domingo, 28 de janeiro de 2018

Os Lusíadas - Canto V - A Viagem






A Viagem de Vasco da Gama
de Lisboa a Melinde,
no Canto V de Os Lusíadas


Maria José Domingues
Braga, 2004


Introdução

            Abordar um acontecimento histórico, como o é a viagem de Vasco da Gama à Índia, em 1497-98, a partir de Os Lusíadas, pressupõe esta questão elementar: poderemos numa epopeia, mesmo quando ela tem por base a própria História, buscar a verdade histórica dos feitos humanos?

            1. A epopeia traz um valor acrescentado, transfigurando a realidade. A imaginação do poeta épico trabalha sobre materiais que lhe são previamente fornecidos. São as fontes históricas, sempre indagadas pelos historiadores. Por outro lado, o poeta épico nunca é um ser isolado. Pelo contrário, a sua sensibilidade fá-lo parte integrante de uma comunidade. Tem o privilégio de captar e fazer seu o sentimento colectivo. «Uma epopeia é essencialmente a criação poética suscitada pela emoção colectiva produzida por feitos excepcionalmente heróicos», escreve Hernâni Cidade[1].
            Cerca de meio século foi o suficiente para que essa consciência da importância da viagem se tornasse consciência nacional. Sem essa dimensão, Os Lusíadas não teriam sido possíveis. Mas, se é um dado adquirido que sem o feito histórico de 1497-98 não haveria Lusíadas (ou haveria outro poema completamente diferente), sem a epopeia nacional a primeira chegada à Índia por mar teria uma recepção muito mais reduzida. O próprio Camões, no seu génio, teve a percepção dessa superioridade da sua arte poética por contraste com a matéria histórica fornecida pelo herói de carne e osso, quando manda Vasco da Gama (ou os seus herdeiros por ele) ficar grato às musas, inspiradoras do Poeta: «Às musas agradeça o nosso Gama» (Canto V, 99, 1).
Em Os Lusíadas as fontes históricas, sem deixarem de valer por si, adquirem a grandeza que só a verdadeira arte confere. Fale-se então da mistificação da realidade histórica, distinguindo bem o que pertence à História e o valor acrescentado pela Literatura. O crítico literário não pode menosprezar as fontes históricas, não porque os materiais históricos valham por si mesmos, mas pelo imperativo de examinar o próprio acto criador ou recriador dos escritos. Se o leitor de Os Lusíadas souber que Manuel de Sousa Sepúlveda sepultou nas areias africanas sua dilecta esposa, Leonor de Sá, tendo depois «andado por esses matos, não há dúvida senão que seria comido de tigres e leões»[2], avaliará melhor a recriação poética de Camões, que junta na mesma cova para a eternidade o célebre casal - «Abraçados, as almas soltarão / Da formosa e misérrima prisão»[3].
            Aliás, a distanciação operada pela instância narrativa da ficção começa logo na perspectiva do narrador, mesmo que se trate do narrador heterodiegético, mas sobretudo quando há recurso ao narrador homodiegético. A desatenção ao código literário pode induzir em erro.
            Finalmente, convém ter presente que Camões pretende garantir a historicidade das acções cantadas em Os Lusíadas: «Ouvi: que não vereis com vãs façanhas/ fantásticas, fingidas, mentirosas/ Louvar os vossos, como nas estranhas/ Musas de engrandecer-se desejosas: / As verdadeiras vossas são tamanhas, / Que excedem as sonhadas, fabulosas,»[4] de outras epopeias antigas e modernas.
            Camões é o poeta fingidor, segundo o paradigma que Fernando Pessoa haverá de enunciar na sua Autopsicografia. Foi o seu «fingimento» que o colocou a grande distância dos historiadores em que se apoia.
           
            2. O presente trabalho vai privilegiar as fontes históricas da epopeia, tentando responder à questão formulada no primeiro parágrafo. Para isso, fez-se o estudo dos textos da expansão portuguesa mais directamente ligados à primeira viagem marítima à Índia pela frota portuguesa capitaneada por Vasco da Gama, até à chegada a Melinde. Contactaram-se e compararam-se três textos históricos que narram a primeira viagem à Índia, tendo sobretudo como referência as estâncias da rota do Gama no canto V de Os Lusíadas. Seguidamente apresentaram-se algumas conclusões.
           
            Sobre a importância de tal viagem, digamos apenas que ela representa a união do Oceano Atlântico ao Oceano Índico, com tudo o que isso representa no campo do conhecimento geográfico, astronómico e histórico, para além da mais-valia comercial e consequentemente económica, no quase dealbar do século XVI.


I. A viagem de Vasco da Gama vista por Camões (até ao final do Canto IV)

I.1. O sujeito da acção principal de Os Lusíadas: «Os vossos Argonautas»

            O sujeito da acção principal da epopeia é apresentado no epílogo da dedicatória a D. Sebastião, no Canto I, estrofe 18, verso 5. Aí o poeta apresenta o sujeito da acção estruturante da narrativa: «E vereis ir cortando o salso argento / Os vossos Argonautas, por que vejam / que são vistos de vós no mar irado, / E costumai-vos já a ser invocado.»
            «Os vossos Argonautas» são o sujeito expresso de «Já no largo oceano navegavam, / As inquietas ondas apartando;», versos 1 e 2 da estrofe 19, com a qual o poeta insere a acção principal no poema.
            Que poderemos entender por esse sujeito – «Os vossos Argonautas» –, escolhido por Camões, para a acção principal?
            A resposta óbvia é que estamos perante um poeta de gosto clássico, não sendo de estranhar o uso de vocábulos apontadores de uma profunda cultura greco-latina. Se fala das aventuras dos marinheiros portugueses, porque não chamar-lhes Argonautas?
            Reflicta-se, apesar do óbvio, sobre o significado, mais que conhecido, da figura lendária dos Argonautas, com génese anterior à Odisseia. “Argonautas” foi o nome dado aos heróis gregos, que acompanharam Jasão na sua expedição à Cólquida para conquistar o velo de ouro. Para o efeito, construiu-se o navio Argo. Depois de uma longa e difícil viagem, Jasão chegou à Cólquida, onde, com a ajuda de Medeia, filha de Eetes, o dono e guardador do velo de ouro, conseguiu o que pretendia. Em fuga, Jasão e Medeia, no meio das maiores dificuldades, atravessaram rios e mares e chegaram à pátria grega. A lenda conservou na memória a lembrança das primeiras viagens que fizeram os gregos no Helesponto, no Mar Negro, e através da Europa ao longo dos grandes rios[5].
            O termo não poderia ser melhor aplicado. Os nautas portugueses atravessam os mares desconhecidos, no meio de incertezas e dificuldades, à procura de riqueza e poder, que a sua pequena pátria não possuía, criando, como consequência, o valor acrescentado «do saber de experiência feito», do conhecimento de novos mares, novas terras e novas gentes. Pretende o poeta épico criar a epopeia que propague a memória das primeiras viagens marítimas dos portugueses, com tudo o mais que ela implica como descoberta antropocêntrica.
            Quem cantou os Argonautas através da epopeia Argonáutica foi Apolónio de Rodes (c. de 295 a.C.) – homem de grande erudição no domínio da mitologia, da geografia, da etimologia, e introdutor da pintura do amor entre Jasão e Medeia. A sua epopeia inspira-se nas epopeias homéricas[6]. José Maria Rodrigues concluiu que Camões terá lido Argonautica , na versão de Valério Flaco, ao preparar-se para escrever Os Lusíadas[7].
            Camões poderá ter tido em conta estes saberes clássicos ao apelidar os marinheiros portugueses de Argonautas, numa construção argonáutica portuguesa. Descendo do mito numa transposição para o real, poder-se-á levantar a hipótese de os argonautas serem os marinheiros portugueses e Jasão, Vasco da Gama? Medeia continuaria, no campo mítico, convertida na anfitriã da Ilha dos Amores – Téthis? Téthis, uma das divindades primordiais das teogonias helénicas, casara com Oceano, personificando a fecundidade feminina do mar pelos inúmeros filhos que gerara. É introduzida no Poema, na dedicatória a D. Sebastião com uma proposta de casamento, na segunda metade da estrofe 16: «Tethys todo o cerúleo senhorio / Tem pera vós por dote aparelhado, / Que, afeiçoada ao gesto belo e tenro, / Deseja de comprar-vos para genro.». Revelaria esta proposta a preocupação política de Camões com o futuro da independência nacional, caso o rei não deixasse herdeiro? Seria um convite a que seguisse o destino dos mares e não a aventura no Norte de África, que lhe    haveria de trazer a morte?

Conclusão

  • A primeira parte da acção principal ocupa apenas a estância 19 do Canto I:
    • «os vossos Argonautas», da estância 18, são o sujeito dos dois primeiros versos - «Já no largo Oceano navegavam,/ As inquietas ondas apartando; […]».
    • Navegavam os argonautas portugueses, em tranquilidade, com ventos favoráveis.
    • No final da estância, localiza a acção no tempo, referindo «o gado de Próteu», simbolizando o signo do Zodíaco de Peixes.
  • A transição entre a dedicatória e a narração faz-se com grande mestria integrativa através da enunciação do sujeito dos dois primeiros versos da estrofe 19, no sexto verso da estrofe 18, final da Dedicatória.

