quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A importância da revolta de 31 de Janeiro de 1891



A revolta do Porto em 31 de Janeiro de 1891 – “primeiro sinal de transformação política”

(Extracto adaptado da obra Fernando Pessoa e «A Nova Poesia Portuguesa»: da teoria à concretização poética em Pauis, publicada online pela CLEPUL, em 2013; os dois – extracto adaptado e obra são da autoria de Maria José Lopes Azevedo Domingues.)

O século XIX em Portugal decorreu entre dois importantes acontecimentos históricos que envolveram um grande sofrimento nacional: as invasões francesas, em 1808[1], e o Ultimato inglês[2], em 11 de Janeiro de 1890.
Basílio Teles reuniu esses dois acontecimentos, ao classificar o Ultimato inglês como «o acontecimento mais considerável que, desde as invasões napoleónicas, abalou a sociedade portuguesa» (TELES, B., 1905: 108); e também Eduardo Lourenço, em O Labirinto da Saudade, une esses dois acontecimentos históricos na expressão sintética de «traumatismo-resumo de um século de existência nacional traumatizada» (LOURENÇO, E., 1982: 27). Contudo, é ao falar da «reacção histórico-patriótica ao Ultimatum» que Eduardo Lourenço aclara o primeiro marco histórico-temporal, quando escreve que essa reacção «não é senão a expressão-resumo de uma ferida aberta em 1808 e em contínua supuração ao longo do século» (idem: 93).
Portugal, depois das invasões francesas, das contendas liberais e absolutistas, da fundação de um estado constitucional, da perda do Brasil, dentro de um projecto liberal da regeneração com alguma conflitualidade partidária, conseguira uma certa estabilidade, sobretudo, nas décadas de 1870 e 1880, mais ou menos coincidente com o reinado de D. Luís (1861-89). Todavia, preparava-se uma profunda crise política, com a monarquia constitucional patenteando as suas contradições[3]. A ideologia monárquico-constitucional deixara de interessar a uma parte da juventude, que preferia a ideologia do socialismo e do republicanismo. Dessa juventude, destaca-se a Geração Coimbrã de 1870, que foi, segundo Oliveira Marques, o resultado «da total abertura de Portugal ao mundo civilizado de então, com o progresso das comunicações e a maturidade da liberdade de imprensa», bem como (também segundo Oliveira Marques) o expoente «do Portugal do liberalismo, europeu, moderno, arejado, lutando por arrancar o país ao subdesenvolvimento industrial, comercial e político e o projectar nessa nova sociedade que estava assente na Revolução Industrial, na supremacia burguesa e no regime parlamentar» (MARQUES, A. H. O., 1973: 55-56).
Segundo Eduardo Lourenço, essa Geração pretendia, através da crítica exacerbada e contundente à Pátria, «desentranhar do Portugal quotidiano, mesquinho e decepcionante, um outro, sob ele soterrado, à espera da oportunidade de irromper à luz do sol» (LOURENÇO, E., 1982: 99). Essa atitude de crítica brilhante a Portugal, embora negativa e escarninha, teve o seu ponto de viragem em Janeiro de 1890, com o Ultimato inglês.
Esse acontecimento despoletou a grande crise nacional, ao mesmo tempo que unia os portugueses num sentimento patriótico e fazia surgir, «num momento de exaltação», a «convergência de todas as imagens culturais da Nação» (idem: 106). Como prova disso, registe-se o facto de Antero de Quental ter aceite o cargo de Presidente da Liga Patriótica do Norte[4], proferindo o discurso inaugural em 7 de Março de 1890. À conversão de Antero de um «movimento de diástole» para um «movimento de sístole» (LOPES, T. R., 1984: 627)[5] seguiu-se a de Guerra Junqueiro, Oliveira Martins, Teófilo Braga e também Eça de Queirós, com as obras A Cidade e as Serras (1900) e a Ilustre Casa de Ramires (1901).
Para aclarar a conversão de Antero, recorde-se a sua carta a Oliveira Martins, de 25 de Janeiro de 1890, cujo início é, de imediato, a revelação de uma comoção profunda até às lágrimas, causada pelas contradições entre a sua inteligência e a sua emoção, frente à reacção popular ao Ultimato. Escreve então:

