstia, ele que combateu pelo Império e simultaneamente cantou a glória lusitana.
            É o nome de Aquiles, o herói da Ilíada, que encerra o poema, incitando o frágil rei a novas empresas dignas de canto épico. E a pena do poeta disponibiliza-se para de novo cantar «o peito ilustre lusitano».

V. Conclusão

            A leitura de Os Lusíadas apresentada foi feita em busca da comprovação da seguinte tese: Camões, em Os Lusíadas, faz a divulgação e a “amplificatio” dos mitos de origem da Lusitânia e de Lisboa, na senda de André de Resende.

1.      A divulgação dos dois mitos de origem

            Sobre a divulgação da epopeia muito se poderá dizer em estudo que lhe seja dedicado. Neste trabalho, tão-só se afirma que o facto de o poema ter sido escrito em português permitiu e permite uma maior divulgação nacional. Até aí os eruditos escreviam em latim, nomeadamente os textos do género épico, cujo modelo era a Eneida, obra em latim, escrita por Virgílio. André de Resende, o estudioso dos referidos mitos nas fontes, e Damião de Góis, que os utilizou em Vrbis Olisiponis Descriptio, fizeram-no em obras escritas em latim. O Renascimento abre caminho à valorização da língua materna, enquanto factor nobilitante de cada país. Luís de Camões ao escrever o seu poema épico em português prestou um serviço incalculável à língua materna e à sua pátria. Deu-se um passo de gigante a caminho da modernidade.

2.      A “amplificatio” dos mitos de origem

Luís de Camões tratou na sua obra os dois mitos com grande rigor, como é seu apanágio. Assim o afirma Luís de Albuquerque para as questões científicas e se comprova para o assunto mítico tratado.[62]

2.1. Luso - Lusitânia

Dos dois mitos analisados, o da Lusitânia foi usado como ingrediente estruturante da narrativa e, por isso, estrategicamente mais expandido, como era pretensão do poeta, uma vez que afirmou na terceira estrofe do canto I que iria cantar «o peito ilustre lusitano». É no consílio dos deuses desse mesmo canto que se define a estrutura do poema ao nível mítico com base na relação Luso, o filho, e Baco, o pai ou o amigo, ou o companheiro, a partir do ciúme do pai para com os descendentes de seu filho Luso, na sua acção de expansão para o Oriente, que pertencia miticamente a Baco. As forças oponentes existentes no plano real – os interesses instalados, sobretudo dos árabes, para além das forças da natureza – aparecem no plano mítico condensadas e motivadas pela oposição organizada de Baco, perante o escândalo daqueles que conheciam a relação Baco – Luso, como era o caso de Marte que a isso se refere.
No canto II, Vénus, aflita perante as acções instigadas por Baco contra os Portugueses em Mombaça, recorre a Júpiter que tranquiliza a deusa protectora dos lusitanos, garantindo-lhe o bom sucesso dos seus protegidos.
Contudo, é no canto III, estrofe 21, que se reescreve o núcleo mítico trabalhado por André de Resende, quando Vasco da Gama apresenta a Lusitânia ao rei de Melinde. E aí insere, em síntese, a história do primeiro guerreiro lusitano, Viriato.
Festeja-se a libertação da Lusitânia – a «terra que aos de Luso coube em sorte» – com a expulsão dos mouros do Algarve, na estrofe 95, do canto III.
            No canto VI, volta a assumir papel importante Baco, aflito pela progressão que os lusitanos fizeram na viagem, pois encontram-se na última etapa do seu objectivo e bem encaminhados. Dirige-se ao reino de Neptuno para convencer o pai dos deuses marinhos a reunir um consílio de emergência, se não quer ver o mundo às avessas: os humanos elevados a deuses e os deuses rebaixados a humanos, pelos feitos extraordinários dos portugueses, definidos estes como uma fraca geração que tomou o nome de um seu vassalo. Sem proferir o nome de Luso nem da Lusitânia, verbaliza a razão da sua oposição: «Que aquelas grandes honras, que sabeis / Que no mundo ganhei, quando venci / As terras indianas do Oriente, / Todas vejo abatidas desta gente.»
            No canto VII, os lusitanos chegaram à Índia e, na visita ao palácio do rei de Calecut, admiravam entre outras obras dignas de espanto, os conjuntos escultóricos. O primeiro representava Baco à frente dos seus exércitos, usando como arma os tirsos, varas enfeitadas com folhas de hera e de videira. Liga-se esta descrição à do retrato que o catual observa à sua chegada à nau do capitão português: o retrato de Luso. Este também tinha na mão um tirso. O poeta repete três vezes até explicar o significado – o tirso é a insígnia de seu pai, Baco. É o retrato de Luso que abre o canto VIII, fazendo a ligação com o canto VII. Na segunda estrofe, Luso é apresentado ao catual como fundador da Lusitânia: «Este que vês, é Luso, donde a fama / O nosso Reino “Lusitânia” chama.» E é apresentado como o filho de Baco. No plano mítico, os descendentes de Baco chegam à casa do pai, onde hereditariamente têm os seus direitos. Consagra-se aqui o mito da Lusitânia e a justificação mítica da chegada à casa paterna, com tanto sacrifício, e da futura conquista de partes da Índia pelos lusitanos.
            Os momentos da amplificatio do mito de origem e do respectivo fundador foram determinados. Todavia pode ainda acrescentar-se que o mito está espalhado por todo o poema através do uso de palavras cognatas de Luso:
a)      « o Lusitano» - o nome Lusitano ( com maiúscula ou minúscula, dependendo das edições) é aplicado a Vasco da Gama, a D. Afonso Henriques e a D. Afonso IV.
b)      O adjectivo lusitano atravessa todo o poema, não havendo canto que o não registe várias vezes.
c) Hernâni Cidade, no índice onomástico da obra citada,[63] sem distinguir o nome do adjectivo, registou a frequência da palavra lusitano que pode ser observada no quadro que se segue, tal como outras também cognatas de Luso:


