segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O fio de Ariadne

3 de Março de 2010: o engasgue absoluto

Morrera engasgada com um livro produzido nos seus cem anos de solidão autoral do género feminino. Escrevera-o lentamente ao longo de uma vida e devorara-o numa manhã até sufocar.
Lera e magicara demais, dizia-se encolhendo os ombros, como quem diz que isso faz muito mal e, por isso, mais vale não ler ou até ficar analfabeto. Afinal tanto se fica mal da cabeça de uma maneira como da outra. De tanto ler a cabeça  fica vazia e de não ler também fica. Venha o diabo e escolha, mas o destino é sempre a morte. Assim ou assado. Tanto faz. Todos temos de morrer, etc. - discursos que se dizem por dizer e que compõem a conversa.
Outros, porém, sobressaltados, questionavam-se. Que livro seria aquele? Nada que valesse a pena, já está tudo escrito; que poderia ela acrescentar, nada; fez muito bem em engoli-lo, mas devia fazer isso com método, com muita água e aos poucos, para poder incorporá-lo no seu ser e assim publicava-o sem ninguém saber: somos o que comemos. Talvez esta verdade tenha influenciado o acto suicidário atabalhoadamente realizado, como de costume, em imperfeição.

Lazdo, Maria José, O Fio de Ariadne (Diário de 2010)