segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

I. Mia Couto – em busca da expressão da «alma nacional» de Moçambique



Mia Couto – em busca da expressão da «alma nacional» de Moçambique
Mar me quer
Sou uma leitora e releitora de Mia Couto. Neste momento acabo de reler Mar me quer – a obra de arte no seu todo. Perfeita e redonda como Luarmina – a mina de luar.
Centrando-me na motivação da obra, parece-me importante o momento cultural do seu lançamento: «Mar Me Quer [MMQ] Lisboa, Parque EXPO/NJIRA, 1998: contribuição para o pavilhão de Moçambique na Exposição Mundial EXPO '98 em Lisboa».
Neste contributo burilado em arte literária, poder-se-á vislumbrar a vontade da criação de uma identidade literária de Moçambique, visando a criação da língua moçambicana, num casamento feliz entre uma língua banto e o português. Se, para isso, é preciso encontrar «a alma nacional» (de que fala Octávio Paz, a propósito da fundação do mexicano face ao espanhol), Mia Couto busca-a e cria a expressão literária moçambicana, capaz de divulgar essa «alma nacional» numa língua entrecruzada pelos estratos que a História foi legando.
Esse é um dos assuntos transversais à obra Mar me quer. Encontrar e desnudar com pudor essa «alma nacional» moçambicana (banto-macua-portuguesa) de cor negra do avô Celestiano e do pai Agualberto Salvo-Erro até à cor da mulata Luarmina – a Vénus mulata que enfeitiça pai e filho.
A presença constante da sabedoria do avô Celestiano anuncia ao leitor, no início de cada capítulo, o valor da sabedoria dos mais velhos, por mais próximos das origens mítico-religiosas da cultura macua – os filhos da Monte Namuli, nascidos a partir das raízes da grande Árvore, o embondeiro. 
Grande desgosto tinha Celestiano por seu filho, Agualberto Salvo-Erro, se ter afastado ideologicamente das origens. Contudo, antes de morrer, Agualberto visita com o filho, o narrador Zeca Perpétuo, o embondeiro de Ritsene, ao qual oferece o coral preto e único, depois de enviar mensagem ao padre, renunciando à igreja dos brancos e reafirmando o culto dos antepassados.

«-Essa é a nossa igreja, disse meu pai, apontando a árvore. Ouviu, Zeca?[…]
- Diga ao padre Nunes que eu vim aqui, na árvore dos antepassados. Diga que eu vim aqui, não fui lá ajoelhar na igreja dele…»

O culto dos antepassados abrange a Natureza, presente também na gratidão ao bosque e suas árvores, tendo sido uma delas a fornecedora da madeira para o seu barco. Grato, deposita a oferta no chão: um coral - «era outra oferta aos deuses».
Despede-se do filho e entrega-se ao mar… da sua vida e do seu amor. Também será ao som do mar que Zeca Perpétuo vai entrar na eterna dança, a encerrar a obra.

Mª José Domingues