Canto
Nº da estrofe
Nº de vezes

Lusitano
Luso
Lusitânia
 Lusitano
Luso
Lusitânia
Total
I
1, 3, 5, 30, 33, 48, 60, 73, 75, 83, 94
24, 39, 62

11
3

13
II
44, 50, 55, 58, 61, 69, 74, 97, 102,104
17, 48,103

10
3

13
III
2, 20, 26, 34, 42, 53, 99, 101, 118
21, 51, 95, 114
21, 82, 95
9
4
3
16
IV
24, 41, 50
 -----------------
6
3
-
1
4
V
71, 95,100
 -----------------

3
-

3
VI
2, 6, 48
26
43
3
1
1
5
VII
14, 24, 25, 26, 79
2, 45

5
2

7
VIII
30, 35, 59, 59, 77, 84
2
2
6
1
1
8
IX
12, 18, 40
------------------

3
-

3
X
12, 51, 71, 107, 118, 138
18, 27, 44

9


9
Nota: Luso apresenta dois significados: de personagem mitológica e de lusitano. A itálico, regista-se o nº da estrofe em que Luso significa Lusitano.











            Observando o quadro, pode concluir-se que de facto a palavra Luso e as suas cognatas estão espalhadas por todo o poema. Com nenhuma família de palavras acontece o mesmo.
            Pode concluir-se também que é nos três primeiros cantos que essas palavras se encontram em maior número, para rarearem nos cantos da segunda parte da História de Portugal e do decurso da viagem e reaparecerem na chegada à Índia, terras de Baco, dos descendentes de seu filho Luso.
            A teorização da origem da Lusitânia formulada por André de Resende está intacta na epopeia camoniana. O núcleo lendário não sofreu uma beliscadura. O poeta expandiu esse núcleo, através da relação pai-filho, da Lusitânia até à Índia, no plano mítico, enquanto paralelamente se desenrolavam, no plano histórico, as peripécias da primeira viagem marítima para a Índia.