[…] Não estava ainda tudo morto, tudo podre, nesta pobre terra. Mas que ignorância, que cegueira! É horrível ver assim um povo agitar-se nas trevas, sem ter quem o dirija! E este divórcio da nação e do mundo oficial e governante! Dir-se-á que são duas nações distintas. […] No meio do terramoto não quero, nem é digno da minha filosofia ficar mero espectador. […] O meu carácter é o de filósofo e moralista, não o de homem político. Mas dentro destes limites, concorrerei para a obra comum (QUENTAL, A., 1996: 121-122).

Dias depois, Antero foi convidado para a presidência da Liga do Norte (de curta duração)[6], cargo que aceitou.
A carta citada talvez possa explicar a mudança de posição da elite intelectual face ao povo português, quando Antero afirmava que «não estava ainda tudo morto, nem podre, nesta pobre terra». Salvava-se o genuíno povo português, na sua saudável reacção patriótica, tal como em todas as crises em que a alma nacional esteve em causa — alma essa que Junqueiro soube captar, prontamente, no seu grito de indignação contra o ultimato, já que, em Fevereiro de 1890, publicava Finis Patriae.
É sobre essa «alma da Pátria a bradar moribunda, / Num arquejo de dor e de vingança» aos portões do castelo do rei, em Finis Patriae (JUNQUEIRO, G., 1891: 46), e sobre a sua visão fantasmagórica, em Pátria, saindo do incêndio destruidor do regime para se unir ao povo (JUNQUEIRO, G., s.d.: 128-129), que, a partir daí, certos intelectuais se irão debruçar, nomeadamente os saudosistas.
Com o seu poder de síntese, Fernando Pessoa equacionou o acontecimento histórico com a literatura, de uma forma singular, no texto de 1915, «Para a memória de António Nobre»:

Quando a hora do ultimatum abriu em Portugal, para não mais se fecharem, as portas do templo de Jano, o deus bifronte revelou-se na literatura nas duas maneiras correspondentes à dupla direcção do seu olhar. Junqueiro – o de «Pátria» e de «Finis Patriae» – foi a face que olha para o Futuro, e se exalta. António Nobre foi a face que olha para o Passado, e se entristece (FP.OPP, II: 1235).
Retomando a reacção nacional contra o Ultimato inglês, verifica-se que, um ano após a carta de Antero, eclodiu no Porto, em 31 de Janeiro de 1891, a primeira revolta republicana, tendo sido, no entanto, sufocada de imediato.
A importância de tal acontecimento foi realçada por Fernando Pessoa, no segundo artigo de 1912, «Reincidindo…», em que valoriza política e literariamente a data de 31 de Janeiro, considerando esse acontecimento o «primeiro sinal de transformação política», coincidindo com o surgimento de uma nova corrente literária:

Paralelamente, a corrente literária portuguesa rompe coincidentemente com o movimento de 31 de Janeiro, primeiro sinal de transformação política, e vai acompanhando toda a agitação transformadora que é de hoje em Portugal e cujo segundo passo, vitoriosamente transformador este, foi o que pôs ponto, em 5 de Outubro de 1910, ao período revolucionário (1891-1910) do constitucionalismo português (FP.OPP, II: 1160).

Sobre a revolta do Porto, Joel Serrão afirma ter sido essa rebelião de «inspiração e aspiração republicana»; e, pondo a tónica, não na ideologia, mas na emoção nacional, analisa-a como ponto de chegada – «o remate da profunda emoção nacional suscitada pelo ultimato» – e como acelerador do processo conducente à República, referindo-se ao seu «papel de grande relevo na história da conquista do Poder pelo republicanismo, que culminou com a revolução de 5 de Outubro de 1910»[7]. E explica:

O fenómeno mental do republicanismo integra-se, pois, no condicionalismo português do fim do século, cujos vectores, interferindo-se, eram, porventura, a consciência do passado glorioso, a consciência do presente humilhado e o nebuloso projecto nacional de resgate (mais atinente à esfera da emoção que ao nível das ideias) (SERRÃO, J., 1989a, III: 351).

