segunda-feira, 10 de junho de 2013

CAMÕES CONTRA A CORRUPÇÃO

LUÍS VAZ DE CAMÕES (1524-1580)


Selecção de estrofes de Os Lusíadas :


Do canto IX, estrofe 93:


E ponde na cobiça um freio duro,

E na ambição também, que indignamente

Tomais mil vezes, e no torpe e escuro

Vício da tirania infame e urgente;

Porque essas honras vãs, esse ouro puro,

Verdadeiro valor não dão à gente:

Milhor é merecê-los sem os ter,

Que possuí-los sem os merecer.



Canto X, estrofe 145:



No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

Dhüa austera, apagada e vil tristeza.

Fernando Pessoa – Íbis



Fernando Pessoa – Íbis

Acerca do Poema Pial
(in Fernando Pessoa Correspondência 1923-1935, edição Manuela Parreira da Silva, 1999, Assírio & Alvim,pp.192-194, 408)

Carta a Ofélia Queirós

Bebé:

Obtida a devida autorização do snr. eng. Álvaro de Campos, mando-lhe o poema que escrevi entre as estações da Casa Branca e Barreiro A, terminando a inspiração, entretanto, na Moita.
Este poema deve ser lido de noite e num quarto sem luz. Também, devidamente aproveitado, serve para fazer papelotes para as bonecas de trapo, para tapar as fechaduras contra o frio, os olhares e as chaves, e para tirar medidas para sapatos a pés que não tenham mais comprimento que o papel.
Creio que estão feitas todas as recomendações para o uso. Não é preciso agitar antes de usar.
Até logo.

Íbis

11-1-1930

Nota: Esta é a última carta que se conhece de Fernando Pessoa a Ofélia Queirós.
A resposta, datada de 12 de Janeiro, mostrava, porém, uma Ofélia feliz com os telefonemas que o namorado lhe  fizera e com a carta do Íbis:
«Peço agradeça ao Sr. Eng. Álvaro de Campos a gentileza que usou  para comigo autorizando a que o Íbis me enviasse o poema, que eu utilizarei segundo as suas recomendações. Eu já o sabia quase todo de cor, de quando me disse na rua de S. Bento, mas não me recordava das pias n.ºs 7, 8, 9, que não são nada para esquecer visto que são óptimas. Decerto elas são todas uma maravilha quanto a sentimento» ( Cartas de Amor de Ofélia a Fernando Pessoa).

[ O Poema Pial é enviado na referida carta a Ofélia e é da autoria de Íbis, nome com o qual Fernando Pessoa assina «alguns poemas relacionados com circunstâncias familiares», e continua a surgir «ao longo da sua vida, nas brincadeiras com os sobrinhos e na relação com Ofélia Queirós, a Íbis do Íbis» (Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português,  Martins, Fernando Cabral, 2009, Editorial Caminho, p. 343)].


Casa Branca - Barreiro A

POEMA PIAL

Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.

Pia número UM
Para quem mexe as orelhas em jejum.

Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.

Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.

Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.

Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.

Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis.

Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.

Pia número OITO,
Para quem parte nozes quando é afoito.

Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.

Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.

E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias!

MOITA

Silêncio na estação
À vontade do freguês