2.2.  Ulisses – Lisboa

            Os poemas homéricos são subtextos que se sentem ao longo de Os Lusíadas. Muitos outros subtextos existem, mas não se referem por não estarem no âmbito deste trabalho.
            Homero, o criador de Ulisses, encontra-se nas primeiras estrofes do canto primeiro numa referência implícita quando Camões o manda “calar” a ele e a Virgílio, para que cessem as navegações de Ulisses e de Eneias, porque vai ser cantado «o peito ilustre lusitano», dominador não só do mar, mas também da guerra (estrofe 3). Mais adiante, na estrofe 12, o poeta cobiça a cítara de Homero para o cantar.
            Ulisses e Eneias surgem a par no poema como paradigmas dos heróis antigos gregos e romanos, assim os refere Júpiter, sossegando Vénus, usando-os como termo de comparação com os lusitanos que os vão suplantar, pois mostrarão novos mundos ao mundo e, por isso, serão bem sucedidos.
            Ulisses é um dos referentes do poema. Quase sempre é a Ulisses herói da Odisseia que o poeta recorre e muito raramente ele é recurso como personagem da Ilíada. Recorda-se apenas o caso da sua facúndia ter sido referida como enganosa na disputa com Ajax das armas de Aquiles, e o episódio do cavalo de pau, que introduziu o inimigo em Tróia.      
            A hospitalidade do rei de Melinde lembra a de Alcinoo para com Ulisses, na Feácia. E é dentro desse ambiente acolhedor que Vasco da Gama, tal como Ulisses, vai usar a sua facúndia num longo discurso de três cantos sobre a História de Portugal e a sua viagem. Parece existir um paralelismo entre a personagem mítica e Vasco da Gama, que atinge o seu auge nessa situação de narrador, em longo discurso, merecendo ambos o qualificativo de «facundo». Ao terminar a sua longa narração, em perguntas retóricas, pede a avaliação dos feitos dos lusitanos depois de comparados aos feitos de Eneias e de Ulisses (estrofes 86 a 90). Ao fazê-lo resume os errores de Ulisses, referindo as personagens centrais desses cantos da Odisseia, para concluir que a verdade por ele contada «vence toda a grandíloca escritura» das «fábulas vãs».
            Ulisses, como fundador de Lisboa, surge no canto III, nas estrofes 57 e 58, inserido na narração de Vasco da Gama, no momento do cerco pelos exércitos de D. Afonso Henriques, auxiliado pelos cruzados do Norte da Europa. Não se refere o seu nome, mas apenas as suas características e acções: Lisboa foi edificada pelo «facundo por cujo engano foi Dardânia acesa». Em tão poucas palavras temos o herói fundador caracterizado só para quem conheça os subtextos: o eloquente da Odisseia e o hábil e manhoso guerreiro da Ilíada, criador do estratagema que incendiou Tróia – o célebre cavalo de madeira, que ajudou a assentar a Ulisses o epíteto de «o dos mil artifícios».
            No cerco de Lisboa uniram-se os cruzados, vindos através do Tejo, às  tropas de D. Afonso Henriques cuja fama já chegava aos céus, palavra esta que vai rimar com Ulisseus, adjectivo cognato de Ulisses e aplicado aos muros de Lisboa.
            No canto VIII, na galeria dos retratos, o segundo a ser apresentado por Paulo da Gama é Ulisses, depois de Luso. São os dois antigos conhecidos «pela fama nas obras e nos feitos». Ulisses é apresentado como o herói que vem de fora, após longa navegação marítima, e chega à terra do Tejo e aí edifica a cidade, não esquecendo o templo de Atena, a deusa protectora de Ulisses e Telémaco, na Odisseia. É a consagração do herói fundador de Lisboa, em oposição ao herói destruidor de Tróia. A cidade já tinha sido apresentada não ao catual, mas ao rei de Melinde. Foi a vez de ser apresentado o seu fundador.
            A importância de Lisboa e do seu herói fundador na epopeia pode observar-se no seguinte quadro que regista a frequência das palavras cognatas de Ulisses, aceitando para Lisboa a etimologia defendida por André de Resende e aceite pelo poeta.[64]