I.2. A primeira localização espacial dos portugueses no mar

         A segunda parte da acção principal tem início na estrofe 42 do canto I, e localiza a acção no espaço: «Entre a costa Etiópica e a famosa / Ilha de São Lourenço […]», localizada no canto X, 137, 7-8, «De São Lourenço vê a Ilha afamada, / Que Madagáscar é dalguns chamada.»
            A introdução do leitor no meio da acção nas epopeias clássicas é um preceito formulado na Arte Poética de Horácio, que Camões segue a preceito[8].
            Francis Rogers, estudioso camoniano, viu na referência «O promontório prasso já passavam,» (estrofe 43, verso 5), para além da influência clássica, a vontade de Camões ligar a sua obra à de outro exemplo de arte literária. Segundo este estudioso, esse promontório serviu de referência localizadora da meta quase alcançada pelos portugueses nas suas viagens marítimas, na notícia dada ao mundo por Vasco Fernandes de Lucena - orador do rei D João II - na Oração de Obediência proferida em latim na presença do papa Inocêncio VIII, em 9 de Dezembro de 1485: «Com efeito, a maior parte do circuito de África tendo sido então completado, os nossos no ano passado chegaram quase ao Promontório Prasso, lá onde começa o Golfo Barbárico, […]».
            Levanta Rogers a hipótese de Camões ter lido o texto e fixado a referida meta, que mais tarde utilizou na sua epopeia, para iniciar a narração da acção principal[9].
            É historicamente sabido que Bartolomeu Dias descobriu a passagem de Sueste, abrindo o caminho tão desejado para Oriente, chegando até ao Rio do Infante, entre o final de 1487 e o início de 1488.
            O Promontório Prasso da Geografia ptolomaica tem sido apresentado com várias localizações: para uns é o Cabo das Tormentas, para outros, o Cabo Delgado, o Cabo das Correntes, ou ainda uma das pontas da costa africana, perto da ilha de Moçambique. É neste local que Camões o situa. Certo é que em 1485 não fora ainda dobrado, todavia é esse o local escolhido por Camões para colocar a frota portuguesa. 


Caixa de texto: 43
[…]
O promontório Prasso já passavam,
Na costa da Etiópia, nome antigo,
Quando o mar, descobrindo lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava.
54
«Esta ilha pequena que habitamos
É em toda esta terra certa escala
De todos os que as ondas navegamos,
De Quíloa, de Mombaça e de Sofala,
E, por ser necessária, procuramos,
Como próprios da terra, de habitá-la;
E, por que tudo enfim vos notifique,
Chama-se a pequena ilha: Moçambique.»










                



Conclusão
·       A frota de Vasco da Gama encontra-se a navegar no Oceano Índico, perto de Moçambique, no início da narração da acção principal de Os Lusíadas.

I.3. De Moçambique a Melinde

            Na estrofe 44, o Poeta traça o retrato de «Vasco da Gama, o forte Capitão, / Que a tamanhas empresas se oferece, / De soberbo e de altivo coração, / A quem Fortuna sempre favorece,».
            Nas estrofes seguintes, descrevem-se as gentes, saídas de uma das ilhas, que se aproximam curiosas, em embarcações próprias e com indumentárias originais. Sobem pelas cordas e são bem recebidas pelo Capitão com bebidas e alimentos. Falavam árabe. Os portugueses apresentam-se nas estrofes 50, 51 e 52; eles, nas estrofes 53, 54, 55. Fica-se a saber que são estrangeiros muçulmanos naquela terra, e também em Quíloa, Mombaça e Sofala; os autóctones são considerados criados pela «Natura, sem Lei e sem Razão» – um olhar terrível de alteridade; aquela ilha chama-se Moçambique e é uma escala para os navegantes daquelas paragens.
            Os problemas de enganos e traições dos cristãos em terra de árabes decorrem até à chegada a Melinde – porto de abrigo e conforto para os mareantes portugueses, Canto II, estância 73 e seguintes. É a pedido do rei melindano que o protagonista da acção principal vai tomar a palavra para contar a História de Portugal, nos cantos III e IV, e a sua viagem, no canto V.


A viagem vista por Camões até ao final do canto IV- indicação das estâncias:

Canto I
19
Os portugueses no mar
Já no largo Oceano navegavam,
[…]
42
Localização dos portugueses
Enquanto isto se passa na fermosa
Casa etérea do Olimpo omnipotente,
Cortava o mar a gente belicosa
Já lá da banda do Austro e do Oriente,
Entre a costa Etiópica e a famosa
 Ilha de S. Lourenço; e o Sol ardente
Queimava então os Deuses, que Tifeu
Co temor grande em pexes converteu.
43
[…]
O promontório Prasso já passavam,
Na costa da Etiópia, nome antigo,
Quando o mar, descobrindo lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava.
54
«Esta ilha pequena que habitamos
É em toda esta terra certa escala
De todos os que as ondas navegamos,
De Quíloa, de Mombaça e de Sofala,
E, por ser necessária, procuramos,
Como próprios da terra, de habitá-la;
E, por que tudo enfim vos notifique,
Chama-se a pequena ilha: Moçambique.»

As informações enganosas dos Mouros:
98
[…]
E diz-lhe mais, co falso pensamento
[…] Que perto está uma ilha, cujo assento
Povo antigo, cristão sempre habitou
[…]
99
 […]
Quíloa, mui conhecida pela fama.
100
Para lá se inclinava a leda frota;
Mas a deusa em Cítara celebrada,
Vendo como deixava a certa rota
Pera ir buscar a morte não cuidada,
Não onsente que em terra tão remota
Se perca a gente dela tão amada,
E com ventos contrairos a desvia
Donde o piloto falso a leva e guia.
103
Estava a ilha à terra tão chegada
[…]
Mombaça é o nome da Ilha e da cidade.

Canto II
Vénus protege a frota portuguesa, impedindo o desembarque em Mombaça:
22
Põe-se a deusa com outras em dereito
Da proa capitaina, e ali fechando
O caminho da barra, estão de jeito
Que em vão assopra o vento, a vela inchando;
Põe no madeiro duro o brando peito,
Pera detrás a forte nau forçando;
Outras em derredor levando-a estavam,
E da barra inimiga a desviavam.
23
[…]
Tais andavam as ninfas, estorvando
À gente portuguesa o fim nefando.
Reúne o concilio dos deuses, que decide a favor dos portugueses. Mercúrio prepara a recepção em Melinde e dirige-se a Mombaça, onde ainda se encontra a frota temerosa. Aparece em sonhos a Vasco da Gama.
61
Quando Mercúrio em sonhos lhe aparece,
Dizendo: «Fuge, fuge, Lusitano,
Da cilada que o rei malvado tece,
[…]
E outro Rei mais amigo, noutra parte,
Onde podes seguro agasalhar-te.
70
E como o Gama muito desejasse
Piloto pera a Índia, que buscava,
Cuidou que entre estes Mouros o tomasse;
Mas não lhe sucedeu como cuidava,
[…]
Porém dizem-lhe todos que tem perto
Melinde, onde acharão piloto certo.
73
Quando chegava a frota àquela parte,
Onde o Reino de Melinde já se via,
[…]
92
[..]
Quando o Rei Melindano se embarcava,
A ver a frota que no mar estava.
101
Já no batel entrou do Capitão
O Rei, que nos seus braços o levava;
[…]

O Rei de Melinde pede a Vasco da Gama:
109
«Mas antes valeroso capitão,
Nos conta (lhe dezia) diligente,
Da terra tua o clima e região
Do mundo onde morais, distintamenete;
E assi de vossa antiga geração,
[…]
Canto III – Gama conta a história de Portugal até D. Fernando.
Canto IV – Gama continua a contar a História de Portugal, desde a morte de D. Fernando até à partida da armada da praia do Restelo, ao som da voz do Velho do Restelo.


II. A viagem de Vasco da Gama vista por Camões, no Canto V

II.1. As fontes textuais

            As fontes documentais trabalhadas estão na base do roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, seguido por Camões, com alguns desvios abrangentes de outras viagens realizadas por portugueses.
            Como primeira fonte informativa dos roteiros da viagem, encontra-se a obra atribuída a Álvaro Velho, que terá sido o relato de bordo de tal viagem – Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia, [10] a que Ana Paula Avelar Menino prefere dar a designação de Relação, por omissão de indicações geográficas características de um roteiro[11]. A obra consultada é da responsabilidade do Professor José Marques da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de 1999. No âmbito das Comemorações do V Centenário dos Descobrimentos Portugueses, o autor destaca a única cópia conhecida do relato, um códice existente nos Reservados da Biblioteca Pública Municipal do Porto chamando-lhe «um monumento gráfico», testemunho e referência da primeira viagem marítima à Índia realizada pelos portugueses. Esse documento foi objecto de um projecto para uma nova edição de fácil mas fiel leitura, com o máximo respeito pela sua escrita. Reproduziu-se em fac-simile e propôs-se uma leitura com base no confronto da transcrição do autor com a de quatro edições identificadas, evidenciando, em notas, as diferenças.
            Admitindo a hipótese de que o Roteiro – o manuscrito que relata a primeira viagem de Vasco da Gama à Índia - tenha sido uma das fontes de Fernão Lopes de Castanheda e de João de Barros, principais fontes comprovadas de Os Lusíadas,  fez-se o registo textual dos quatro textos, com objectivos comparativos e conclusivos.
            Confrontaram-se os textos históricos de Fernão Lopes de Castanheda e de João de Barros, respectivamente História do Descobrimento e Conquista Índia pelos Portugueses[12] e Décadas. [13]
            O primeiro livro da História foi impresso a 6 de Março de 1551, o 2º e 0 3º, em 1553, o 4º e 0 5º, em 1553, o 6º e o 7º, em 1554, o 8º, em 1561. O poeta ter-se-á servido da 1ª edição do primeiro livro, segundo José Maria Rodrigues[14]. Castanheda foi o primeiro historiador a editar uma obra sobre a presença dos portugueses no Oriente[15].
            A primeira Década da Ásia acabou de ser impressa em Lisboa a 28 de Junho de 1552, alguns dias depois da rixa que levou o poeta à cadeia (16 de Junho) e ao Oriente. A segunda foi impressa em 24 de Março de 1553, dois dias antes da partida do poeta para a Índia. A terceira foi publicada em 1553 e a quarta em 1615.[16] Luís de Camões chega da Índia em 1569, com Os Lusíadas escritos e trata de os editar. Em 1572 vê o poema épico editado.          
               Cotejados que foram os textos referidos em relação ao poema épico,  elaboraram-se tabelas de registo, a partir das quais são visíveis as semelhanças e as diferenças e foi possível chegar a algumas conclusões.


