sábado, 22 de junho de 2013

Curso para a morte



Curso para a morte

Curso de água e ela corre para o mar
Curso de vida e ela corre para a morte

E no decurso
a água desliza, pula e une correntes
Em ciclo
 da terra à nuvem

E no percurso
a vida enche-se de alegrias e ais
Dos avós até aos pais
E não se aprende a morrer

“Discutir a morte é discutir a vida. Repensar nossos valores e afetos. É enriquecer a vida, potencializando-nos com aquilo que temos de melhor no presente da nossa finitude e nos projetando para a transcendência. A morte coloca o ser humano diante de questões essenciais, de perguntas profundas, que não podem ser escamoteadas pela discussão apenas de aspectos periféricos. Morrer bem, ter uma morte tranquila, sem dor e sofrimento, bem assistida, com amparo médico, social e familiar – tudo isso, sem dúvida, faz parte do processo educativo para a morte”, finaliza o Prof. Dr. Franklin Santana Santos. Fruto dos dois primeiros anos de atividade, a Disciplina de Tanatologia elaborou o livro “A Arte de Morrer – Visões Plurais” (vol. 1 e 2), que foi finalista do prêmio Jabuti 2008. 

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Fernando Pessoa SANTO ANTÓNIO



Fernando Pessoa
SANTO ANTÓNIO
SANTO ANTÓNIO
Nasci exactamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!

Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.

(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)

Adiante ... Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.

Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e ansiosa,
Etcetera...
Mas qual de nós vai tomar isso à letra?
Que de hoje em diante quem o diz se digne
Deixar de dizer isso ou qualquer outra coisa.

Qual santo! Olham a árvore a olho nu
E não a vêem, de olhar só os ramos.
Chama-se a isto ser doutor
Ou investigador.

Qual Santo António! Tu és tu.
Tu és tu como nós te figuramos.

Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instinto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.

Nós somos todos quem nos faz a história.
Nós somos todos quem nos quer o povo.
O verdadeiro título de glória,
Que nada em nossa vida dá ou traz
É haver sido tais quando aqui andámos,
Bons, justos, naturais em singeleza,
Que os descendentes dos que nós amámos
Nos promovem a outros, como faz
Com a imaginação que há na certeza,
O amante a quem ama,
E o faz um velho amante sempre novo.
Assim o povo fez contigo
Nunca foi teu devoto: é teu amigo,
Ó eterno rapaz.
[...]




Fernando Pessoa: Santo António, São João, São Pedro. Fernando Pessoa. (Organização de Alfredo Margarido.) Lisboa: A Regra do Jogo, 1986.
 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

CAMÕES CONTRA A CORRUPÇÃO

LUÍS VAZ DE CAMÕES (1524-1580)


Selecção de estrofes de Os Lusíadas :


Do canto IX, estrofe 93:


E ponde na cobiça um freio duro,

E na ambição também, que indignamente

Tomais mil vezes, e no torpe e escuro

Vício da tirania infame e urgente;

Porque essas honras vãs, esse ouro puro,

Verdadeiro valor não dão à gente:

Milhor é merecê-los sem os ter,

Que possuí-los sem os merecer.



Canto X, estrofe 145:



No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

Dhüa austera, apagada e vil tristeza.