segunda-feira, 21 de junho de 2010

Homenagem a José Saramago

«Lisboa estava ganha, perdera-se Lisboa. após a rendição do castelo, estancou-se a sangueira. Porém, quando o sol descendo para o mar, tocou o nítido horizonte, ouviu-se a voz do almuadem da mesquita maior clamando pela última vez lá do alto, onde se refugiara, Allahu akbar. Arrepiaram-se as  carnes dos mouros à chamada de Alá, mas o apelo não chegou ao fim porque um soldado cristão de mais zelosa fé [...] subiu correndo à almádena e de um só golpe de espada degolou o velho, em cujos olhos cegos uma luz relampejou no momento de apagar-se-lhe a vida. [...]
[...] Acabaste e ele respondeu, Sim, acabei, Queres dizer-me como termina, Com a morte do almuadem, [...]. A cabeça de Maria Sara descansa no ombro de Raimundo, com a mão esquerda ele acaricia-lhe o cabelo e a face. Não adormeceram logo. Sob o alpendre da varanda respirava uma sombra.»

(Final de O Cerco de Lisboa de José Saramago)

domingo, 20 de junho de 2010

EPITÁFIO DE JOSÉ SARAMAGO

Partiu em Junho, o mês de Luís de Camões e de Fernando Pessoa. E, a partir de agora, o mês de José Saramago.

A 10, celebra-se Luís de Camões (1525 (?)- 1580)

«No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Du(m)a austera, apagada e vil tristeza.»
(Os Lusíadas, estância 145.)

A 13, Fernando Pessoa (13/ 06/1888 - 30/11/1935)

«Eras sobre eras se somem
No tempo que em  eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!»
(Mensagem, in «O Quinto Império».)



A 18, José Saramago (16/11/1922 - 18/06/2010)
«Tome-se um poeta não cansado,
Uma nuvem de sonho e uma flor,
Três gotas de tristeza, um tom dourado,
Uma veia sangrando de pavor,
Quando a massa já ferve e se retorce
Deita-se a luz dum corpo de mulher,
Duma pitada de morte se reforce,
Que um amor de poeta assim requer.»
(Colóquio/Letras, n.º151/152, p.25.)

Que inúmeros cérebros devorem a vossa Obra imortal!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Porque é que a Terra anda em volta do Sol?

 (lendo Mundos Paralelos de Michio Kaku)


Todo o mundo é um palco
E todos os homens e mulheres são meros actores,
Todos entram e saem.

Shakespeare (1564-1616) metaforizou desse modo o mundo.
Newton ( 1643-1727) «concebia o espaço e o tempo como uma vasta arena vazia onde os eventos podiam ocorrer, de acordo com as suas leis do movimento. O palco estava cheio de maravilhas e de mistérios, mas era essencialmente inerte e desprovido de movimento, assistindo passivamente à mudança da natureza».
Einstein revolucionou a ideia de palco, transformando o próprio palco numa parte importante da vida. O espaço e o tempo não eram uma arena estática, mas dinâmica, inclinando-se e curvando-se de formas estranhas. Em vez de palco, uma rede de circo, sugere Kaku, onde os actores caem suavemente sob o próprio peso.
Há uma imagem de Michio Kaku, bem mais explícita: uma bola de bowling a afundar-se suavemente num colchão, um berlinde que se atira para a superfície abaulada do colchão. Observa-se, então, que o berlinde percorrerá uma trajectória curva, orbitando em torno da bola de bowling. «É óbvio que não existe nenhuma força. Há apenas uma inclinação no colchão, que obriga o berlinde a mexer-se numa linha curva». Depois, Kaku desfaz a metáfora: o berlinde representa a Terra; a bola de bowling, o Sol; o colchão, o espaço-tempo. E apresenta a conclusão: a Terra  move-se em volta do Sol «não devido à atracção da gravidade, mas porque o Sol deforma o espaço em redor da Terra, criando um impulso que obriga a Terra a mover-se num círculo». «A gravidade não atrai; o espaço empurra». «Nesta nova e surpreendente representação, a gravidade não era uma força independente que preenchesse o Universo, mas o efeito aparente da curvatura da estrutura do espaço-tempo. [...] Nesta brilhante teoria, a curvatura de espaço-tempo era determinada pela matéria e energia que continha», à semelhança  do que acontece quando se atira uma pedra  ao lago,  gerando uma série de ondas que se propagam: quanto maior for a pedra  maior será a deformação da superfície do lago.Assim, «quanto maior for a estrela, maior será a curvatura do espaço-tempo à sua volta».

sábado, 5 de junho de 2010

Estado Social - a destruição

Reciclando o Expresso:
«O CAMINHO PARA A SERVIDÃO» (Daniel Oliveira): a destruição do Estado Social em curso.
  1. O autor valoriza o Estado Social pela libertação de cada indivíduo, face à família ( capaz de exercer o seu poder até à excisão feminina), face ao patronato, face à religião, etc. Regista-se a frase: «Através do Estado Social, construímos, na segunda metade do século XX, as sociedades mais livres da História».
    Para além do artigo:
    Acrescenta-se que, num primeiro momento da crise internacional, percepcionou-se o Estado Social como o possível salvador, para paulatinamente se ir verificando que ele próprio estava a ser posto em causa. Uma certeza parece existir: o dinheiro em dinamismo é o salvador. Mas, sendo ele uma invenção do homem, não poderá ser reciclado e transformado em algo mais interessante para o ser humano? Esse jogo já foi jogado até à exaustão, não poderá criar-se um outro?
  2. Do mesmo autor, regista-se «a união nacional da opinião», em «Ditadura de opinião», por se concordar com o teor da expressão crítica.
    Para além do artigo:
    O unanimismo opinioso tipo ralhete Medina Carreira (sublinhado pelo sorriso concordato de Mário Crespo e pela palmatória de Nuno Crato) e a verrina anti-socrática dominam a comunicação social e os emails em série. Somos mesmo bons na escola tradicional a dar lições sentenciosas aos outros e a pôr-lhes orelhas de burro! Falta sempre quem (olhando para os outros, mas também para si próprio) se consiga superar e surja com soluções para os problemas e se apresente com vontade de os resolver, na certeza de que todos contribuímos, mais ou menos, para a crise existente, como bons consumidores. E a sociedade capitalista baseia-se em quê? Pois, no consumo. E viva o paradoxo. E podemos regular um paradoxo?