Canto
Nº da estrofe
Nº de vezes

Lisboa
Ulisses
Ulissea
Ulissseu
 Lisboa
Ulisses
Ulissea
Ulisseu
total
I








-
II

45



1


1
III
57, 61, 88

74
58, 74
3

1
2
6
IV


84



1

1
V

86



1


1
VI
7



1



1
VII








-
VIII
5, 18, 24
5



1


4
IX
16



1



1
X

24



1


1
           
            Verifica-se que essas palavras se encontram espalhadas por quase todo o poema, exceptuando o canto I e VII e que existe uma maior incidência no canto III, a que se chamou da fundação, e no canto oitavo, onde abrem a galeria dos retratos os dois heróis fundadores, pertencentes à Antiguidade: Luso e Ulisses. Sabe-se que, para além das palavras assinaladas, outras existem para falar de Ulisses, como se viu na estrofe do canto III quando se apresenta a cidade de Lisboa e se refere a sua fundação. Dele se fala sem citar o seu nome. Outras vezes dele se fala nomeando-o por «o facundo».
            O mito da nobilitação da cidade tem uma presença menor do que o mito da nobilitação da pátria. Os dois, unidos em Os Lusíadas, nobilitam o Império Português, numa época em que a nobilitação passava pelo plano mítico dos heróis clássicos fundadores de cidades e de nações.
           
3. Que destino para os dois heróis fundadores?      
           
Luís de Camões faz uma narrativa onde coabitam os mitos pagãos com os “mitos” cristãos. O poeta usa as divindades e os mitos clássicos e religiosos, sem os desvirtuar. Essa é uma das suas genialidades.
Os principais mitos atravessaram a Idade Média e foram por ela cristianizados. Mário Martins, na sua obra Alegorias, Símbolos e Exemplos Morais da Literatura Medieval Portuguesa, escreve, a propósito do mito de Ulisses, que o herói corria mundo representando o homem a navegar na mística barca da alma em busca da perfeição interior[65]. Um Ulisses assim cristianizado perdura no imaginário culto nacional e coabita com o herói clássico fundador de Lisboa. Pode-se encontrar aí a explicação para o facto de o Padre António Vieira frequentemente o mencionar nos seus sermões. 
            A valorização de mitos de enobrecimento das origens de Portugal, mormente de Lisboa, capital de um reino peninsular independente dos restantes espaços ibéricos, obedeceu sempre a objectivos patrióticos. Em momentos de crise nacional, como no domínio filipino e nas guerras da Restauração (1640-1668), a «historificação» das nobres origens lendárias assumiu o carácter de pedagogia cívica. Disso é bom exemplo a frequente referência, pelo Padre António Vieira em vários sermões, antes e depois da Restauração, a Ulisses como fundador de Lisboa, conferindo ao lendário herói carácter histórico.
            Num sermão destinado ao púlpito (não chegou a ser pronunciado), num dos anos imediatamente anteriores à Restauração, apresentando Ulisses como o exemplo do herói que ama a sua pátria, menciona-o enquanto «famoso fundador» de Lisboa, a qual jamais se poderá esquecer da sua fundação pela mão do exilado de Ítaca - «pois a traz impressa no nome»[66].
            Num outro sermão intitulado «Sermão da terceira dominga do Advento», sem menção de data ou local, Vieira refere-se a Ulisses como «o grande fundador de Lisboa», colocando na sua boca a afirmação de que a verdadeira fidalguia não é a do sangue mas as das acções[67].
            No segundo dos trinta sermões do Rosário, pregado, provavelmente, na década de 1650 (o primeiro da série vem datado de 1651), Vieira diz o «nosso Ulisses»[68].
            A imortalidade de Ulisses, fundador de Lisboa, perpetuou-se ao longo dos séculos em obras literárias até aos dias de hoje. A sua história de amor a Ítaca e à família, mas também à viagem aventurosa que se transformou na alegoria da viagem da própria vida terrena em busca da perfeição ou de uma maior sabedoria sempre com o objectivo de chegar à pátria amada real ou espiritual, permitiu que o herói da Odisseia pudesse ser o paradigma da vida humana. Certamente que a sua cristianização terá auxiliado muito a fixá-lo na memória colectiva.
            Pelo contrário, Luso, o fundador da Lusitânia, não está presente no imaginário português. Talvez porque ele não valesse por si próprio, mas pelo pai, Baco, e a sua paternidade não fosse passível de ser cristianizada. Baco/ Dionísio representa o prazer desmesurado, e Baco é mais conhecido como deus do vinho. O prazer foi contrariado pelo cristianismo ao longo dos tempos e talvez por isso o mito da origem da Lusitânia (que lhe dava direito à Índia pela via mítica) contido na epopeia camoniana não tivesse seguimento, senão num restrito grupo intelectual que o tem vindo a estudar.
 

