domingo, 29 de junho de 2014

Ernesto Salamida - Quem é quem em OS MEMORÁVEIS de Lídia Jorge



 Ernesto Salamida – Que Memorável Representa?

 Parto da obra de ficção, que, num primeiro momento, traça o perfil guevarista de Salamida na foto do restaurante Memories, acrescido dos registos memoriais dos comparsas daquele jantar e do desenvolvimento da personagem na entrevista e nas suas consequências; privilegio, para os factos reais de há quarenta anos, O Dia Inicial de Otelo Saraiva de Carvalho; e, para o presente, forneço  a surpresa oferecida pela comunicação social.
1. A personagem Salamida tem o seu desenvolvimento no capítulo IX e nele aparece ligada «à emissão de rádio que havia dado o sinal definitivo de saída para as colunas militares, na noite que tínhamos passado a chamar de memorável. […] Era o som emblema da noite memorável» (p.172). Os jornalistas da CBS ouviram Grândola Vila Morena como preparação para o encontro com o advogado Salamida, que «escrevia para a rádio, à altura da revolução». Perante a pergunta direta de Margarida Lota sobre a consciência de risco da sua participação e o pedido da explicação dos acontecimentos passados há trinta anos. Ouviu-se uma resposta concisa: «Tenho muito pouco para dizer. A gravação havia sido feita durante a tarde, tinha sido examinada pelos dois censores, o político e o da igreja, e tinha obtido aprovação de ambos, e tudo isso está por demais explicado. […] A gravação foi para o ar com dois minutos de atraso, e a emissão durou ao todo nove minutos e dez segundos […]. O resto muita gente diz saber» (p.175). Os jornalistas queriam um testemunho pessoal, mas Salamida negava-o, apesar da insistência da mãe. Sente-se a dor de quem arriscou a pele e foi relegado depois da vitória, porque outros se apoderaram do seu ato heroico. E esses outros eram talvez mais de cem e não apenas os dois que saíram efetivamente da RR para a Rua Ivens.
A personagem Salamida representa aquele que conseguiu fazer passar a senha na Rádio Renascença para todo o país - ação fundamental para pôr a revolução em curso a partir dos quartéis.
2. Otelo, em O Dia Inicial, data de 23 de Abril os contactos para as senhas/sinais-radiofónicos.
A pessoa que Salamida representa fora a escolha necessária, depois de falhar a do Rádio Clube Português, uma vez que Otelo contava que lá trabalhasse o radialista, seu subordinado militar na Guiné e homem de sua confiança, João Paulo Diniz. Acontece que, no encontro havido, ficou-se a saber que ele trabalhava em estúdio alugado nas instalações do RCP para a emissão dos seus programas e era locutor nos Emissores Associados de Lisboa, «cuja potência de emissão não alcançava mais de 100km de raio em área circular» (p.33). Depois de acertos, combinou-se que, a 24 de Abril, às 22:55, João Paulo Diniz faria passar o primeiro sinal radiofónico, que funcionaria para as unidades da Região Militar de Lisboa, Santarém e Vendas Novas: «Faltam cinco minutos para a meia-noite e convosco fica Paulo de Carvalho com E depois  do Adeus».
O problema do sinal para todo o país não ficara resolvido. E, na sua resolução, encontrar-se-á a decifração do enigma Salamida.
Otelo escreve que «recorreu à utilização da Rádio Renascença, cuja participação já nos tinha sido garantida por parte do jornalista Carlos Albino, realizador de texto no programa “Limite”, produzido por Marcel de Almeida, e que, contactado por Álvaro Guerra, seu colega na redacção do jornal República, pusera o programa à disposição do MFA, disso dando conta a Marcel e a Manuel Tomás, que, vindo de Moçambique com Leite de Vasconcelos, era destacado sonoplasta do “Limite”» (pp.33-34). Otelo escolhera para senha Zeca Afonso em Traz Outro Amigo Também, Santos Coelho preferia Venham Mais Cinco. Carlos Albino informou que as canções do Zeca estavam censuradas, mas escapara à censura Grândola Vila Morena, que ele propunha. No dia 24 de Abril, pelas 10hs, Álvaro Guerra informa Carlos Albino da aceitação da sua proposta «como sinal-rádio para confirmação das operações e que o mesmo deve ser posto no ar, nos termos já combinados, entre as 00horas e as 00h30 de 25 de Abril» (p.36). Carlos Albino informa de imediato Manuel Tomás e solicita a comparência na emissora de Leite de Vasconcelos, realizador de estúdio, que se encontrava de folga, para gravar um bloco de onze minutos. Fora do segredo, o realizador acedeu contrariado.
O jornal República chama a atenção para a excelente qualidade do programa Limite da RR, a ser difundido depois da meia-noite, aconselhando a sua atenta audição.
O segundo sinal-rádio - Grândola Vila Morena, leitura da primeira quadra, seguida do disco - «dá a indicação a todas as unidades de que, a partir de determinada hora já há dezenas de camaradas profundamente empenhados no golpe e que, estando tudo a correr conforme o plano, têm obrigação de, haja o que houver, abandonar o quartel para o cumprimento das missões » (p.54).
25 de Abril, 00:20
Na apresentação do programa Limite, está a substituir Leite de Vasconcelos, o locutor estagiário Paulo Coelho, desconhecedor do segredo e respetivas combinações, que, à hora marcada, passa publicidade, em vez de passar a gravação sinal-radiofónico. Manuel Tomás «salva o momento, quando, no final do primeiro anúncio, dá um pequeno safanão na mão do técnico de som João Videira e consegue fazer arrancar a bobine que contém a tão esperada senha. Carlos Albino admoesta Paulo Coelho pela troca de bobines […]. Intervém o coronel da censura, que é informado ser coisa de pouca monta e tratar-se apenas de um lapso do estagiário. Carlos Albino e Manuel Tomás respiram fundo, aliviados […]. Finalmente, ainda dentro do período combinado, os potentes emissores da Rádio Renascença transmitem a gravação» (p.69).
3. Selecciono das leituras feitas na Comunicação Social as três que se seguem, sendo que a última foi uma verdadeira surpresa.:
1. 4 de Abril de 1999
A verdadeira história da senha do 25 de Abril de 1974
Era meia-noite, 20 minutos, 19 segundos
Carlos Albino
http://alvalade.no.sapo.pt/25abril.htm
2. «Natural de Loulé, Carlos Albino esteve diretamente ligado ao desenrolar dos acontecimentos do dia 25 de abril de 1974, por ter sido o responsável pela emissão da senha do início das operações militares que iriam derrubar o regime ditatorial, através do Programa Limite, na Rádio Renascença. A leitura gravada da primeira estrofe da canção “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso, confirmou o golpe e o avanço das forças armadas»[1].
3. Carlos Albino elogia Lídia Jorge: "A minha mulher é a leveza mais suave que conheço." 09 Outubro 2009 às 12:32

Carlos Albino e Lídia Jorge




[1] http://www.sulinformacao.pt/2014/01/jornalista-carlos-albino-vai-presidir-a-comissao-dos-40-anos-do-25-de-abril-e