II.2.Comparação textual:  Fontes do roteiro da viagem de Vasco da Gama, no  Canto V de Os Lusíadas –– 1. A partida

Os Lusíadas – Canto V[17]

Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)[18]
História do Descobrimento e Conquista Índia pelos Portugueses - Fernão Lopes de Castanheda[19]
João de Barros – Ásia[20]
Ao som da voz do Velho, parte a armada do cais do Restelo:
1 Estas sentenças tais o velho honrado
   Vociferando estava, quando abrimos
   As asas ao sereno e sossegado
   Vento, e do porto amado nos partimos
   […]
   Dizendo: «Boa Viagem!». Logo o vento
   Nos troncos fez o usado movimento.
Localização no tempo ( signo – Leão; 6ª idade;  ano - 14x100+97=1497)
2 Entrava neste tempo o eterno lume
   No animal Nemeio truculento;
   E no Mundo, que co tempo se consume,
   Na seista idade andava, enfermo e lento.
   Nela vê, como tinha por costume,
   Cursos do Sol catorze vezes cento,
   Com mais noventa e sete, em que corria,
   Quando no mar a armada se estendia.
A dor da separação
3 Já a vista, pouco a pouco, se desterra
daqueles pátrios montes, que ficavam; […]

«Partimos de Restelo um sábado, que eram 8 dias do mês de Julho, da dita era de 1497, […]»[21]
«Despachado Vasco da Gama em Montemor-o-Novo, onde el-rei estava, partiu-se com seus capitães para Lisboa, onde feita a sua armada embarcou-se a gente dela, que foram cento e quarenta e oito pessoas: em Restelo, […] um sábado, oito dias de Julho do ano de mil & ccccxcvij.»[22]
 «Chegado Vasco da Gama com os outros capitães a Lisboa, na entrada de Julho do ano de mil quatrocentos e noventa e sete, tanto que os navios foram prestes, recolheu sua gente para se partir»[23]; «Ao seguinte dia, que era sábado, oito de Julho, por ser dedicado a Nossa Senhora»; «E quando veio ao desfraldar das velas, que os mareantes, segundo seu uso, deram aquele princípio de caminho, dizendo boa viagem,»; «Os navegantes, dado que com o fervor da obra e alvoroço daquela empresa embarcaram contentes,[…] vendo ficar em terra seus parentes e amigos, […] uns olhando para a terra e outros para o mar e juntamente todos ocupados em lágrimas e pensamentos»[24];
Conclusão 1. Há unanimidade entre os quatro escritores quanto ao local e à data da partida da armada de Vasco da Gama: 8 de Julho de 1497.
Conclusão 2. A inspiração para a expressão dos sentimentos e emoções dos navegantes, traduzidos pelo poeta, nas estrofes 1 e 2, parece ter sido inspirada no texto de João de Barros.


Fontes 2. - De Lisboa à ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde

Os Lusíadas – Canto V



Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
4
Assi fomos abrindo aqueles mares,
Que geração alguma não abriu,
As novas Ilhas vendo e os novos ares
Que o generoso Henrique descobriu;
De Mauritânia os montes e lugares,
Terra que Anteu num tempo possuiu,
Deixando à mão esquerda, que à dereita
Não há certeza doutra, mas suspeita.
5
Passámos a grande Ilha da Madeira,
Que  do muito arvoredo assi se chama;
[…]
6 Deixámos de Massília a estéril costa,
Onde seu gado os Azenegues pastam,
[…]
7
  Passámos o lemite aonde chega
   O Sol, que pera o Norte os carros guia;
  Onde jazem os povos a quem nega
  O filho de Clymene a cor do dia.
  Aqui gentes estranhas lava e rega
  Do negro Sanagá a corrente fria.
  Onde o cabo Arsinário o nome perde,
  Chamando-lhe os nossos Cabo Verde.
8
 Passadas tendo já as Canárias ilhas,
Que tiveram por nome Fortunadas,
 Entrámos, navegando, polas filhas
 do velho Hespério, Hespéridas cchamadas;
  Ali tomámos porto […]
9. Àquela ilha aportámos que tomou
O nome do guerreiro Sant’Iago
«Primeiramente chegamos ao sábado seguinte a vista das Canárias e essa noute passamos a julavento  de Lancerote  e a noute seguinte amanhecemos com a Terra Alta, […] e logo esta noute em anoutecendo eramos atraves do Rio do Ouro.»[25]

À vista de Cabo Verde
23-26.7.1497
« e nos fezemos o caminho das ilhas de Cabo Verde […] ao domingo seguinte em amanhecendo ouvemos vista da Ilha do Sal»[26]; «e ao outro dia que era quinta-feira chegamos à ilha de S. Tiago onde pousamos na Praia de Santa Maria.[…] E uma quinta-feira que eram três de Agosto partimos em leste».[27]

«E seguindo sua viagem dali a oito dias ouve vista das Canárias. E indi uma noite através do rio do ouro […] E ao outro dia que foram XXVIII de Julho chegaram todos à ilha de Santiago: e surgiram na praia de santa Maria, onde fizeram agoada em sete dias»[28]





«com bom tempo que tiveram, em treze dias foram ter à ilha de Santiago que é a principal de Cabo Verde, e onde tomaram algum refresco.»[29]

Conclusão 1 – Nos quatro primeiros versos da estrofe 4, o Poeta refere-se às descobertas promovidas pelo Infante D. Henrique ao longo da costa africana de NW até à Serra Leoa.
Conclusão 2 – O poeta pela voz de Vasco da Gama tece um roteiro livre, mais completo, mas desordenado – ilha da Madeira, costa do Norte de África, trópico de Câncer, Senegal, Canárias, Cabo Verde, Ilha de Santiago – aproveitando para informar e descrever com pormenor e beleza poética, sobretudo no que se refere à ilha da Madeira. Segundo o professor José Maria Rodrigues, o poeta terá entrelaçado a rota gâmica com a da sua viagem para a Índia, a bordo da nau S. Bento, opinião contestada por Gago Coutinho.
Comparação das duas rotas:
Rota gâmica: Lisboa, Canárias, ilha de S. Tiago, e daqui através do oceano, rumo ao Sul.
Rota da nau S. Bento: Lisboa, Madeira, Cabo Verde, rota costeira passando o arquipélago de Bijagós, pelo «grandíssimo golfão».[30]
2.1. Nenhuma das fontes cotejadas refere a ilha da Madeira. Vasco da Gama não terá passado pela ilha da Madeira, mas sim Camões, na sua viagem para a Índia.[31]
2.2. As ilhas Canárias não são referidas apenas por João de Barros. O poeta desloca-as da situação geográfica na rota seguida.
2.3. Sobre Massília, referida no Poema, escreve José Maria Rodrigues «é óbvio que o poeta não escreveu Massília», já que ele sabia que os massílios habitavam no interior da Numíbia (parte interior da Argélia), mas Maurúsia ou Maurásia, influenciado por « Maurusia Gens da Eneida, IV, 206-207, e pelo termo Maurisii, que Sabellico por vezes emprega para indicar os Mouros da costa do Atlântico.» E continua: «a desastrosa substituição    efectuou-se também em V,6,1, onde Vasco da Gama, ao fazer a narrativa da sua viagem, diz ao rei de Melinde: « Deixámos de Massília a estéril costa,/ Onde seu gado os Azenegues pastam, » como se tivesse passado na costa da antiga Numíbia e como se os Azenegues houvessem mudado da costa marroquina do Atlântico para a da actual Argélia.» Segue-se a tentativa de explicação da emenda feita por Frei Bartolomeu Ferreira no referido verso que teria sido «Passamos de Maurusia a estéril costa,».[32]
2.4.Os dois últimos versos da estrofe 4 poderão insinuar a suspeita sobre a existência de um outro continente, à mão direita, aquele que virá a ser chamado América.
Conclusão 3. É unânime a escalada, no arquipélago de Cabo Verde, na ilha de Santiago, todavia há uma pequena discordância quanto ao dia de Julho:


Fontes 3 – Da ilha de Santiago ao cabo da Boa Esperança

Os Lusíadas – Canto V



Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
10 Por aqui, rodeando a larga parte
De África que ficava no Oriente:
A província Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente;
A mui grande Mandinga, por cuja arte
Logramos o metal rico e luzente,
que do curvo gambeia as águas bebe,
 As quais o largo Atlântico recebe;
A passagem pelo arquipélago de Bijagós:
11 As Dórcadas passámos, povoadas
Das Irmãs que noutro tempo aí viviam;
[…]
Descendo até à ilha de S: Tomé
12 Sempre, enfim, pera o Austro a aguda proa,
No grandíssimo golfão nos metemos,
Deixando a serra aspérrima Leoa,
Co Cabo a quem das palmas nome demos.
O grande rio, onde batendo doa
O mar nas praias notas, que ali temos,
Ficou, co a Ilha ilustre, que tomou
O nome dum que o lado a Deus tocou.
A passagem do Equador
13 Ali o mui grande reino está do Congo,
por nós já convertido à fé de Cristo,
por onde o Zaire passa, claro e longo
[…]
Tendo o término ardente já passado
Onde o meio do mundo é limitado.

Chegada à Baia de Santa Helena
26
Desembarcámos logo na espaçosa
Parte, por onde a gente se espalhou,

Passagem do trópico de Capricórnio
27 Achamos ter de todo já passado
Do semicarpo Pexe a grande meta,
Estando entre ele e o círculo gelado
Austral, parte do mundo mais secreta.