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[1] Isabel Barros Dias, «3. O papel de algumas figuras da Antiguidade na formação dos mitos nacionais de França e Inglaterra», p.2, in CD-ROM Heróis Fundadores, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
[2] A informação utilizada para I. foi recolhida em Isabel Barros Dias, «3. O papel de algumas figuras da Antiguidade na formação dos mitos nacionais de França e Inglaterra», in CD-ROM  Heróis Fundadores, Universidade Aberta, 2003.
[3] A informação  utilizada para a Península Ibérica foi recolhida em:  Isabel Barros Dias, «4. Heróis fundadores na Península Ibérica (figuras da Antiguidade e fundadores históricos)» e «Le Duel des Géants», in CD-ROM Heróis Fundadores, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
[4] Ibidem, vol II, p.25.
[5] Idem, ibidem.
[6] Ibidem, p.26.
[7] A. Costa Ramalho, «A Palavra Lusíadas», in Estudos sobre o século XVI, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1980, p.223.
[8] Costa Ramalho, op.cit. p.222.
[9] Idem, ibidem.
[10] Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos de História de Cultura Clássica, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987, 6ª ed., Vol. I, p.54.
[11] Homero, Odisseia, Publicações Europa-América, 2ª edição, Lisboa, p.13.
[12] R. M. Rosado Fernandes,« Ulisses em Lisboa», in Evphrosyne, Revista de Filologia Clássica, vol XIII, Faculdade de Letras de Lisboa, 1985, p.139.
[13] Apud Rosado Fernandes, ibidem, p.140, Geogr., III, 2, 13.
[14] Apud Rosado Fernandes, ibid. p.140.; «Lisboa é descrita em III, 3, 1 (fala da embocadura do Tejo e possivelmente do castelo de Almoural».
[15] Apud Rosado Fernandes, ibid. p.141: Solino, Collectânea rerum memorabilium, 23, 5, «aí foi fundada a povoação de Lisboa por Ulisses; aí o rio Tejo»  
[16] Apud Rosado Fernandes, ibid., pp.141-142: Marciano Capela, De Nuptiis Philologie et Mercurii, VI, 629 : «aí está a povoação (oppidum) de Lisboa, que dizem ter sido fundada por Ulisses e de cujo nome é chamado um promontório que separa os mares e as terras».
[17] Apud Rosado Fernandes, ibid, p.142: Isidoro, Etymologiarum libri  XV, 1, 70.
[18] Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, Carta de um Cruzado Inglês, Livros Horizonte, 2ªedição,  Lisboa, 2004, pp.31-32.
[19] Rosado Fernandes, op.cit., pp.142-143.
[20] Crónica Geral de Espanha de 1344, edição crítica do texto português por Luís Filipe Lindley Cintra, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, vol. II, Lisboa, 1954, p.22.
[21] Ovide, Heroides, «Les Belles Lettres», Paris, 1928.
[22] Rosado Fernandes, op.cit., p.143.
[23] O mesmo acontece com o topónimo Viana do Castelo. Criou-se uma história de modo a que se entenda que o nome vem da frase: (Eu) vi Ana do Castelo.
[24] Garcia de Resende, Cancioneiro Geral, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1913, vol. III, pp.215-228.
[25] Ibidem,1915, vol IV, pp. 17-28.
[26]Garcia de Resende, Antologia do Cancioneiro Geral, selecção, organização, introdução e notas de Mª Ema Tarracha Ferreira, Editora Ulisseia, Lisboa, 1994, p.51.
Esta temática vai ainda inspirar uma personalidade célebre da nossa contemporaneidade: Albino Luciani, então patriarca de Veneza e depois papa João Paulo I escreveu uma fictícia carta «A Penélope», datada de Março de 1972 (Cf. Ilustríssimos Senhores, Albino Luciani – Cartas do Patriarca de Veneza, Cidade Nova, Lisboa, 1978, pp.79-85).
[27] Gil Vicente, Auto da Lusitânia, in Obras Completas de Gil Vicente, coordenação de Álvaro Júlio da Costa Pimpão, Companhia Editora do Minho, Barcelos, 1956, p.562.
[28]Ibidem,p.470.
[29] Para as citações que se seguem foi usada a obra: Luís de Camões, Os Lusíadas, Edição Artística comemorativa do 3ºcentenário da restauração da independência de Portugal, Companhia Editora do Minho, Barcelos, 1960.
[30]Camões, op. cit., Canto II, 61, 2.
[31] Ibidem, III, 32, 6.
[32] Ibidem, III, 34, 3-4.
[33] Luís Filipe Lindley Cintra, «A Lenda de Afonso I, Rei de Portugal», in ICALP Revista, 16 – 17, 1989.
[34] Camões, op.cit., III, 42, 1-2.
[35] Ibidem, III, 53, 1.
[36] Ibidem, 102, 1.
[37] Ibidem, 101, 5.
[38] Ibidem, 114, 1-3.
[39] Ibidem, Canto VI, 29, 7-8.
[40] Ibidem, Canto VII, 2, 1.
[41] Ibidem, Canto VII, 14, 6.
[42] Ibidem, Canto VII, 15, 3-4.
[43] Ibidem, canto VII, 16, 4.
[44] Ibidem, Canto VII, 76, 8.
[45] Mário Cardoso, « Viriato», in Dicionário de História de Portugal, dir. por Joel Serrão, vol. VI, pp.329-332.