Numa visão antagónica, Rui Ramos, na História de Portugal dirigida por José Mattoso, minimiza a revolta, apelidando-a de «A sargentada» (RAMOS, R., 1994, VI: 187). Pelo contrário, José Augusto Seabra, no número sete do jornal República, datado de Maio de 2001, em artigo intitulado «O 31 de Janeiro e a cultura cívica europeia»[8], considerou o levantamento militar e popular portuense contra o Ultimatum como «um acontecimento-chave da […] história moderna» do Porto, realçando o sacrifício dos heróis do 31 de Janeiro que «fecundaram o húmus de onde iriam brotar as sementes vivas que no 5 de Outubro de 1910 haveriam de germinar na República democrática enfim vitoriosa». Acrescenta ainda, no mesmo artigo, que o acontecimento não fora apenas político, mas cultural, referindo a obra de Sampaio Bruno[9], de Basílio Teles e o eco poético do facto histórico em Pátria de Junqueiro – a “obra capital" da literatura portuguesa, «ombreando com Os Lusíadas»[10]. Seabra homenageia essa geração revolucionária portuense e refere as consequências culturais nas gerações vindouras, com destaque para o grupo de intelectuais que, em 1911, fundou a sociedade denominada Renascença Portuguesa – que fez do Porto «o centro de reencontro das grandes tradições nacionais com a modernidade pela conjunção da traditio e da revolutio que a caracterizou».
Em suma: o traumático Ultimato, ao contrário do que se poderia esperar, inverteu a imagem de Portugal decadente numa «espécie de nação idílica sem igual», fazendo surgir, no final do século XIX, «o misticismo nacionalista»[11] de que «o Saudosismo será, mais tarde, a tradução poético-ideológica […], tradução genial que representa a mais profunda e sublime metamorfose da nossa realidade vivida e concebida como irreal» (LOURENÇO, E., 1982: 28). E a crise de consciência nacional, por ele desencadeada, provocou movimentos estéticos pendulares entre «traditio» e «revolutio», como escreveu José Augusto Seabra, a propósito da Renascença Portuguesa.
Do ponto de vista sócio-político, o Ultimato teve como consequências: a expansão e o fortalecimento do republicanismo, identificado com um projecto de ressurgimento nacional, a que a derrota da insurreição do Porto de 31 de Janeiro de 1891 veio dar alento ideológico; o desenvolvimento do colonialismo e do nacionalismo, absorvido pelo ideário republicano; o desencadeamento de «toda a casta de sonhos românticos para o futuro» (MARQUES, A. H. O., 1973: 244). A esses sonhos Óscar Lopes deu o nome de uma «súbita consciência da utopia» (LOPES, Ó., 1987a: 12), onde vão enraizar as «virtualidades estéticas das novas correntes literárias» (REYNAUD, M. J., 1988: 97).
Bibliografia
BRUNO, José Pereira de Sampaio (1898) – O Brasil Mental – esboço crítico, Porto, Lello & Irmão, editores.
BRUNO, José Pereira de Sampaio (1902) – A Ideia de Deus, Porto, Lello & Irmão Editores.
COIMBRA, Leonardo (1912) – «O Regresso ao Paraíso por Teixeira da Pascoaes», in A Águia, série II, nº6, Junho, pp.197-199.