Passagem do Cabo das Tormentas - O episódio do Adamastor
50 «Eu sou aquele oculto e grande Cabo
      A quem chamais vós outros Tormentório»



Baia de santa Helena:
 7. 11. 1497
«Item a terça feira viemos em volta da terra e ouvemos vista de uma terra baixa e que tinha uma grande baia […] A quarta feira lançamos âncora na dita baia onde estivemos oito dias»
Descrição dos habitantes.
Episódio de Fernão Veloso.[33]

«Partida da Baia de santa Helena, 16. 11. 97
[…] Nos partimos desta terra uma quinta feira pela manhã […] e ao sábado (18/11) à tarde ouvemos vista do dito Cabo da Boa Esperança e em este dia mesmo viramos em a volta do mar e de noute viramos em a volta da terra. E ao domingo pela manhã que foram dezanove dias do mês de Novembro fomos outra vez com o Cabo e não o podemos dobrar […]
Passagem do Cabo da Boa Esperança: 22. 11. 97
 E a quarta feira ao meio dia passamos pelo dito Cabo ao longo da costa com vento à popa. E junto com este Cabo […] jaz uma angra muito grande»[34]
 (5 dias para realizarem a dobragem do cabo)

«E Vasco da Gama seguiu por sua navegação indo  caminho do cabo de Boa Esperança […] Se engolfou no mar, per onde navegou Agosto, Setembro, e Outubro com muitas tormentas»
«E foram ter a uma grande baía que por ter bom pouso surgiram nela, e puseram-lhe nome de  angra de santa Helena..»[35]
«Feita agoada e carnagem, partiu-se Vasco da  Gama uma quinta feira pela manhã que foram dezasseis de Novembro»





« E ao sábado à tarde ouve vista do cabo de Boa Esperança, e por lhe ser o vento contrário[…] tornou a virar na volta do mar em quanto durou o dia, e de noite na volta da terra. E o mesmo lhe aconteceu até a quarta feira seguinte que foram vinte de Novembro, em que dobrou este cabo»[36]


«E a primeira terra que tomou antes de chegar ao cabo de Boa Esperança, foi a baia de santa Helena, havendo cinco meses que era partido de Lisboa, onde saiu em terra, por fazer aguada e assim tomar a altura do Sol.»[37]

«Seguindo Vasco da Gama seu caminho na volta do mar por se desabrigar da terra, quando veio o terceiro dia, que eram vinte de Novembro, passou aquele grão cabo da Boa Esperança, com menos tormenta e perigo do que os marinheiros esperavam, pela opinião que entre eles andava, donde lhe chamavam o cabo das Tormentas»

Conclusão 1. Discrepância quanto ao dia do mês de Novembro da dobragem do cabo da Boa Esperança: 22 para Álvaro Velho e 20 para os dois historiadores.

Conclusão 2. João de Barros refere a expectativa e as opiniões dos marinheiros sobre a passagem do cabo – «com menos tormenta e perigo do que os marinheiros esperavam, pela opinião que entre eles andava, donde lhe chamavam o cabo das Tormentas» –, baseadas em experiência anterior, uns pelo que ouviram contar e outros talvez de «experiência feita» na viagem com Bartolomeu Dias a quando da primeira dobragem. Talvez tenha estado aqui a primeira inspiração poética para o famoso episódio de O Adamastor. José Maria Rodrigues admite como fonte mais próxima do episódio do Adamastor o relato da dobragem do Cabo na viagem de Pedro Álvares Cabral a Calecut nas duas obras dos historiadores.[38]
Conclusão 3. O roteiro seguido por Camões é o de uma viagem costeira, permitindo descrever a costa africana: o rio Gambeia (entre Cabo Verde e Bijagós), Bijagós, a Serra Leoa, o cabo das Palmas, a ilha de S. Tomé, o Congo, o rio Zaire, o Equador, e finalmente a Baia de Santa Helena. Lemos nos textos cotejados que a frota de Vasco da Gama navegou no mar alto, durante três meses, desde a ilha de Santiago até à baia de santa Helena.





Fontes 3.1. Canto V – O astrolábio – Gama consulta o astrolábio na baía de Santa Helena

Os Lusíadas – Canto V



Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros

25
[…]
E, pera que mais certas se conheçam
As partes tão remotas onde estamos,
Pelo novo instrumento do astrolábio,
Invenção de sutil juízo e sábio:

26
[…]
Porém eu, cos pilotos, na arenosa
Praia, por vermos em que parte estou,
Me detenho em tomar do Sol a altura
E compassar a universal pintura.

27
Achamos ter de todo já passado
Do semicarpo Pexe a grande meta,
Estando entre ele e o círculo gelado
Austral, parte do mundo mais secreta.
[…]

Não refere o astrolábio nesta parte do texto.

Não refere o astrolábio nesta parte do texto.
«Porque, como do uso do astrolábio para aquele mister de navegação, havia pouco tempo que os mareantes deste reino se aproveitavam, e os navios eram pequenos não confiava muito de a tomar ( a altura do sol) dentro neles por causa do seu arfar. Principalmente com um astrolábio de pau de três palmos de diâmetro, o qual armavam em três paus, à maneira de cábrea por melhor segurar a linha solar, mais verificada e distintamente poderem saber a verdaeira altura daquele lugar, posto que levassem outros de latão mais pequenos, tão rusticamente começou esta arte que tanto fruto tem dado ao navegar. E porque em este reino de Portugal se achou o primeiro uso dele em navegação […] Peró como a necessidade é mestra de todas as artes, em tempo del-rei dom João o segundo, foi por ele encomendado este negócio a mestre Rodrigo e a mestre Jusepe, judeus, ambos seus médicos, e a um Martim da Boémia natural daquelas partes […] Os quais acharam esta maneira de navegar por altura do Sol, de que fizeram suas tavoadas para declinação dele, como se agora usa entre os navegantes, já mais apuradamente do que começou, em que serviam estes grandes astrolábios de pau.
Pois estando Vasco da Gama com os pilotos, pronto em tomar a altura do Sol[…]»[39]

Conclusão 1. O texto de João de Barros faz a história do astrolábio desde os primórdios da navegação atlântica até à data da viagem de Vasco da Gama, neste momento da narração da história da Viagem, em que o capitão-mor se encontra na baia de santa Helena a consultar o astrolábio. É neste contexto que o Poeta o refere.
Conclusão 2. Pela voz de Vasco da Gama, valoriza-se o astrolábio e situa-se a acção: os marinheiros portugueses encontram-se, em terra, com a frota a marear, para além do trópico de Capricórnio – entre esse círculo e o círculo polar antárctico.
Conclusão 3. A inspiração terá vindo directamente do texto de João de Barros.

Fontes 3.2. O episódio de Fernão Veloso

Os Lusíadas – Canto V



Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
30
[…]
 ………. que fazem que se atreva
Fernão Veloso a ir ver da terra o trato
E partir-se co eles pelo mato.

31 a 36.

 « Item este mesmo dia um Fernão Veloso que ia com o capitão mor desejava muito ir com eles a suas casas […]»[40]

«Um dos nossos chamado Fernão Veloso, que desejava muito de ver a sua maneira de vida pediu licença a Vasco da gama pera ir em sua companhia: que ele lhe deu mais por importunação que por vontade. […]»[41]
«quando veio o outro dia, já com estes vieram mais de quarenta, tão familiares, que pediam um homem de armas, chamado Fernão Veloso, a Vasco da Gama que o deixasse ir com eles, ver a povoação que tinham, para trazer mais notícia da terra, do que eles davam, o que Vasco da gama concedeu, quasi a rogo de Paulo da Gama, seu irmão. […] Partido Fernão Veloso com os negros […] E, sendo já sobre a tarde, querendo-se todos recolher aos navios, viram vir Fernão Veloso por um teso abaixo mui apressado […] Os marinheiros do batel, porque Fernão Veloso nunca deixara de falar em valentias, quando o viram sobre a praia descer com passos a meio chouto, acinte detiveram-se em o recolher. A qual detença, deu suspeita aos negros, que estavam em cilada, esperando a saída deles em terra […] e foi tanta a pedrada e frechada sobre o batel, que quando Vasco da Gama chegou pólos apaziguar foi frechado por uma perna»[42]
Conclusão 1. Todos os textos cotejados referem o episódio de Fernão Veloso.
Conclusão 2. A fonte preferencial de Camões parece ter sido o texto de João de Barros, por conter os laivos humorísticos trabalhados e valorizados pelo Poeta.

Fontes 4. Do Cabo da Boa Esperança ao Ilhéu de Santa Cruz

Os Lusíadas – Canto V


Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
61.[…]
Quando a terra alta se nos foi mostrando
Em que foi convertido o Gigante.
Ao longo desta costa, começando,
Já de cortar as ondas do Levante,
Por ela abaixo um pouco navegámos,
Onde segunda vez terra tomámos.
62
A gente que esta terra possuía,
Posto que todos etíopes eram,
Mais humana no trato parecia
Que os outros que tão mal nos receberam.
[..]

65
Já aqui tínhamos dado um grão rodeio
À costa negra de África, e tornava
A proa a demandar o ardente meio
Do Céu, e o pólo Antárctico ficava.
Aquele ilhéu deixámos onde veio
Outra armada primeira, que buscava
O Tormentório Cabo, e, descoberto,
Naquele ilhéu fez seu limite certo.


