domingo, 1 de outubro de 2017

CEIFEIRA .- FERNANDO PESSOA


Fernando Pessoa, a15 de janeiro de 1915, escreve uma longa carta ao amigo açoriano Armando Cortes-Rodrigues, à qual anexa «Ela canta, pobre ceifeira» e mais onze poemas.

Sobre o envio dos poemas, informa:
   «Mando-lhe alguns versos meus... Leia-os e guarde-os para si... A seu Pai, se quiser, pode ler, mas não espalhe porque são inéditos. Amo especialmente a última poesia, a da Ceifeira onde consegui dar a nota paúlica em linguagem simples. Amo-me por ter escrito

  Ah, poder ser tu, sendo eu!
  Ter a tua alegre inconsciência
  E a consciência disso!...

e, enfim, esta poesia toda» ( Fernando Pessoa, 1959 - Cartas a Armando Cortes-Rodrigues, Editorial Inquérito, p.78).

Desta forma, Pessoa parece identificar «a nota paúlica» com a expressão poética da alteridade, formulada poeticamente em Pauis, poema datado de 29 de março de 1913 e publicado no primeiro número da revista A Renascença, em 1914.


Sobre a alteridade, Fernando Guimarães (GUIMARÃES, F., 1990: 56). esclarece que «alguns poetas e escritores românticos […] concorreram dum modo extremamente decisivo para o aparecimento duma poética da alteridade, a qual […] atingirá o seu momento mais alto com o Pós-Simbolismo e o Modernismo […]». Salienta o papel da «consciência, sobretudo no caso da poesia, de que, em relação ao autor, há uma sobreposição de personae, de máscaras», tornando-se «uma das obsessões da literatura que […] começa renovadoramente a afirmar-se nas primeiras décadas deste século». Destaca Fernando Pessoa, «que levou até às últimas consequências a distanciação e a ambígua multiplicidade da pessoa do autor mediante um analitismo que será uma das soluções mais conseguidas da própria impersonalidade artística» (Domingues, Maria José, 2007, Fernando Pessoa e «A Nova Poesia Portuguesa»: da teoria à concretização poética em Pauis).