JUNQUEIRO, Abílio Guerra (1891) – Finis Patriae, 2.ª edição, Porto, Empresa literária e Tipografia – Editora.
JUNQUEIRO, Abílio Guerra (s.d.) – Pátria, Lisboa, Publicações Europa – América, nº404.
LOPES, Óscar (1987) – Entre Fialho e Nemésio — Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2 vols.
LOPES, Teresa Rita (1984) – «A Raça Bela Adormecida para Pessoa e os Saudosistas», in Afecto às letras. Homenagem da Literatura Portuguesa Contemporânea a Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, pp.623-632.
LOURENÇO, Eduardo (1982) – O Labirinto da Saudade, Psicanálise Mítica do Destino Português, 2.ª edição, Lisboa, Publicações D. Quixote.
MACHADO, Augusto Reis (1989) – «Liga Patriótica do Norte», in Dicionário de História de Portugal, direcção de Joel Serrão, vol. III, Porto, Livraria Figueirinhas, p.520-521.
MARQUES, A. H. de Oliveira Marques (1972) – História de Portugal, Lisboa, vol. I, Palas Editores.
MARQUES, A. H. de Oliveira Marques (1973) – História de Portugal, Lisboa, vol. II, Palas Editores.
FP.OPP, I, II, III - PESSOA, Fernando (1986) Obra Poética e em Prosa, organização de António Quadros, Porto, Lello & Irmão Editores, vols. I, II, III.
QUEIRÓS, Eça de (s.d.) – «Um génio que era um santo», Notas Contemporâneas, Lisboa, Livros do Brasil, pp.251-288.
QUENTAL, Antero (1996) – Novas Cartas Inéditas de Antero de Quental, introdução, organização e notas de Lúcio Craveiro da Silva, Colecção “Investigação e Cultura Superior”, n.º1, Faculdade de Filosofia de Braga.
RAMOS, Rui (1994) – A Segunda Fundação (1890-1926), vol. VI de História de Portugal, direcção de José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores.
REYNAUD, Maria João (1988) – «“Entre Fialho e Nemésio”: A Actualidade de um Percurso», in Colóquio Letras, nº102, Março-Abril, pp.95-99.
SANTOS, Alfredo Ribeiro dos (1987) – «Génese e precursores da “Renascença Portuguesa», in Nova Renascença, nº7, Póvoa de Varzim, pp.196-198.
SANTOS, Delfim (1989) – «Bruno, José Pereira de Sampaio», in Dicionário de Literatura, direcção de Jacinto do Prado Coelho, vol. I, 3ª edição, Porto, Figueirinhas, pp.127-128.
SEABRA, José Augusto Seabra (2001) – «O 31 de Janeiro e a cultura cívica europeia», in República, n.º7, Maio de 2001 (consulta a 1 de Julho de 2007, em http://www.republica.pt/jornal7_ficheiros/jaseabra7.htm).
SERRÃO, Joel (1989) – «BRUNO, José Pereira de Sampaio», in Dicionário de História de Portugal, direcção de Joel Serrão, vol. I, pp.389-390.
SERRÃO, Joel (1989a) – «Janeiro de 1891, revolta de 31 de», in Dicionário de História de Portugal, direcção de Joel Serrão, vol. III, Porto, Livraria Figueirinhas pp.351-354.
SERRÃO, Joel (1989b) – «Ultimatum, o (1890)», in Dicionário de História de Portugal, direcção de Joel Serrão, vol. VI, Porto, Livraria Figueirinhas, pp.219-224.
Inglesa, Apáginastantas, Lisboa.
TELES, Basílio (1905) – Do Ultimatum ao 31 de Janeiro: esboço de história política, Porto, Basílio Teles, editor.