Angra de S. Brás: 25. 11. 97[43]
Contacto com os nativos – referência ao canto e ao baile; à desconfiança do capitão-mor, aos bois.
Partida de Angra de S. Brás: 8. 12. 1497[44]
À vista dos Ilhéus Chãos: 15. 12. 1497[45]
Rio do Infante e Ilhéu da Cruz
«[…] o Rio do Infante que era a derradeira terra que Bartolomeu Dias descobriu»
« e achamo-nos as dez horas do dia com o Ilheo da Cruz»[46]
[Referência às correntes e aos ventos que fizeram com que a frota navegasse sem progredir, durante cerca de uma semana.][47]




«Dobrado o cabo de boa Esperança, logo no domingo seguinte que foi dia de santa Catarina chegou Vasco da Gama a agoada de S. Brás, que é sessenta léguas avante do cabo. É uma grande baia muito grande abrigada de todos os ventos somente do norte […] passados estes dias que Vasco da Gama aqui esteve, partiu-se caminho do rio do Infante uma sexta feira oito dias de Dezembro, que foi dia de Nossa Senhora da Conceição. E indo por sua viagem […] lhe deu uma grande tormenta de vento com que correu a frota todo o dia […] passada esta borriscada aos 16 de Dezembro, ouve Vasco da Gama vista de terra onde lhe chamam os ilhéus chãos […) E  ao sábado passaram a vista do ilhéu de Santa Cruz […] E ao domingo foram perlongando a costa […] E ao outro dia ás dez horas chegaram ao ilhéu de santa Cruz[…] e neste mesmo dia tornou a frota a passar a mesma carreira […] e assim iam todos muito alegres por passarem donde Bartolomeu Dias tinha chegado, e Vasco da Gama assim os esforçava, dizendo que assim quereria Deus que achassem a Índia.»[48]

« e dia de santa Catarina chegaram onde se agora chama Aguada de S. Brás, que é além dele sessenta léguas. [..9 E em três dias que Vasco da Gama se deteve aqui, tiveram os nossos muito prazer com eles por ser gente prazenteira dada a tanger e a bailar […} do qual lugar Vasco da Gama se mudou para outro porto perto daquele […] e foi tomar outro pouso daí a duas léguas onde recolheu todos os mantimentos que levava em a nau e ela foi queimada.
Partido desse lugar […] saltou com ele tão grande temporal […] e porque esta era a primeira tormenta em que os mareantes se tinham visto […]
Mas aprouve à piedade de Deus, […] que os tirou de tanta tribulação e os levou onde agora chamam os ilhéus Chãos, cinco léguas avante do da Cruz, onde Bartolomeu Dias pôs o seu último padrão, até irem tomar outros ilhéus. Na qual paragem, por causa das grandes correntes, andaram ora ganhando ora perdendo caminho, até que dia de Natal passaram pela costa do Natal a que eles deram este nome»[49]
Conclusão 1. Passado o cabo da Boa Esperança, viaja a frota para Oriente e desembarca pela primeira vez, naquela viagem, no Oceano Índico. Camões não dá nome à terra onde os portugueses se encontram. Refere-se certamente à Aguada de S. Brás, apontada unanimemente pelas fontes.
Conclusão 2. O texto de João de Barros enfatiza o contacto com os nativos, na Aguada de S. Brás, destacando o seu alegre e bom trato e o prazer do convívio. Todavia o Roteiro refere a desconfiança de Vasco da Gama perante os nativos, embora destaque a alegria deles traduzida pela música e a dança. Dedica-lhes um texto mais longo que o habitual, dando conta de uma certa contradição entre a sua alegria e a sua atitude defensiva. Camões recorre ao verbo parecer para dar a ideia da desconfiança gâmica.
Conclusão 3. Camões refere a passagem ao oceano Índico e a subida da costa africana em direcção ao Trópico de Capricórnio e ao Equador.
Conclusão 4. A chegada ao ilhéu de Santa Cruz é unânime e ponto de referência para o fechar do circuito da viagem realizada por Bartolomeu Dias, a quando da dobragem do cabo da Boa Esperança.
Conclusão 5. Até ao Ilhéu de Santa Cruz, a rota era conhecida e estava a repetir-se. Bartolomeu Dias, após a passagem do Cabo, chegara até aí e colocara o último padrão. Inicia-se a partir daqui a rota pela primeira vez sulcada por naus portuguesas.


 Fontes 5. Do Ilhéu de Santa Cruz ao Rio dos Reis

Os Lusíadas – Canto V


Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
66
Daqui fomos cortando muitos dias
Entre tormentas tristes e bonanças,
No largo mar fazendo novas vias,
Só conduzidos de árduas esperanças.
Co mar um tempo andamos em porfias,
Que, como tudo nele são mudanças,
Corrente nele achamos tão possante,
Que passar não deixava por diante.
67
Era maior a força em demasia,
Segundo para trás nos obrigava,
Do mar, que contra nós ali corria,
Que por nós a do vento que assoprava.
Injuriado Noto da porfia
Em que co mar( parece) tanto estava,
Os assopros esforça iradamente,
Com que nos fez vencer a grão corrente,
68.
Trazia o Sol o dia celebrado
Em que três Reis das partes do Oriente
Foram buscar um Rei, de pouco nado,
No qual Rei outros três há juntamente.
Neste dia outro porto foi tomado
Por nós, da mesma já contada gente,
Num largo rio, ao qual o nome demos
Do dia em que por ele nos metemos.
69 […]
Sem vermos nunca nova nem sinal
Da desejada parte Oriental.
Seguem-se três estrofes sobre o desalento e cansaço dos portugueses, que resistem pela      72.
Crês tu que já não foram levantados
Contra seu capitão, se os resistira, Fazendo-se piratas, obrigados
De desesperação, de fome, de ira?
Grandemente por certo estão provados, Pois que nenhum trabalho grande os tira Daquela portuguesa alta excelência
De lealdade firme e obediência.
Natal de 1497
[Referência a problemas:
 com o material de navegação - fenda numa barça (que os levou a acostar para reparações), perda de uma âncora, fractura de um calabrete ;
com o abastecimento -« daqui andamos   tanto pelo mar sem tomarmos porto que não tínhamos já água»[50]
Terra de Boa Gente: 10. 1. 1498
« […] ouvemos vista de um rio pequeno e aqui pousamos ao longo da costa. […]achamos muitos homens e mulheres negros e são de corpo de grandes corpos, e um senhor antre eles. [ O capitão-mor enviou roupas como presente ao senhor, que ficou muito satisfeito e as vestiu, passeando-se entre os negros que batiam palmas de aprovação e contentamento. Hospedou os portugueses enviados e deu-lhes a comer papas de milho e galinha, que também mandou de presente ao capitão-mor. Mais tarde deduziu-se que o senhor teria ido mostrar e dar novas ao seu rei, que mandou homens para ver os portugueses. E já eram mais de duzentos. Pareciam ser mais mulheres que homens. Carregavam água do mar para o interior para fazerem a extracção do sal. Pareceu-lhes existir muito cobre e, por isso, chamaram ao rio, Rio do Cobre.][51]

Capítulo IIII – De como Vasco da Gama chegou a terra da boa gente, […]
«Prosseguindo a sua rota, achou dia de Natal que tinha descoberto por costa setenta léguas a leste, que era o rumo a que levava em regimento que a Índia jazia, e daqui andou tanto pelo mar sem tomar terra que lhes falecia a água para beber[…] dez dias de Janeiro do ano de 1498, foi nos bateis ao longo da terra[…] e andando assim viram muitos negros […] e vendo Vasco da gama que mostravam ser gente mansa mandou sair em terra um dos nossos chamado Martim Afonso […]»

[Oferece ao senhor da terra roupas, um gorro vermelho e uma moeda de cobre de que ele gostou muito. Martim  Afonso e outro português foram aquela noite à povoação onde pernoitaram. E tudo decorre como refere o Roteiro.]

«E por esta gente ser muito doméstica com os portugueses e lhes fazer aguada lhe foi posto nome a agoada da boa gente, e a um rio onde fez agoada o rio do cobre. E partiu-se daqui aos quinze dias de Janeiro»[52]
«Até que dia de Natal passaram pela costa do Natal a que eles deram este nome, e dia de Reis entraram no rio deles, e alguns lhe chamam do cobre por o resgate dele em manilhas e assim marfim, e mantimento que os negros a terra com ele resgataram, tendo com os nossos tanta comunicação por Vasco da Gama os satisfazer com dádivas, que foi um Martim Afonso, marinheiro à aldeia deles por licença do capitão.»
[Foi muito bem recebido na aldeia e regressou satisfeito e acompanhado por mais de duzentos homens. O senhor da aldeia veio visitar a frota. Por tudo isso, Vasco da Gama chamou-lhe Aguada da Boa Paz.] [53]
 Conclusão 1. A partir do Ilhéu de Santa Cruz, a rota está a realizar-se pela primeira vez pelos portugueses. É notória a preocupação ao navegar em rota desconhecida.
Conclusão 2. Camões, na estância 66, consegue transmitir a ideia das dificuldades marítimas acrescidas de um estado de espírito entre a tristeza e a árdua esperança de abrir novas vias, entre avanços e recuos.
Conclusão 3. A estrofe 72, para além da expressão do extremo sofrimento humano, não insinuará um hipotético motim na frota portuguesa, provocada pelo desalento, fadiga e desnorteio, através da pergunta retórica?
Conclusão 4. Álvaro Velho e Castanheda não fazem referência ao dia de Reis e ao rio com esse nome, antes lhe chamam Rio do Cobre, na Terra da Boa Gente. João de Barros refere o dia de Reis e o bom encontro com a terra e o rio que foi chamado Rio dos Reis ou Rio do Cobre. Conclui-se pelo cotejo textual que a fonte camoniana terá sido o texto de João de Barros.
Conclusão 5. Álvaro Velho chama «Terra da Boa Gente», Castanheda, «agoada da boa gente», ao mesmo local a que Barros chama Aguada da Boa Paz, pelas mesmas razões.

 Fontes 6. O Rio dos Bons Sinais

Os Lusíadas – Canto V


Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
73
Deixando o porto, enfim, do doce rio
E tornando a cortar a água salgada,
Fizemos desta costa algum desvio,
Deitando pera o pego toda a armada;
Por que ventando o Noto, manso e frio,
Não nos apanhasse a água da enseada
Que a costa faz ali, daquela banda
Donde a rica Sofala o ouro manda.
74.
Esta passada, logo o leve leme
Encomendado ao sacro Nicolau,
Pera onde o mar na costa brada e geme,
A proa inclina duma e doutra nau;
[…]
Foi de uma novidade alvoroçado.
75
E foi que, estando já da costa perto,
Onde as praias e vales bem se viam,
Num rio, que ali sai ao mar aberto,
Batéis à vela entravam e saíam.
Alegria mui grande foi, por certo,
Acharmos já pessoas que sabiam
Navegar, porque entre elas esperámos
De achar novas algumas, como achámos.
76
Etíopes são todos, mas parece
Que com gente milhor comunicavam;
Palavra alguma Arábia se conhece
[…]
77
Pela Arábica língua, que mal falam
E que Fernão Martins mui bem entende
Dizem que, por naus, que em grandeza igualam
As nossas, o seu mar se corta e se fende;
[…]

78
Mui grandemente aqui nos alegrámos
Co a gente, e com as novas muito mais.
Pelos sinais que neste rio achámos
O nome lhe ficou dos Bons Sinais.
Um padrão nesta terra alevantámos,
Que, pera assinalar lugares tais,
Trazia alguns; o nome tem do belo
Guiador de Tobias o Gabelo.