[46] Eduardo da Cunha Serrão, «Sertório», in Dicionário de História de Portugal, dir. por Joel Serrão, vol.V, pp.541-542.
[47] Camões, op.cit., Canto VIII, 28, 3.
[48] Ibidem, Canto VIII, 30, 2.
[49] Ibidem, canto VIII, 35, 1.
[50] Ibidem, Canto VIII, 36, 3-4. Camões no poema adopta como etimologia de Viriato, vir, palavra latina que significa homem com força. Nestes versos, aproxima o adjectivo viris do nome Viriato, gerando a aliteração e o reforço do significado de Viriato, homem forte.
[51] Ibidem, Canto VIII, 36, 7.
[52] Ibidem, Canto VIII, 47, 2.
[53] Ibidem, Canto VIII, 59, 8.
[54] Ibidem, Canto VIII, 77, 2.
[55] Ibidem, Canto VIII, 84, 1-4.
[56] Ibidem, Canto IX, 12, 1-2.
[57] Ibidem, Canto IX, 18, 1-4.
[58] Ibidem, Canto IX, 38, 1.
[59] Ibidem, Canto IX, 40, 1-4.
[60] Ibidem, Canto X, 7, 4.
[61] Ibidem, Canto X, 12, 4.
[62] Luís de Albuquerque, «Sur quelques textes que Camões consulta pour écrire Os Lusíadas», in Arquivos do Centro Cultural Português – Camões, vol. XVI, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, 1981.pp.35-50.
[63] Luís de Camões, Obras Completas – Os Lusíadas, com prefácio e notas do Prof. Hernâni Cidade, vol V, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1968, p.285.
[64] Frequência registada a partir do «Índice de nomes próprios» in Hernâni Cidade, op. cit., pp.271-296.
[65] Mário Martins, Alegorias, Símbolos e Exemplos Morais da Literatura Medieval Portuguesa, edições Brotéria, Lisboa, 1980, p.223.
[66] Obras Completas do Padre António Vieira, vol. VII, p.77, Porto, Livraria Chardron de Lello e Irmão, Editores,  1908.
[67] Vieira, op.cit., vol I, pp197-198.
[68] Vieira, op.cit., vol.X, p.271.