[1] Note-se que 1807 fora o ano do ultimato francês e espanhol, que obrigava Portugal a declarar guerra à Inglaterra ou a ser invadido. Em consequência, a família real partiu para o Brasil, onde permaneceu durante 14 anos, e, a partir de 1808, Portugal foi transformado em campo de batalha entre ingleses (fortalecidos pela resistência popular) e franceses, até ao Congresso de Viena (1814-1815) (MARQUES, A.H.O., 1972: 577-580).
[2] Recorde-se que, segundo esse documento, Portugal era obrigado a renunciar a eventuais pretensões sobre o território que ligava Angola a Moçambique (hoje a Zâmbia e a Rodésia), provocando a morte do sonho nacional do chamado Mapa Cor-de-Rosa – a ligação por terra de Angola a Moçambique, constituindo, desse modo, um só território, um novo Brasil. Em 20 de Agosto do mesmo ano, nas negociações do tratado anglo-português, entre outras cláusulas, ficara assente que a Inglaterra reservava «o direito de se pronunciar sobre o destino das colónias portuguesas» (RAMOS, R., 1994: 142).
[3] Refira-se que, na década de 1870 a 1880, surgira uma nova consciência política nacional, desenvolvida sobretudo a partir das revoluções espanhola e francesa dos anos de 1870. Os problemas sociais agravavam-se, conduzindo à emigração. O anticlericalismo prosseguia e desenvolvia-se «como catalisador de muito descontentamento e de muita oposição às instituições» (MARQUES, A. H. O., 1973: 107).
[4] Refira-se que a Liga tinha como objectivos, citados por Augusto Reis Machado: «[…] promover a defesa material, o fomento económico, a reorganização financeira e todos os progressos que melhor garantam no futuro a independência e prosperidade da Nação» (MACHADO, A. R., 1989: 520).
[5] Note-se que os termos «diástole» e «sístole» são aplicados neste texto, no sentido dado por Teresa Rita Lopes aos respectivos movimentos pendulares da história literária portuguesa, ora virada para o estrangeiro, ora regressando ao coração da nacionalidade (LOPES, T. R., 1984: 627). Porém, a metáfora dos termos diástole e sístole, em sentido ligeiramente diferente, fora aplicada por Leonardo Coimbra, na recensão crítica de «O Regresso ao Paraíso por Teixeira da Pascoaes»: «Pascoaes, que até aqui tinha sentido as sístoles e as diástoles locais do coração dos seres, é agora a diástole do grande Coração divino» (COIMBRA, L., 1912:197-198).
[6] Cite-se ainda Eça de Queirós, em «Um génio que era um santo»: «E a Liga, que ainda mal nascera, já findava decomposta. Tão decomposta que dentro dela não restava outro movimento senão o fervilhar dos vermes partidários. Regeneradores e Históricos. Quando se acabaram de elaborar os estatutos, que eram o programa muito complexo da Nova Vida, a Liga já não existia […]». E, sobre outra sessão, escreveu: «[…] como ventava e chovia, só apareceram dois membros da Liga, o presidente, que era Antero de Quental, e o secretário, que era o conde de Resende» (QUEIRÓS, E., s.d.: 281).
[7] Registe-se que, segundo Joel Serrão, essa emoção nacional conduziria ao «messianismo de Sampaio Bruno e, posteriormente, ao saudosismo da Renascença Portuguesa» (SERRÃO, J., 1989a, III: 351).
[8] Registe-se que o artigo referido visava a celebração da data de 31 de Janeiro, no âmbito do «Porto capital europeia da cultura» (consulta realizada em 1 de Julho de 2007, em:
[9] Saliente-se a importância determinante de Sampaio Bruno, nas palavras de A. Ribeiro dos Santos: «[…] ensaísta e doutrinário político republicano que alcançou grande prestígio pela sua acção de pedagogia cívica, iniciada ao lado de Antero na Liga Patriótica do Norte e continuada, após o exílio subsequente ao 31 de Janeiro, numa intervenção jornalística incansável. Ele inspirou os jovens renascentistas, empenhados na mesma luta que travou contra a ditadura de João Franco, primeira prova por que todos passaram, nas suas lides libertárias» (SANTOS, A. R., 1987: 197). Acrescente-se a referência de Joel Serrão à influência da obra de Sampaio Bruno, em Junqueiro, Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão e Fernando Pessoa (SERRÃO, J., 1989: 390); e ainda o facto de Bruno ter sido considerado «um dos primeiros críticos do positivismo de Comte» (SANTOS, D., 1989: 127-128).
[10] Refira-se que Sampaio Bruno, em O Brasil Mental, destaca o valor de Pátria, de Guerra Junqueiro, como «a obra do romantismo político (singelo, ingénuo, ludibriado)» (BRUNO, J. P. S., 1898: 76) e compara-a a Os Lusíadas, unindo as duas obras e os dois autores respectivos, por possuírem «o dom de significar as crises interiores pelo prestígio da vestidura das representações concretas» e criarem «entrechos para desvendarem a alma» (idem: 61-62). Porém, Fernando Pessoa vai mais longe, considerando Pátria «não só a maior obra dos últimos trinta anos, mas a obra capital do que há até agora de nossa literatura», colocando Os Lusíadas em segundo lugar (FP. OPP, II: 1234).
[11] Veja-se o recurso às figuras míticas da resistência nacionalista: «Resta acreditar na academia como outrora se acreditou em Nun’Álvares. “Ressuscitemos Nun’Álvares. Ergamos o seu vulto, quer nas escolas, quer nos templos”, foi a palavra de ordem proferida por Guerra Junqueiro no comício promovido pelo Grupo Republicano de Estudos Sociais, em 27 de Julho de 1897» (BOAVIDA., A. M. C., 1983: 745).

