sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

João de Melo e Roland Barthes em prol de «um novo humanismo» – em Gente Feliz com Lágrimas



 A obra Gente Feliz com Lágrimas, publicada em 1988, é constituída por seis livros,   intitulando-se o sexto «Livro Zero». É evidente que este título traz à colação O Grau Zero da Escrita de Roland Barthes. Por isso, depois de reler a obra de João de Melo, fez-se a releitura da referida obra de Barthes, tendo-se concluído que, de facto, existem afinidades. Contudo, neste texto apenas focarei aquela que me parece fulcral.

No capítulo V da obra de Barthes, «A escrita e a fala», o autor afirma que «a apreensão de uma linguagem real é para o escritor o ato literário mais humano» e que «parte da Literatura moderna é atravessada pelos fragmentos mais ou menos precisos desse sonho: uma linguagem literária que atinja a naturalidade das linguagens sociais», ainda que não deixe de ser uma escrita inteiramente convencional.
Verifica-se que esses fragmentos do «eu» em ato de fala que constituem grande parte de Gente Feliz com Lágrimas perseguem o sonho da redação em linguagem social com sucesso. Nessa busca formal, repare-se no recurso aos regionalismos e aos estrangeirismos tão característicos no discurso real dos emigrantes e ao contraste com o discurso da médica Marta e do escritor Nuno.
Congratula-se Barthes com «o desenhar-se a área possível de um novo humanismo» literário: «a reconciliação entre o verbo do escritor e o verbo dos homens». Eis, a meu ver, a chave principal para desvendar o jogo literário da escrita de Gente Feliz com Lágrimas - em prol de um novo humanismo, que, para além da técnica formal da construção do romance, passa pela pacificação intergeracional envolvendo as raízes telúricas.

Maria José Domingues