Rio dos Bons Sinais: 24. 1. 1498
«Em uma segunda feira indo pelo mar tivemos vista de uma terra muito baixa e de uns arvoredos muito altos e juntos e indo assim nesta rota vimos um rio largo em boca, e porque era necessário saber e conhecer onde éramos pousamos. [ Descreve os habitantes, o seu vestuário e o seu comportamento. Destaca um jovem que se encontra de visita aos fidalgos daquela terra e que dá notícias de embarcações semelhantes às portuguesas, para gáudio dos navegantes lusitanos.]
E nos estevemos neste rio trinta e dous dias [Manifesta-se o escorbuto]. E aqui posemos um padrão […] o padrão de S. Rafael e isto porque ele o levava, e ao Rio dos Bons Sinais.»
Partida do rio dos Bons Sinais: 4. 2. 1498[54]

«e navegou ao longo da costa até aos vinte quatro [ de Janeiro] que surgiu na boca dum rio muito largo. E entrado neste rio para saber novas da Índia [encontro com os nativos, que não eram desconfiados, embora não entendessem as línguas faladas pelos portugueses.]
E avendo três dias que estavam neste rio, foram dous negros ver Vasco da Gama, que no aparato que levavam pareciam ser senhores […] disse um dos negros que iam com eles por acenos a Vasco da Gama que em sua terra, que era dali longe vira navios grandes como os nossos, com que se acrescentou muito o prazer de V. da G. e de todos, parecendo-lhes que se chegavam à Índia. […] e por estas novas que V. da G. achou neste rio lhe pôs nome o rio dos bons sinais: e mandou meter em terra um padrão a que pôs nome S. Rafael, porque se chamava assim o navio que o levava.
E parecendo-lhe […] que a Índia estava dali longe, ouve por bem com conselho dos outros capitães que tirassem os navios a monte, o que foi feito em 32 dias, e os concertaram muito bem.»[55]
«E daqui por diante começou de se afastar algum tanto da terra com que de noite passou o cabo a que ora chamamos das correntes, porque começa a costa a encurvar-se tanto para dentro passado ele, que sentindo Vasco da Gama que as águas o apanhavam para dentro, temeu ser alguma enseada penetrante donde não pudesse sair.. […] passou sem haver visto da povoação de Sofala, tão celebrada naquelas partes, por causa do muito ouro […] E foi entrar em um rio mui grande abaixo dela cinquenta léguas, vendo entrar por ele una barcos com velas de palma. […] e a gente deste rio pêro que também fosse da cor e cabelo como eles eram [ os guineenses], havia entre eles homens fulos que pareciam mestiços de negros e mouros, e alguns entendiam palavras de aravigo que lhe falava um marinheiro por nome Fernão Martins […] com os quais sinais e outros que eles deram, dizendo que contra o nascimento do Sol havia gente branca que navegava em naus como aquelas suas, as quais eles viam passar para baixo e para cima daquela costa: pôs Vasco da Gama nome a este rio dos Bons Sinais. […] com ajuda dos da terra pôs um padrão por nome S. Rafael.[…] Por espaço de um mês, que ali estiveram no corregimento dos navios, adoeceu muita gente de que morreu alguma.».[56]

Conclusão 1. A armada ultrapassa o promontório Prasso referido por Camões na estrofe 43 do Canto I, a que João de Barros, historiador sedentário, chama «cabo das correntes», não caindo o poeta na mesmo erro, uma vez que conhecia muito bem a geografia do lugar.
Conclusão 2. Os quatro textos referem a chegada ao Rio dos Bons Sinais.
Conclusão 3. A que bons sinais se referem? Sabemos que a esperança de encontrar a Índia por caminhos nunca dantes navegados por portugueses era «árdua», segundo Camões, e a tristeza de não encontrar qualquer sinal, bastante. O encontro de sinais apontadores do objectivo a atingir animou os nautas: sobretudo notícias vagas de embarcações semelhantes às portuguesas passarem ao largo com homens brancos.
Conclusão 4. A fonte da epopeia no que respeita aos sinais parece ter sido o texto de João de Barros. Os dois textos referem Sofala e a sua riqueza.
Conclusão 5. Álvaro Velho e Castanheda destacam a existência de senhores entre os habitantes. Os textos dos dois aproximam-se bastante.
Conclusão 6. Os quatro textos são unânimes quanto ao padrão S. Gabriel colocado no Rio dos Bons Sinais.


Fontes 6.1. O escorbuto

Os Lusíadas – Canto V


Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
81
E foi que, de doença crua e feia,
A mais que eu nunca vi, desampararam
Muitos a vida, e em terra estranha e alheia
Os ossos pera sempre sepultaram.
Quem haverá que, sem o ver, o creia,
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gingivas na boca, que crecia,
A carne e juntamente apodrecia?
82
Apodrecia cum fétido e bruto
Cheiro, que o ar vizinho inficionava.
Não tínhamos ali médico astuto.
Sururgião sutil menos se achava,
Mas, qualquer, neste ofício pouco instruto,
Pela carne já podre assi cortava
Com se fora morta, e bem convinha,
Pois que morto ficava quem a tinha.
No Rio dos Bons Sinais,
Manifesta-se o escorbuto
«E nós estivemos neste rio trinta e dois dias [manutenção e reparação]. E aqui nos adoeceram muitos homens que lhe inchavam os pés e as mãos e lhe creciam as gengivas tanto sobre os dentes que os homens não podiam comer.»[57]

«E neste tempo passaram os nossos assaz de trabalho com uma doença lhes sobreveio, (parece que do ar daquela região) que a muitos lhe inchavam as mãos, e as pernas, e os pés. E com isto lhes cresciam tanto as gengivas sobre os dentes que não podiam comer e apodreciam-lhe, de maneira que não havia quem suportasse o fedor da boca, e com estes males padeciam dores mui grandes e morreram alguns. O que pôs a gente em grande desmaio. E em muito maior a pusera se não fora por Paulo da Gama que era de tão boa condição que de noite e de dia visitava todos, e os consolava e curava, e repartia com eles mui largamente dessas cousas de doentes que levava para sua pessoa.»[58]
«Por espaço de um mês, que ali estiveram no corregimento dos navios, adoeceu muita gente de que morreu alguma. A maior parte foi de herisipolas e de lhe crescer tanta carne nas gengivas, que quasi não cabia na boca aos homens, e assim como crescia apodrecia e cortavam nela como em carne morta, cousa mui piedosa de ver: a qual doença vieram depois conhecer que procedia das carnes, pescado salgado e biscouto corrompido de tanto tempo.»[59]

Conclusão 1. É unânime a presença da doença do escorbuto em alguns marinheiros portugueses, na escalada no rio dos Bons Sinais.
Conclusão 2. O mau hálito, autêntico fedor, só é referido no texto de Castanheda.
Conclusão 3. O cortar da carne morta só é referido por João de Barros.
Conclusão 4. Camões conhecia os textos cotejados, contudo a doença deveria ser assunto preocupante no tempo, buscando-se as causas e a cura.
Conclusão 5. É de relevar a busca das causas da doença nos textos de Castanheda e de Barros. Castanheda opina com a opinião mais aparente a um primeiro olhar – parece ser dos ares da região. Barros vai mais ao fundo da questão e fala da alimentação como causa. Hoje sabe-se que é de facto na alimentação que reside a causa da doença.


Fontes 7. Moçambique

Os Lusíadas – Canto V


Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
84.
Assi que, deste porto nos partimos
Com maior esperança e mor tristeza,
E pela costa abaixo o mar abrimos,
Buscando algum sinal de mais firmeza.
Na dura Moçambique, enfim surgimos,
De cuja falsidade, e má vileza
Já serás sabedor, e dos enganos
Dos povos de Mombaça, pouco humanos.
85
Até que aqui, no teu seguro porto,
Cuja brandura e doce tratamento
Dará saúde a um vivo e vida a um morto,
Nos trouxe a piedade do alto Assento.
Aqui repouso, aqui doce conforto,
Nova quietação do pensamento,
Nos deste. E vês aqui, se atento ouviste,
Te contei tudo quanto me pediste.
À vista da ilha de Moçambique:
1. 3. 1498
«e andamos seis dias pelo mar porque as noites pairávamos.[…] Ouvemos vista das ilhas e terra […] e os capitães ouveram por conselho que entrassem em esta angra pera saberem o trato desta gente e que Nicolau Coelho fosse primeiro com o seu navio a sondar a barra e que se fosse para entrar que entrariam. [A embarcação de Coelho teve uma avaria, que o impossibilitou de atracar e, por isso, voltou a sair para o mar alto. O narrador presentifica-se, na primeira pessoa do singular: «e eu era ali com ele». Segue-se a descrição dos habitantes e das suas roupagens já de gosto oriental, bem como das suas palavras e cortesias. Deram informações, nomeadamente sobre o reino de Prestes João, que não estaria longe, contudo, como não era na costa, teriam de ir de camelo. O Sultão visitou por várias vezes Vasco da Gama e este veio a pedir-lhe dois pilotos que o conduzissem à Índia.]
«Um sábado, 10 de Março, partimos e viemos pousar uma légua em mar junto com uma ilha, para que ao domingo dissessem missa e se confessassem e comungassem os que quisessem.
Um daqueles pilotos ficara na ilha e depois que pousamos armamos dois bates [ para o ir buscar. É nesse momento que são perseguidos e atacados por uma meia dúzia de barcos. O capitão-mor, ao ver aquilo, prendeu o piloto e mandou bombardear as embarcações, que fugiram para terra] e assi nos tornamos ao pouso.
Missa na ilha de S. Jorge:
11. 3. 1498
«e ao domingo dissemos nossa missa em a ilha […] e depois viemos para as nossas naus e logo nos fizemos à vela»[60]