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

“Governar para as elites – Sequestro Democrático e Desigualdade Económica”

De entre recortes de jornais por tratar, destacava-se o ensaio, publicado no semanário Expresso de 11 de Janeiro, «A democracia na Europa de hoje» de Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão, que esteve em Portugal para debater os problemas mundiais, nomeadamente, aqueles que respeitam à «transformação da democracia que actualmente encaramos na Europa». A primeira questão abordada pela perplexidade despertada nos «cientistas políticos» respeita ao paradoxo - «indiferença política crescente e envolvimento intensificado» – «a síndrome do ‘pós-democracia’». E explica que a globalização, especialmente do sistema de mercados financeiros, iniciada nos anos 70, colocou esses mercados fora do alcance da regulação nacional. Em consequência, o gasto público reduziu-se e foi reforçada a desigualdade social.
A propósito da desigualdade social, refira-se o relatório da Oxfam com o título “Governar para as elites – Sequestro Democrático e Desigualdade Económica”, apresentado no fórum económico mundial de Davos - 1914, que apresenta conclusões terríficas acerca da desigualdade social (dados recolhidos nos semanários Expresso e Sol):
1.       as 85 pessoas mais ricas do mundo concentram tantos recursos como a metade mais pobre da população mundial;
2.      a concentração de 46% da riqueza em mãos de uma minoria supõe um nível de desigualdade "sem precedentes" que ameaça "perpetuar as diferenças entre ricos e pobres até as tornar irreversíveis";
3.      os cerca de 1% dos mais ricos aumentaram os rendimentos em 24 dos 26 países para os quais os dados estão disponíveis entre 1980 e 2012 e sete em cada dez pessoas vivem em países onde a desigualdade económica aumentou nos últimos 30 anos;
4.      os cerca de 1% dos mais ricos na China, em Portugal e nos Estados Unidos mais do que duplicaram os rendimentos nacionais desde 1980 e mesmo nos países com a reputação de serem mais igualitários como a Suécia e a Noruega, a riqueza dos 1% mais ricos aumentou 50% no período em referência;
5.      há 18,5 biliões de dólares (13,6 biliões de euros) não registados e em países terceiros de baixa tributação, pelo que na realidade a concentração de riqueza é muito maior;
6.      210 pessoas juntaram-se em 2013 ao clube dos multimilionários cuja fortuna é superior aos mil milhões de dólares, formado por um conjunto de 1.426 pessoas que concentram uma riqueza 5,4 biliões de dólares (quase quatro biliões de euros):
7.      este aumento das desigualdades deve-se em grande parte à desregulamentação financeira, aos sistemas fiscais e às regras que facilitam a evasão fiscal.

Estes são dados incontornáveis por serem verificações. O mal-estar sentido politicamente pelo cidadão comum tem esta base alarmante. Melhora-se com o esclarecimento, para que se possa avançar na acção. Mas que acção? Voltaremos ao assunto com Habermas.