«Capítulo V De como Vasco da Gama com toda a frota foi ter à ilha de Moçambique.
Concertadas as naus […], Vasco da Gama tornou ao seu descobrimento: e partiu-se um sábado 24 de Fevereiro: […] o primeiro de Março viu quatro ilhas […] determinava de ir por antrelas, como foi, mandando diante Nicolau Coelho [ e tudo se passa conforme o narrado no roteiro].
Capítulo VII. De como o sultão  de Moçambique quis fazer traição a Vasco da gama: e do que sucedeu sobre isso.
«e os mouros vieram a entender que os nossos eram Cristãos, pelo qual toda a amizade que tinham com eles se lhe tornou em ódio e desejo de os matarem, e de lhes tomarem as naus. E isto concertava o sultão de fazer, […] um dos pilotos mouros descobriu a Vasco da Gama sendo o outro em terra. E sabendo ele isto, 8…] partiu-se logo um sábado dez de Março.»[61]
«A 24 de Fevereiro  […] daía a cinco dias chegou a uma povoação chamada Moçambique e foi pousar a uns ilhéus apartados dela pouco mais de légua ao mar […] os quais ora se chamam de S. Jorge. […] viram vir três os quatro barcos […]. A gente dos quais vinha tangenso e cantando, a mais dela bem tratada, e entre eles homens brancos com toucas na cabeça e vestidos de algodão à moda dos mouros de África, que foi para os nossos muito grande prazer»
Falavam árabe e entenderam-se através de Fernão Martins, que, nestas situações servia de intérprete..Dialogaram. Gama explicou o seu objectivo e pediu um piloto.
Capítulo IV « Como depois que Vasco da Gama assentou paz com o Xeque de Moçambique, e ele lhe prometer piloto para o levar à Índia, se rompeu a paz, e do que sobrisso socedeu»
O mouro recebeu as mensagens  de bom grado e foi a terra apresentar os factos e os pedidos ao Xeque. Três abexins vão às naus vender mantimentos e falam que são da terra de Prestes João das Índias, para gáudio dos portugueses, mas nunca mais os vêem. Arranjaram –lhes dois pilotos, pagos adiantadamente. Vasco da Gama desconfiou. Dois bateis foram atacados, terminando assim a paz. A 11 de Março, Vasco da Gama saiu para a ilha de S. Jorge donde partirá, «sem querer ter comunicação com os de Moçambique». Contudo, voltam para fazer aguada, mas o clima não é de paz. Finalmente recolhem informações e água e partem.[62]
Descrição de Moçambique. – povoação: […] surgiram diante da povoação […] a qual estava assentada em um pedaço de terra torneada de água salgada […] tudo terra baixa e alagadiça, donde se causa ser ela mui doentia, cujas casa eram palhaça, somente uma mesquita e as do xeque que eram de taipa com eirados por cima.
«Os povoadores da qual eram mouros vindos de fora, os quais fizeram aquela povoação como escala da cidade de Quíloa, que estava adiante, e da mina de Sofala, que ficava atrás.[…] E os naturais que eram negros de cabelo revolto como de Guiné, habitavam na terra firme.[…]. A qual povoação de Moçambique daquele dia tomou tanta posse de nós, que em nome é hoje a mais nomeada escala de todo o mundo […9.»[63]

Conclusão 1. 1 de Março é a data unânime da chegada ao arquipélago a que pertence a ilha de Moçambique.
Conclusão 2. Álvaro Velho e João de Barros relatam com pormenor o sucedido entre portugueses e mouros.
Conclusão 3. Camões exprime a problemática histórica através da enunciação dos nomes abstractos falsidade e vileza adjectivada de , num reforço pleonástico de pendor mais negativo ainda, tendo antes qualificado Moçambique de dura.
Conclusão 4. Álvaro Velho e Castanheda denominam o chefe da ilha por Sultão e João de Barros por Xeque.
Conclusão 5. João de Barros, na página 28, descreve Moçambique, situa-a entre a mina de Sofala e Quíloa, e refere ainda a sua importância no futuro da expansão portuguesa no Oriente.
Conclusão 6. João de Barros distingue os autóctones dos povoadores e explica a missão dos últimos.


Fontes 8. De Moçambique a Melinde: Os Lusíadas – Canto V: 84. «[…] Já serás sabedor, e dos enganos / Dos povos de Mombaça, pouco humanos».

Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia
(Álvaro Velho)
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – Fernão Lopes de Castanheda

Ásia,  João de Barros
Rumo a Mombaça
Foram ao engano, em busca de uma cidade de cristãos, indicada pelos pilotos mouros.
Encalhe do S. Rafael
6. 4. 1498
Desencalhado o barco, apareceram duas embarcações com presente de laranjas mais doces do que as  de Portugal No navio ficaram dois mouros que no dia seguinte conduziram os portugueses a Mombaça para verificarem como  aí havia cristãos. Foram então ao longo da costa e viram muitas ilhas todas elas povoadas de mouros.
Frente à ilha e cidade de Mombaça
7. 4. 1498
Ancoram a frota frente a Mombaça, toda embandeirada nos seus muitos barcos.
«Fezemos outro tanto e mais aos nossos navios que nos falecia senão gente que não tínhamos porque ainda esta pouca que tínhamos era muito doente. E ali pousamos com muito prazer parecendo-nos que ao outro dia iríamos ouvir missa em terra com os cristãos que nos diziam que aqui havia e que estavam apartados sobre si dos mouros e que tinham alcaide seu.»
Visita de mouros ao navio do Capitão, com intenções pouco claras.
Domingo de Ramos,  o rei envia presentes e dois homens brancos que se diziam cristãos. Vasco da Gama enviou dois homens para verificarem sobre os cristãos e ficou com quatro mouros. Regressaram os portugueses com presentes e acreditando nos dois cristãos que viram.
Traição descoberta
Os navios não conseguiram entrar no porto e os mouros pensando que os portugueses iam embora atacaram e os pilotos atiraram-se à água.
«Estas e outras muitas maldades ordenavam estes perros mas Nosso Senhor não quis […]»
Descrição de Mombaça
«Quis Deus por sua misericórdia que como fomos junto desta cidade logo todos os doentes que trazíamos foram sãos porque esta terra é de muito bons ares.»
«E partimos de manhã dali.»
Ancoragem frente a Melinde
14. 4. 1498 […]
Contacto com o rei de Melinde[64]
Cap. IX - De como Vasco da Gama chegou Á cidade de Mombaça, e do que lhe aí aconteceu
« um sábado sete de Abril» viram os portugueses surgir Mombaça, terra de muitos mantimentos: boa carne, muito cereal, muita hortaliça, muita fruta, nomeadamente citrinos. Descreve-se a ilha, a cidade, os habitantes e o seu vestuário. Refere-se a cidade comercial com o porto repleto de embarcações.
Os portugueses estavam muito contentes e convencidos de que iriam assistir à missa em terra com os habitantes cristãos. O rei  enviou presentes (laranjas, cidrões, etc.) e convidou Vasco da Gama a entrar no seu porto.
Segue-se  envio dos dois homens para verificar a existência de cristãos. Verificação feita, estava tudo prestes a entrar no porto quando surge o problema na nau capitania e os mouros se desmascaram, pensando terem sido descobertos na sua traição. À noite atentaram  sorrateiramente contra os navios, nmas foram descobertos. De manhã a frota portuguesa parte.
Cap. X De como Vasco da Gama chegou à cidade de Melinde.
A âncora perdida. A partida sem piloto. A tomada dos barcos e doss seu tripulaantes e haveres. Chegada a Melinde «e parece. se com Alcochete».[65]
O piloto fornecido pelo xeque de Moçambique não conseguiu levar a frota à traiçoeira Quíloa, por causa das correntes.
«Aos sete dias de Abril, véspora de domingo de Ramos, chegaram ao porto de uma cidade chamada Mombaça, em a qual o mouro disse que havia cristãos»
Descrição da cidade. Primeiro contacto. Pedido de um piloto para entrar no porto da cidade. As cautelas dos mouros e dos portugueses.  Envio de dois portugueses com os mouros para espiarem o ambiente da cidade. Entrada da armada no porto roda engalanada perante grande assistência. Um problema naútico com a vela da nau capitania, fez qom que se manobrasse ruidosamente; pensando os mouros que era uma revolta e que a traição estava descoberta, lançaram-se ao mar ou aos barcos e fugiram. Então, os portugueses perceberam o engano em que estavam prestes a cair e partiram. Durante a noite ainda tentaram cortar as amarras dos navios, mas foram descobertos e impedidos. Partiram e encontraram uma embarcação e conseguiram informações muito positivas sobre Melinde e o seu rei. Decidiram atracar aí para tentar arranjar piloto que os levasse à Índia.
E foi no dia de Páscoa de 1498 que a armada chegou a Melinde. [66]
Conclusão 1. O Roteiro dá um grande destaque aos acontecimentos de Mombaça, tal como os textos dos dois historiadores: a eterna desavença entre mouros e cristãos.
Conclusão 2. As laranjas muito doces e melhores que as de Portugal são destacadas especialmente entre todos os alimentos, no Roteiro e na História. Sabe-se que a vitamina C é fundamental para a cura do escorbuto e outras doenças. Contudo, é só aos bons ares que é atribuída, no Roteiro, a cura dos nautas doentes.
Conclusão 3. Camões sintetiza os acontecimentos em dois versos da estância 84. «[…] Já serás sabedor, e dos enganos / Dos povos de Mombaça, pouco humanos».
Conclusão 4. As descrições da cidade e dos seus habitantes assemelham-se nos três textos, bem como as sequências narrativas.
Conclusão 5. Nos três textos, os autores referem a intervenção divina no momento em que os portugueses iam cair nas armadilhas preparadas pelos mouros. Poderá este recurso à divindade ter inspirado Camões para colocar Vénus e as Nereides a impedir as naus de entrarem nos portos da traição.




















II. 3. Conclusão geral

           
            Os textos comparados têm em comum o tópico – a primeira viagem por via marítima à Índia, entre Lisboa e Melinde – e o seu protagonista, o Capitão-mor Vasco da Gama, adjuvado pelos nautas, seus companheiros de viagem e sobretudo por Deus, a quem os prosadores referidos aludem quando vencem o perigo. Como forças oponentes mais perigosas destacam-se as traições e armadilhas provenientes dos Mouros, os inimigos ancestrais, surgidas no término da viagem, depois de os portugueses terem resistido aos esperados e aos inesperados perigos de tão longa viagem.
            O primeiro texto a ser escrito foi o Roteiro, de redacção contemporânea da viagem e coincidente com ela. Ele terá sido a fonte preferencial das obras dos dois historiadores, publicadas, pelo menos na parte respeitante à viagem, durante a vida de Luís de Camões e a tempo de lhe servir de fonte.
            Segundo José Maria Rodrigues, estudioso das fontes da epopeia, «Em um terço, aproximadamente, das estâncias dos Lusíadas é manifesta a influência exercida pela leitura que o poeta tinha daqueles dois escritores», referindo-se a Fernão Lopes de Castanheda e a João de Barros[67].
            Pela comparação de textos efectuada, pode concluir-se da inter-relação existente entre o Roteiro e as restantes obras comparadas, uma vez que ele seria conhecido dos três escritores quinhentistas, tendo-lhes servido de fonte.

            Poder-se-á responder agora à pergunta colocada no primeiro parágrafo da Introdução: poderemos numa epopeia, mesmo quando ela tem por base a própria História, buscar a verdade histórica dos feitos humanos?

            No caso de Os Lusíadas, é possível encontrar a verdade histórica para a maior parte da viagem estudada.
            O Professor Luís de Albuquerque afirma: «Camões quis, por conseguinte, que a sua epopeia não contivesse senão a verdade. Até onde me foi possível acompanhá-lo, concluo que nunca se afastou de um tal propósito.» O insigne matemático está a referir-se a casos experimentais ou objectivamente incontroversos como a descrição da tromba de água (Canto V, 19), às referências geográficas que, segundo ele, estão de acordo com as experiências recolhidas nas viagens dos Portugueses e dos Espanhóis, ou no caso da Astronomia, com o que se lia no livro adoptado nas Universidades, em particular, na de Coimbra, mas também ao eixo temático da epopeia – a viagem de Vasco da Gama – que é tratado com um escrupuloso respeito para com os factos, tais como eles poderiam ser conhecidos por Luís de Camões, através de uma tradição oral (que ignoramos) ou pelas narrações escritas que chegaram até nós. Termina afirmando que Os Lusíadas são um poema escrito com um alto respeito pela verdade. Verdade que Camões não se cansa de exaltar colocando-a duas vezes a par com a justiça[68].O poeta exprime o conceito no Canto V, 23, depois de descrever a tromba-d’água, momento em que afirma a exactidão do fenómeno natural observado e compara orgulhosamente a sua experiência enriquecida, com a dos Filósofos antigos que não puderam conhecer estas novidades que as navegações colocaram ao alcance do Poeta.


Se os antigos Filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhosas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de sinos e de estrelas!
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades.
C.V, 23



            Concluindo: a celebração épica da viagem de Vasco da Gama à Índia nutre-se da matéria histórica dos feitos portugueses, mas o Poeta transcende a realidade histórica pela magia da palavra poética, posta ao serviço de uma esplêndida imaginação criadora.
           
            Ultrapassado o estudo das fontes, exprima-se o interesse da leitura dos textos, para o conhecimento da vida abordo dos navios quinhentistas, acompanhando os marinheiros nessa rota plena de perigos e de esperança árdua, como canta o Poeta. Surge então um sentimento de admiração no leitor, por todos aqueles que defrontaram os mares ignotos e conquistaram o conhecimento deles, bem como pelo poeta que, com a sua arte literária , os celebrou.

Braga, 30 de Agosto de 2004
Maria José Domingues




[1] Hernâni Cidade, Luís de Camões – O Épico, Livraria Bertrand, 1968, vol.II, p.16.
[2]Bernardo Gomes de Brito, História trágico-marítima, Círculo de Leitores, Lisboa, 1994. p.32.
[3] Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto V, 48, 7-8.
[4] Ibidem, Canto I, 11, 1-6..
[5] Sacrlat Lambrino, «Argonautas», in Verbo – Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura, vol.2, p.1091.
[6] Sacrlat Lambrino, «Apolónio de Rodes», ibidem, p.788.
[7] José Maria Rodrigues, Fontes d’Os Lusíadas, 2º edição, Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1979, p.533.
[8] Horácio, Arte Poética,  Editorial Inquérito Limitada, Lisboa, 1984, vv.148-149: «semper ad euentum festinat et in medias res / non secus ac notas auditorem rapit […]».
[9] Francis M. Rogers, «Camões d’ Os Lusíadas: professor renascentista para professores modernos», in Arquivos do Centro Cultural Português, Camões, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, 1981, vol. XVI, pp. 23-31.

[10]  Roteiro da primeira viagem à Índia (Álvaro Velho), Leitura crítica, notas e estudo introdutório por José Marques, Faculdade de Letras do Porto, Porto, 1999.
[11] Ana Paula Menino Avelar, Visões do Oriente, Edições Colibri, Lisboa, 2003.
[12]  Fernão Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, vol.I Editores Lello & Irmão, Porto, 1979.
[13] João de Barros, Décadas, selecção, prefácio e notas de António Baião, vol.1, «Colecção de Clássicos Sá da Costa», Livraria Sá da Costa Editora, 3ª edição, 1982.
[14] José Maria Rodrigues, Fontes dos Lusíadas, Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1979, p.65.
[15] Ana Paula Menino Avelar, Visões do Oriente, Edições Colibri, Lisboa, 2003, p.14.
[16] Rodrigues, op.cit., p.5, notas 1 e 2.
[17] Luís de Camões, Os Lusíadas, edição organizada por Emanuel Paulo Ramos, Porto Editora, 2ª edição, s.d.
[18] Roteiro da primeira viagem à Índia ( Álvaro Velho), Leitura crítica, notas e estudo introdutório por José Marques, Faculdade de Letras do Porto, Porto, 1999.
[19]  Fernão Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da  Índia pelos Portugueses, editores Lello & Irmão, Porto, 1979, vol. I.
[20] João de Barros, Décadas, selecção, prefácio e notas de António Baião, vol.1, «Colecção de Clássicos Sá da Costa», Livraria Sá da Costa Editora, 3ª edição, 1982.
[21] Op. cit., p.31.
[22] Op. cit., p.11.
[23] Op.cit., Década I, Livro IV, capítulo I, com o título «Como Vasco da Gama partiu de Lisboa, e do que passou até chegar ao padrão que Bartolomeu Dias pôs além do Cabo da Boa Esperança», p.9.
[24] Ibidem, p.11.
[25] Op. cit., p.31.
[26] Ibidem, p.32.
[27] Idem, Ibidem.
[28] Op.cit., p.11 e 12.
[29] Op.cit, p.12.
[30] informação recolhida em: Luís de Camões, Obras Completas com prefácio e notas do Prof. Hernâni Cidade, vol IV, Os Lusíadas (cantos I a V), Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1968, p. 241, nota V.
[31] José Maria Rodrigues, ed. d’ Os Lusíadas, pp. CXXXV e ss.
[32] José Maria Rodrigues,, Fontes dos Lusíadas, Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1979, pp.228-229.
[33] Op.Cit., Álvaro Velho, pp.33 a 36.
[34] Ibidem, p.37.
[35] Op.Cit., Castanheda, p.12.
[36] ibidem, p.14.
[37] Op.cit., Barros, p.12.
[38] Cf. Castanheda, op. cit., pp.75 e 76; Ap. José Maria Rodrigues, op. cit.p. 68: Barros, Ásia, Década 1ª, livro V, cap. .II, fl.56v.
[39] Op.cit., Barros, pp.13 a 15.
[40] Op.Cit. Álvaro Velho, pp. 35 e 36.
[41] Op.cit.,  Castanheda, p.13.
[42] Op.cit., Barros, pp. 17 e 18.
[43] Op. cit., Álvaro Velho, p. 37.
[44] Ibidem, p.41.
[45] ibidem, p.42.
[46] Ibidem, pp. 42 e 43.
[47] Idem, ibidem.
[48] Op. cit., Castanheda, pp. 14 -16.
[49] Op. cit., Barros, pp. 19 a 21.
[50] Ibidem, pp. 43 e 44.
[51] Ibidem, pp.44-46.
[52] Op. cit. Castanheda, pp. 16 e 17.
[53] Op. cit., Barros, p.21.
[54] Op. cit., Álvaro Velho, pp.46 a 48.
[55] Op. cit. Castanheda, pp. 17 e 18.
[56] Op,. cit., Barros, 21-23.
[57] Op. cit., Álvaro Velho, p.47.
[58] Op. cit, Castanheda, p.18.
[59] Op.cit., pp.23 e 24.
[60] Álvaro Velho, op. cit., pp48 a 59.
[61] Castanheda. op.cit., pp20-21.
[62] Barros, op. cit., pp. 24-35.
[63] Ibidem, p.28.
[64] Álvaro Velho, op. cit., pp. 59-65
[65] Castanheda, op.cit., pp26-30.
[66] João de Barros, op. cit., pp37-42.
[67] José Maria Rodrigues, Fontes dos Lusíadas, Academia de Ciências de Lisboa, Lisboa 1979, p.65.
[68][68] Luís de Albuquerque, «Sur quelques textes que Camões consulta pour écrire Os Lusíadas», in Arquivos do Centro Cultural de Paris – Camões, v. 16, Paris, 1981, pp.49-50.